Globalização: Justamente quando o mundo precisa desesperadamente de anciãos sábios, seu destino está nas mãos de patriarcas velhos e implacáveis

Bonecas russas de madeira representando Xi Jinping, Donald Trump e Vladimir Putin à venda em São Petersburgo, Rússia, em novembro de 2024. Fotografia: Dmitri Lovetsky/AP

https://www.theguardian.com/commentisfree/2025/jun/28/world-age-old-ruthless-patriarchs-global-order

David Van Reybrouck

28 jun 2025

[Nota do Website: Belíssima reflexão que nos coloca com os pés no chão. Coloca-nos com o coração e a mente, alertas, para que possamos reconhecer sempre, onde reside o amor, a compaixão, o acolhimento, a beleza da Vida. Mas o que estamos vivendo é o amor ao ego, à covardia, à arrogância, à exclusão e à devastação. Ou se será a extinção?].

A ordem global está ser desmantelando por uma geração que não viverá para ver os destroços que deixará para trás.

Vamos tentar algo delicado: falar sobre idade sem cair no preconceito etário. Nunca antes na história moderna aqueles com o destino do mundo em suas mãos foram tão idosos. Vladimir Putin e Xi Jinping têm 72 anos. Narendra Modi tem 74, Benjamin Netanyahu 75, Donald Trump 79 e Ali Khamenei tem 86.

Graças aos avanços na ciência médica, as pessoas conseguem levar vidas mais longas e mais ativas, mas agora também estamos testemunhando um número assustador de líderes políticos reforçando seu poder à medida que envelhecem, muitas vezes às custas de seus colegas mais jovens.

Esta semana, em sua cúpula anual, os líderes da OTAN – incluindo Emmanuel Macron e Mette Frederiksen (ambos com 47 anos), Giorgia Meloni (48) e Pedro Sánchez (53) – foram forçados a aceitar a demanda de Trump por aumento nos gastos militares. A idade média dos chefes de Estado da OTAN é de 60 anos. O alemão Friedrich Merz tem 69 anos, e o turco Recep Tayyip Erdoğan, 71.

Todos se curvaram a uma nova meta de 5% para gastos com defesa – um valor arbitrário, imposto sem um raciocínio militar sério ou debate racional, muito menos um debate democrático sério em casa. Era menos política, mais deferência aos caprichos de um patriarca rabugento. O secretário-geral da OTAN, Mark Rutte – ele próprio com apenas 58 anos – chegou a chamar Trump de “papai”. Isso não é diplomacia. Isso é submissão.

Esse choque geracional se manifesta em outras arenas. O presidente ucraniano de 47 anos, Volodymyr Zelensky, resiste às ambições imperiais do septuagenário Putin. O septuagenário Xi almeja uma Taiwan liderada por um presidente sete anos mais novo. Netanyahu, com três quartos de século de idade, supervisiona a devastação em Gaza, onde quase metade da população tem menos de 18 anos. No Irã, um homem de 86 anos governa uma população com média de idade de 32 anos. Paul Biya, de 92 anos, de Camarões, está no poder desde 1982 em um país onde a idade média é de 18 anos e a expectativa de vida é de apenas 62 anos.

Não há nenhuma conspiração gerontocrática em ação aqui – nenhum clube de idosos empenhado em dominar o mundo. Mas há algo perturbador em um mundo sendo desmantelado pelas mesmas pessoas cujas vidas foram definidas por sua arquitetura do pós-guerra. Khamenei tinha seis anos quando a Segunda Guerra Mundial terminou.

Trump nasceu em 1946, o ano em que as Nações Unidas realizaram sua primeira assembleia geral. Netanyahu nasceu um ano após a fundação de Israel. Modi nasceu em 1950, quando a Índia se tornou uma república. Putin veio ao mundo em outubro de 1952, meses antes da morte de Stalin. Xi em junho de 1953, logo depois. E Erdoğan nasceu em 1954, dois anos após a Turquia ingressar na OTAN. Esses homens são os filhos do mundo do pós-guerra – e, à medida que se aproximam do fim de suas vidas, parecem determinados a destruí-lo. Quase parece vingança. Dylan Thomas nos incitou a “Enfurecer-nos, enfurecer-nos contra a morte da luz”. Raramente a frase pareceu tão literal.

Sim, a ordem internacional baseada em regras sempre foi mais confusa na prática do que no papel. Mas pelo menos o ideal existia. Havia uma estrutura moral compartilhada – instável, sim, mas sincera – construída sobre a convicção de que a humanidade jamais deveria repetir as atrocidades da primeira metade do século XX e que o diálogo e a diplomacia eram melhores. Essa convicção agora se evaporou, principalmente na mente daqueles que mais deveriam apreciá-la.

Este é um momento sem precedentes. Os arquitetos da desordem global anterior – Hitler, Mussolini, Stalin, Mao – estavam todos na casa dos 30 ou 40 anos quando ascenderam ao poder. Uma nova geração construiu um novo mundo e viveu com suas consequências. Hoje, esse novo mundo está sendo desfeito por uma geração antiga – uma geração que não viverá para ver os destroços que ele deixa para trás. É mais fácil gritar “perfurar, baby, perfurar” quando é estatisticamente improvável que você experimente o pior do colapso climático. Après nous le déluge (nt.: tradução livre – ‘depois de nós, o dilúvio’), como dizem os franceses.

Poderíamos pensar que uma geração tão afortunada por se beneficiar da longevidade deixaria um legado de cuidado, gratidão e responsabilidade global. Em vez disso, estamos testemunhando o pior ressurgimento da repressão, violência, genocídio, ecocídio e desrespeito ao direito internacional em décadas – travado, na maioria das vezes, por septuagenários e octogenários implacáveis ​​que parecem mais interessados ​​em escapar de processos do que em preservar a paz.

Mas não precisa ser assim.

Após deixar o cargo, Nelson Mandela fundou os Anciãos, uma rede de ex-líderes mundiais que trabalham para promover a paz, a justiça e os direitos humanos. Inspirados pelas tradições africanas de consenso e sabedoria ancestral, os Anciãos são um exemplo de como a idade pode trazer clareza, compaixão e consciência – não apenas influência.

O problema não é a velhice. É como alguns escolheram usá-la. O mundo não precisa de mais homens fortes e envelhecidos agarrados ao poder. Precisa de anciãos dispostos a abrir mão – e guiar. O tipo de pessoa que pensa no legado não como glória pessoal, mas como o mundo que deixa para trás. Nesta era da velhice, o que precisamos não é de dominação, mas de sabedoria. E isso, no fim das contas, é o que separa um governante de um líder.

David Van Reybrouck é filósofo laureado pela Holanda e Flandres. Seus livros incluem “Revolusi: Indonésia e o Nascimento do Mundo Moderno” e “Congo: A História Épica de um Povo”.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, julho de 2025