The Gaths Mine, uma mina de amianto extinta em Mashava, Zimbábue. Crédito: Kevin Walsh
15.junho.2023
As famílias das pessoas mortas por doenças pulmonares relacionadas ao amianto estão exigindo que a Universidade de Yale revogue um diploma honorário concedido a um bilionário suíço que foi condenado na semana passada por homicídio qualificado na morte de mais de cem pessoas ligadas à exposição ao amianto.
O esforço é liderado pela AFeVA (ou Associazione Famigliari Vittime Amianto), um grupo italiano formado por familiares de pessoas mortas por doenças ligadas à exposição ao amianto, e tem como alvo Stephan Schmidheiny, ex-CEO de uma empresa suíça de cimento de amianto chamada Eternit. A Eternit operava várias minas de amianto e fábricas de produtos de cimento em vários continentes que expunham os trabalhadores ao amianto prejudicial e cancerígeno (nt.: vale relembrar de que esse multibilionário foi quem se ofereceu, graciosamente, para ‘cooperar’ com Maurice Strong, que representava a ONU na organização da Eco 92 que aconteceu no Rio de Janeiro em 1992. Vale destacar que foi nessa Cúpula das nações que tratou do meio ambiente em que se poderia ter dado um outro rumo à forma como o mundo lidava com essa questão em termos de tecnologias e seus resultados poluidores. A forma como foi conduzida a ação dos organizadores, no caso Strong e Schmidheiny, acabou por desmobilizar e descaracterizar completamente a participação do imenso afluxo da sociedade civil planetária que se deslocou, de todo o mundo, para o Rio. Infelizmente ‘ganharam’ as transnacionais e as propostas do relatório da ONU, ‘Nosso Futuro Comum’, ou Agenda 21, ficaram totalmente neutralizadas quando das decisões finais tomadas pelos governantes ali presentes. E a célebre Carta da Terra, um brado para um novo direcionamento para a vida planetária, gerada pela sociedade civil, foi assinada muitos anos depois já completamente esvaziada e neutralizada. Sem dúvida de que esse multibilionário teve um papel que poderíamos considerar pendular para que isso ocorresse. Para se saber mais sobre a situação criminal desse multibilionário ver o link. E para se ter uma ideia lúcida do que resultou da Eco 92, ler o artigo do professor da Universidade de Lausanne, Mathias Finger. É incrível se ver o desdobramento destes dois fatos!)
O amianto refere-se a um grupo de seis minerais diferentes que têm sido amplamente utilizados em materiais de construção e como retardante de fogo. As pessoas expostas ao amianto correm maior risco de desenvolver doenças pulmonares, particularmente o mesotelioma, um câncer que afeta o revestimento fino dos pulmões. Apenas 10% das pessoas diagnosticadas com mesotelioma vivem mais de cinco anos após o diagnóstico.
A condenação da semana passada deu a Schmidheiny uma sentença de 12 anos de prisão pelas mortes de centenas de trabalhadores e residentes devido à exposição ao amianto em Casale Monferrato, uma cidade italiana que abrigou uma das maiores fábricas da Eternit até o fechamento da fábrica em 1986. Cerca de 50 novos casos de mesotelioma ainda são relatados em Casale Monferrato a cada ano, de acordo com o The Guardian.
Schmidheiny não pôde ser contatado para comentar, mas um porta-voz dele disse ao The New Lede que sua defesa legal planeja apelar do veredicto.
Em 1996, Schmidheiny recebeu um doutorado honorário de Yale por “sua defesa do crescimento e desenvolvimento econômico sustentável” (nt.: aqui se vê as manipulações e os ‘equívocos’ que se comete para ‘salvar a pele’ de certos empresários que estão na mira da justiça já que sua participação na Eco 92 e pelo artigo do professor Finger se vê que de sustentável esse multibilionário nunca teve nada), de acordo com um representante de Yale. Schmidheiny também deu dinheiro à Yale (nt.: destaque em negrito dado pela tradução para mostrar exatamente as relações viciadas que se estabelecem entre entidades que deveriam ser pelo menos respeitáveis já que lidam com educação do público) em apoio à pesquisa sobre desenvolvimento sustentável, embora Yale tenha se recusado a dar a quantia exata de doações que recebeu.
Os esforços para fazer com que Yale revogue o título honorário de Schmidheiny estão em andamento há cerca de uma década; em 2014, mais de 50 ex-alunos de Yale assinaram uma petição instando a universidade a fazê-lo. Em outubro, a AFeVA juntou-se ao esforço e solicitou que os administradores de Yale revogassem o diploma honorário do bilionário e devolvessem os presentes de Schmidheiny, argumentando que os presentes violavam a nova política de doações de Yale, adotada em maio passado.
A política de doações afirma que presentes não serão aceitos se Yale determinar que o presente foi feito com o objetivo principal de beneficiar o doador. A política também permite a devolução de presentes em “circunstâncias excepcionais” quando novas informações sobre o presente surgirem. A AFeVA alega que os problemas legais de Schmidheiny relacionados às mortes de trabalhadores da fábrica constituem novas informações relevantes para a política de presentes de Yale.
Assunta Prato, membro da AFeVA, mudou-se para Casale depois de se casar em 1975. Ela disse que sua família implorou para que ela não fosse para a cidade altamente poluída, mas ela se mudou mesmo assim, acreditando que ela e seu marido, Paolo Ferraris, estavam seguros como eles não trabalhavam na fábrica de materiais de amianto. Mas 19 anos depois, seu marido ficou doente e acabou falecendo de mesotelioma.
“Participamos de uma tragédia comunitária”, disse Prato. “O que aconteceu é injusto e imoral.”
A AFeVA alega que Schmidheiny deu esses presentes para Yale em uma tentativa de reforçar sua própria imagem como um defensor da sustentabilidade, a fim de se proteger contra a crescente reação contra a indústria do amianto que ele enfrentou após assumir a Eternit. “A política de presentes profundamente defeituosa de Yale contribuiu diretamente para milhares de mortes causadas por Schmidheiny e que ainda estão ocorrendo em todo o mundo”, escreveu a AFeVA em uma carta a Yale em outubro passado.
Prato disse que o grupo também quer que Schmidheiny faça doações para melhorar a pesquisa sobre mesotelioma e outras doenças pulmonares como forma de restaurar a justiça às vítimas.
A vice-reitora de Yale, Susan Gibbons, recusou-se a dizer se a recente condenação de Schmidheiny mudaria a decisão de Yale.
Em uma carta de 2013 a um advogado que representa o povo de Cassale, a secretária de Yale e vice-presidente para a vida estudantil, Kimberly Goff-Crews, escreveu que, embora o papel da Eternit na fabricação de produtos de amianto fosse “bem conhecido” na época em que o diploma honorário foi conferido, era também “bem conhecido” que Schmidheiny havia “optado por se dedicar a questões ambientais cruciais” (nt.: infelizmente, pelas manobras que acabaram acontecendo na Eco 92 para que a sociedade civil não tivesse participação ativa nas decisões da Cúpula, mostram que nunca foi bem assim já que houve uma manipulação surpreendente de seus gestores, Strong e Schmidheiny, para afastarem a sociedade civil dos governantes mundiais presentes, na elaboração do documento final).
“Tem sido muito difícil para Yale admitir que cometeu um erro”, disse Laura D’Amico, advogada que representa a AFeVA.
Outros afirmam que Schmidheiny é simplesmente um bode expiatório para as ações de seus predecessores na Eternit, e que seu compromisso com a sustentabilidade na parte final de sua carreira era genuíno.
A reputação de Schmidheiny como defensor da sustentabilidade surgiu depois que ele vendeu todas as suas ações da Eternit em 1989 e, posteriormente, iniciou a criação do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (nt.: interessante que não são do conhecimento planetários essas ações e ao se ler o artigo do professor Finger, se pode ver como esses conselhos foram criados, em todo o mundo, pelas corporações para que tudo ficasse como sempre tem sido até hoje. Ver o caso dos ‘forever chemicals’, do PVC, dos agrotóxicos, dos medicamentos e tudo o mais… sustentáveis??) que defende que as empresas empreendam ações sustentáveis.
Schmidheiny fundou ou iniciou vários outros grupos dedicados ao desenvolvimento sustentável, incluindo a Fundación Avina, uma fundação que promove a sustentabilidade na América Latina. “Stephen percebeu rapidamente que o amianto era uma coisa ruim e começou a eliminá-lo de várias maneiras”, disse Lloyd Timberlake, ex-aluno de Yale que trabalhou com Schmidheiny e seus vários negócios.
As exigências para que Yale corte os laços com Schmidheiny é um dos muitos exemplos de campanhas destinadas a pressionar as universidades a impedir que malfeitores tenham o prestígio de uma associação universitária.
Várias universidades, incluindo a Tufts University e a Oxford University, removeram o nome Sackler dos prédios do campus como resultado do papel da família Sackler em impulsionar a epidemia de opioides nos EUA por meio da venda do analgésico viciante OxyContin. A família Sackler foi investigada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos e forçada a pagar um acordo de US$ 6 bilhões a um fundo destinado a vítimas de dependência de opioides e suas famílias.
Em 2018, tanto a Yale como a Carnegie Mellon e a Notre Dame revogaram os títulos honorários de Bill Cosby depois que o ator foi condenado por agressão indecente agravada.
A revogação do título honorário de Schmidheiny “seria um sinal muito importante” para as famílias afetadas pelas ações da Eternit, disse Prato.
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, junho de 2023.