
Ilustração da Mother Jones; Christopher Furlong/Getty; Mandel Ngan/AFP/Getty; Don Emmert/AFP/Getty; Getty
Alice Maciel, Laura Scofield, Maria Martha Bruno e Isabela Dias
05 ago 2025
[Nota do Website: Reproduzimos esse material publicado por uma mídia norte americana. Mother Jones, em conjunto com a mídia brasileira, Agência Pública, para que possamos conhecer meandros que às vezes nos escapam em nosso dia a dia. Esses meandros demonstram que o que se passa agora nas relações entre Brasil e EUA, tem uma história que nem sempre conhecemos].
Paulo Figueiredo está construindo uma ponte entre a extrema direita brasileira e Trump. Registros judiciais revelam sua suposta ligação com um caso de falência de alto perfil.
Em 16 de julho, Paulo Figueiredo, influenciador de direita brasileiro e neto de um ex-ditador militar, estava em frente à Casa Branca. Ao seu lado estava Eduardo Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, o ex-presidente brasileiro que está sendo julgado por uma suposta tentativa de golpe. Os dois herdeiros tinham acabado de ter “uma rodada muito importante de reuniões” com altos funcionários do governo americano, disse Eduardo em um vídeo publicado online. Eles queriam compartilhar com seus seguidores o que poderia acontecer a seguir.
No início de julho, o presidente Donald Trump anunciou uma tarifa de 50% sobre as importações do Brasil para os Estados Unidos. Trump explicou a medida como, em parte, uma refutação do que ele chamou de “caça às bruxas” contra Jair Bolsonaro e os “ataques insidiosos” à liberdade de expressão por parte das autoridades brasileiras que investigam um complô de 2022 para manter o presidente derrotado no poder. No vídeo, Figueiredo, um autoproclamado jornalista exilado radicado na Flórida, disse que as tarifas marcaram o “início de uma jornada que pode ser terrível para o Brasil”.
Durante meses, Eduardo e Figueiredo vêm liderando uma campanha internacional para pressionar os Estados Unidos a impor sanções. Em particular, a dupla tem como alvo Alexandre de Moraes, o ministro do Supremo Tribunal Federal que supervisiona a investigação sobre o suposto papel de Jair Bolsonaro no golpe fracassado. Eles acusam Moraes, que reprimiu vigorosamente as plataformas de mídia social sobre a disseminação de desinformação, de ser um “ditador de fato” censurando vozes conservadoras no Brasil. Alguns dias após suas supostas conversas na Casa Branca, o Secretário de Estado Marco Rubio ordenou a revogação de vistos americanos para Moraes, seus aliados e familiares. Figueiredo também saudaria as tarifas como “a decisão certa” – em linha com o esforço da dupla para punir Moraes, que agora foi formalmente sancionado nos EUA.
Figueiredo é um articulador-chave da agenda da extrema direita brasileira nos Estados Unidos, que inclui um pedido de anistia para o ex-presidente — impedido de concorrer a cargos públicos até 2030 —, bem como para seus apoiadores presos, envolvidos nos violentos protestos de 8 de janeiro de 2023, e outros considerados perseguidos politicamente. À medida que a esfera de influência de Figueiredo em Washington parece crescer, ele também atrai mais escrutínio. A Agência Pública e a Mother Jones descobriram que sua empresa na Flórida foi citada como ré em uma das centenas de denúncias apresentadas em um processo federal de falência que busca a recuperação de transferências supostamente feitas como parte de um amplo esquema de fraude liderado pelo magnata chinês Guo Wengui.
Guo, preso em março de 2023, foi condenado por nove acusações criminais, incluindo lavagem de dinheiro e extorsão. Autoexilado nos Estados Unidos desde 2015, Guo — também conhecido como Miles Guo, Ho Wan Kwok e Miles Kwok — tinha relações comerciais com o ex-estrategista de Trump, Steve Bannon, que é próximo da família Bolsonaro. O magnata chinês também era investidor e, segundo informações, controlava a plataforma Gettr, que patrocinava eventos em apoio à candidatura de Jair Bolsonaro à reeleição em 2022.
Guo ganhou notoriedade como um autoproclamado crítico do Partido Comunista Chinês e apoiador da extrema direita americana, ajudando a disseminar teorias da conspiração sobre as origens da Covid. Ele pagou a Bannon pelo menos US$ 1 milhão em honorários de consultoria relacionados à sua rede de empreendimentos e organizações de mídia, que incluía um grupo que eles cofundaram para servir como um suposto governo paralelo fora da China. Como a Mother Jones relatou anteriormente , Guo foi acusado de enganar milhares de seguidores online para investir em negócios sob seu controle e desviar mais de US$ 1 bilhão para financiar seu estilo de vida luxuoso.
A denúncia do processo adversário contra a empresa de Figueiredo, International Treasure Group — registrada na Flórida desde 2017 — alega que uma transferência de US$ 140.000 para a empresa foi fraudulenta. Registros públicos do tribunal apresentados em fevereiro de 2024 no Tribunal de Falências dos EUA para o Distrito de Connecticut indicam que a suposta transação veio de uma empresa de fachada de propriedade de Guo, a HCHK Technologies Inc.
“Esta transferência foi, na verdade, fraudulenta, pois o Devedor a efetuou como parte de seu ‘jogo de fachada’ e foi feita com a intenção de atrapalhar, atrasar e/ou fraudar seus credores”, afirma a denúncia. O documento de 15 páginas não inclui informações sobre a data exata ou a natureza da transação, mas, de acordo com os registros, ela ocorreu em algum momento antes de 15 de fevereiro de 2022, quando Guo entrou com o pedido de falência. (O pedido não alega irregularidades por parte do destinatário dos fundos.)
Embora possuísse um iate de US$ 37 milhões, morasse em uma cobertura de US$ 67 milhões com vista para o Central Park de Nova York e fosse amplamente considerado bilionário, Guo alegou em tribunal que não tinha “ativos suficientes para pagar suas dívidas e que seu estilo de vida luxuoso era financiado por sua família”. Ele declarou apenas US$ 3.850 em ativos, mas foi acusado de operar empresas de fachada para ocultar sua riqueza e declarar falência. Os autos do tribunal afirmam que ele usava essas empresas “como cofrinhos pessoais, financiando o estilo de vida luxuoso ao qual ele e sua família haviam se acostumado”. Em março de 2023, Guo foi acusado de 12 crimes, incluindo lavagem de dinheiro, extorsão, fraude eletrônica e fraude com valores mobiliários. Ele foi condenado em julho de 2024 por nove deles.
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Sua rede de “finanças labirínticas”, conforme caracterizada em um processo judicial de falência, movimentava fundos por meio de cerca de 500 contas mantidas por pelo menos 80 entidades ou indivíduos, incluindo a HCHK Technologies, a empresa por meio da qual a transação com a empresa de Figueiredo teria sido feita. A denúncia contra o International Treasure Group busca a recuperação do valor transferido. Figueiredo recebeu uma notificação da denúncia, mas não se manifestou dentro do prazo, resultando em um registro de inadimplência contra a empresa. Até a data da publicação, o processo estava em andamento com a nomeação de um mediador.
Um ex-alto funcionário da Gettr, falando sob condição de anonimato, disse à Agência Pública e à Mother Jones que Figueiredo esteve envolvido nos esforços iniciais para lançar a rede social globalmente. Sua atuação na empresa ocorreu “nos primeiros dias, antes da finalização da documentação corporativa da Gettr”. A fonte disse que “amigos em comum trouxeram” Figueiredo para a Gettr e que ele trabalhou “ajudando a recrutar influenciadores de mídia social para ingressar na plataforma” após seu lançamento. A Gettr admitiu anteriormente à Mother Jones que pagava figuras de direita para usar o site.
Figueiredo não respondeu a uma lista de perguntas sobre a denúncia ou sua suposta ligação com a Gettr. Em um e-mail, ele chamou as perguntas de “besteiras” e ameaçou: “Eu sei como lidar com pessoas assim”.
O administrador judicial americano no caso de falência de Guo também buscou recuperar pagamentos supostamente feitos à Gettr e a duas empresas de Bannon, a Warroom Broadcasting & Media Communications LLC e a Bannon Strategic Advisors. Procurado para comentar as queixas, Bannon disse: “É um processo de falência padrão — que já dura anos — e toda a mídia de esquerda no Brasil, como você, que trabalha para Lula [o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva], que se foda.” (Bannon continuou: “Pergunte ao Lula como é ser esmagado pelo presidente Trump. rsrsrs.”)
Uma denúncia analisada pela Agência Pública e pela Mother Jones afirma que a HCHK Technologies e outra empresa de fachada supostamente controlada pelo bilionário chinês, a Lexington Property and Staffing Inc., “transferiram fundos no valor de US$ 353.000” para Jason Miller, ex-assessor de Trump e ex-CEO da Gettr. Em resposta apresentada ao tribunal de falências em maio, Miller argumentou que não havia conexão entre os “crimes de Guo e as transferências em questão”.
A rede social, ideal para o MAGA, que chegou ao Brasil em julho de 2021, serviu como espaço para a disseminação de desinformação alinhada ao movimento pró-Bolsonaro e entrou no radar da Polícia Federal brasileira em um inquérito sobre “milícias digitais” que investiga a existência de uma organização criminosa que opera online contra as instituições democráticas brasileiras. (Elon Musk, dono do X, também foi incluído na investigação.)
Dias após o lançamento da Gettr nos Estados Unidos, Miller, então CEO da rede social, anunciou o interesse da empresa em entrar no mercado brasileiro. “O Brasil será um grande mercado para a Gettr”, comemorou em seu perfil na plataforma em 6 de julho de 2021. Em 2022, ano eleitoral no Brasil, o perfil “Gettr Brasil Oficial” impulsionou a imagem de Jair Bolsonaro, então presidente em exercício e candidato à reeleição. A conta cobria as transmissões semanais do presidente, divulgava sua agenda, compartilhava comunicados da secretaria de comunicação do governo e realizava transmissões ao vivo com apoiadores do presidente.
Miller visitou o Brasil pelo menos três vezes entre 2021 e 2022 e participou de um comício pró-Bolsonaro no Rio de Janeiro antes das eleições presidenciais de setembro de 2022. Durante uma visita ao país para participar da Conferência de Ação Política Conservadora, Miller foi brevemente interrogado por autoridades brasileiras que investigavam notícias falsas e atos antidemocráticos. Em uma recente aparição em um podcast , Eduardo Bolsonaro creditou Miller, que chamou Moraes de “a maior ameaça à democracia no Hemisfério Ocidental”, por ajudar a “chamar a atenção do presidente Trump para o que está acontecendo no Brasil”.

Neto de João Figueiredo, o último presidente da ditadura militar brasileira, que durou 21 anos, Paulo Figueiredo está entre as 34 pessoas indiciadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em conexão com a investigação da tentativa de golpe. Ex-comentarista de uma rádio de direita, ele teria usado sua influência para “pressionar” militares a apoiarem os esforços que levaram ao ataque à capital brasileira, semelhante ao de 6 de janeiro. O caso de Figueiredo ainda não foi analisado pelo Supremo Tribunal Federal.
Como noticiou a Agência Pública, Eduardo Bolsonaro vê Figueiredo como o “cérebro” por trás de suas manobras internacionais. O deputado brasileiro tirou uma licença e se mudou para o Texas no início deste ano para se dedicar em tempo integral a convencer o governo Trump a defender Jair Bolsonaro e impor sanções a Moraes e ao governo brasileiro. “Ficarei e trabalharei mais duro do que nunca”, disse Eduardo em um vídeo de março. “Alexandre, meu objetivo de vida será fazer você pagar por toda a sua crueldade com pessoas inocentes. Estarei totalmente focado nesse objetivo e só retornarei quando você tiver sido devidamente punido por seus crimes e abuso de autoridade.”
Em julho, após o anúncio das tarifas americanas sobre o Brasil, o filho do ex-presidente e Figueiredo se gabaram do “diálogo intenso” com autoridades do governo Trump, dizendo que isso “confirma o sucesso em transmitir o que temos apresentado com seriedade e responsabilidade”. A medida, disseram eles, visa fazer com que o “establishment político, empresarial e institucional” brasileiro, que eles alegam ser cúmplice da “escalada autoritária” de Moraes, arque com o “custo dessa aventura”. (Quando a Agência Pública revelou, em abril de 2024, que Eduardo e uma delegação de parlamentares brasileiros estavam fazendo lobby por sanções contra o Brasil nos Estados Unidos, o deputado gravou um vídeo negando a informação. “Nossa intenção é levar a verdade para o exterior”, disse ele.)
Figueiredo é conhecido no círculo de Trump desde 2013, quando se associou ao empresário imobiliário para construir um Trump Hotel no Rio de Janeiro. O neto do ditador, cujo perfil no Facebook exibe uma foto com o presidente dos EUA, disse ter conhecido Trump em um de seus campos de golfe na Flórida.
Em 2016, a Trump Organization desistiu do projeto antes da conclusão da construção e poucas semanas após o início de uma investigação sobre o empreendimento. O Trump Hotel, como concebido inicialmente, nunca foi concretizado. Operando sob o nome Lifestyle Laghetto Collection, o hotel à beira-mar continua funcionando normalmente em um bairro nobre da cidade.
Em maio de 2025, o empreendimento devia 15 milhões de reais (cerca de US$ 2,7 milhões) em IPTU à Prefeitura do Rio de Janeiro, mas não pagou, alegando estar em recuperação judicial desde 2019. A ação judicial para cobrar a dívida está em andamento na Justiça. O fundo de investimento Polo Situações Especiais, que emprestou dinheiro ao empreendimento em 2016 na forma de debêntures, busca o pagamento de Figueiredo, bem como de outras oito pessoas físicas e 18 pessoas jurídicas.
Figueiredo foi CEO da Polaris Projetos e Empreendimentos, empresa que prestou consultoria para a construção do hotel, além de ex-sócio da LSH Barra Empreendimentos Imobiliários S.A., incorporadora do hotel. Em 2019, Figueiredo foi preso nos Estados Unidos como parte da Operação Circus Maximus, uma investigação da Polícia Federal brasileira sobre um suposto esquema de suborno envolvendo executivos atuais e antigos do BRB, o banco estatal de Brasília, em troca de investimentos em diversos projetos, incluindo a construção do antigo Trump Hotel.
Residente nos Estados Unidos desde 2016, Figueiredo participou de duas audiências na Câmara dos Deputados. Em maio de 2024, perante uma subcomissão de Relações Exteriores, reiterou os pedidos de sanções e se recusou a dizer se repudiava o período de 1979 a 1985, durante o qual seu avô foi um dos presidentes da ditadura militar brasileira.
Em entrevista à Mother Jones em junho de 2025, Figueiredo descreveu a audiência como um “ponto de virada” em sua campanha de anos para informar a opinião pública e os legisladores dos EUA sobre o contexto no Brasil, ou o que ele chama de deterioração de uma “democracia consolidada”. Esse trabalho, segundo Figueiredo, começou após as eleições brasileiras de 2022 e envolveu aparições em podcasts populares dos EUA e em veículos de comunicação de direita.
Ele também afirmou ter se reunido com pelo menos 40 congressistas, incluindo discussões sobre projetos de lei para pressionar as autoridades brasileiras. Afirmou que foram as ações de Moraes — que, segundo Figueiredo, cancelou seu passaporte e congelou seus bens no Brasil — que o tiraram “da zona de conforto” e o motivaram a se engajar nessa luta. Figueiredo agora considera concluída a fase inicial de “conscientização”. O retorno de Trump à Casa Branca, disse ele, possibilitou o início da fase de “implementação”, com o objetivo final de garantir sanções financeiras contra Moraes.
Em junho, em depoimento perante a Comissão de Direitos Humanos Tom Lantos, Figueiredo voltou a instar a rápida adoção de sanções contra o ministro da Suprema Corte, sob a Lei Global Magnitsky de Responsabilidade pelos Direitos Humanos. A lei, sancionada pelo ex-presidente Barack Obama em 2016, tem sido usada para impor sanções a grupos terroristas, indivíduos envolvidos em esquemas de corrupção e acusados de violações de direitos humanos.
Seu apelo não ficou sem resposta. Em 18 de julho, Moraes e outros sete ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) tiveram seus vistos americanos suspensos. Em 30 de julho, o Departamento do Tesouro sancionou Moraes, invocando a Lei Magnitsky. “De Moraes é responsável por uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias que violam os direitos humanos e processos politizados — inclusive contra o ex-presidente Jair Bolsonaro”, disse o secretário do Tesouro, Scott Bessent, em um comunicado. Eduardo e Figueiredo celebraram a sanção como “missão cumprida”.
Figueiredo vê os esforços do movimento pró-Bolsonaro nos Estados Unidos como uma forma de fortalecer o poder do grupo no Brasil. “Eu diria que se Bolsonaro tivesse feito o trabalho internacional que estamos fazendo agora — se ele tivesse valorizado, e não valorizou — ele não teria deixado o cargo, não teria. [Luiz Inácio Lula da Silva] não teria chegado ao poder”, disse ele durante uma transmissão ao vivo no início de 2024.
Dan Friedman contribuiu com reportagens.
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, agosto de 2025