Leonardo Trasande, em Madri na semana passada. SAMUEL SÁNCHEZ
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Madri 18 JUN 2019
LEONARDO TRASANDE, pesquisador e pediatra, lança luz sobre os custos financeiros e de saúde dos disruptores hormonais e explica como evitar a exposição
O pediatra mora com a esposa e os dois filhos em uma casa em que não entram latas de conservas nem alimentos ultraprocessados. Os tapetes mal cobrem o chão, feito de madeira, e há poucos plásticos. Os hábitos da família nova-iorquina respondem ao trabalho do pai sobre os produtos químicos que interferem em nossos hormônios para nos tornar “mais doentes, mais obesos e mais pobres”. Sicker, Fatter, Poorer é o nome do livro que acabou de publicar, no qual explica o que pode ser feito para evitá-los. Aos 46 anos, é um renomado pesquisador que assinou mais de uma centena de artigos científicos sobre os chamados disruptores hormonais, já chamados de “ameaça global” pela OMS em 2013. O Parlamento Europeu pediu há dois meses à Comissão que sejam proibidos para equipará-los aos produtos cancerígenos, mutagênicos ou tóxicos.
A conversa com Trasande acontece em espanhol (ele é filho de imigrantes galegos), horas antes de tomar um avião para os Estados Unidos, onde dirige o Departamento de Pediatria Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Nova York. Ele participou do Congresso da Associação Espanhola de Pediatria, onde foi dito em alto e bom som que mais de 95% das crianças espanholas têm em sua urina essas moléculas que hackeiam o metabolismo.
“Existem 1.000 ou mais substâncias químicas sintéticas que podem interagir com os nossos hormônios”, diz, “mas a evidência é mais forte em quatro categorias: os pesticidas, os bisfenóis, que são usados em papel térmico [o dos tickets de máquinas de cartão e caixas registradoras] e enlatados; os ftalatos que estão em cosméticos e em vários tipos de recipientes para alimentos, e os retardantes de chama bromados em tapetes, talvez em móveis como este (toca a poltrona estofada em que está sentado) e nas casas [também em produtos eletrônicos]. Pensava-se que só eram nocivos em altas doses, mas não é assim”.
O impacto das substâncias químicas que suplantam ou competem com os hormônios que ordenam nossa vida é especialmente grave em gestantes e crianças, diz o especialista, porque consomem mais alimentos e líquidos por quilo de peso, seus órgãos (e as glândulas que produzem os hormônios) estão em formação, e também permanecem expostos por mais anos. “Há três estudos que documentaram que existe uma relação entre a exposição a pesticidas organofosforados durante a gravidez e a diminuição do QI em crianças. Além disso, nos exames de imagem, se viam partes do cérebro menos desenvolvidas”, diz. O mesmo acontece com os retardantes, que inibem o funcionamento da tiroxina, o hormônio da tireoide que regula o metabolismo. Depois da exposição durante a gravidez “foram constatados não apenas comprometimentos cognitivos, mas também transtornos de autismo e atenção e hiperatividade”.
Os disruptores hormonais foram associados a alterações da saúde reprodutiva, cânceres, diabetes e obesidade. Neste último caso porque favorecem a criação de células adiposas ou retardam o metabolismo, diz o pesquisador. Ninguém está a salvo. “Esses produtos químicos afetam todos nós. E o benefício de reduzir a exposição é a curto, médio e longo prazo. Estamos falando de câncer de próstata, de mama, de efeitos cardiovasculares nos homens. Por exemplo, os ftalatos inibem a testosterona. E a testosterona baixa está relacionada com problemas cardíacos e AVC. Cerca de 10.000 homens morrem a cada ano nos Estados Unidos devido a baixos níveis desse hormônio ocasionados pelos ftalatos. Estamos falando de vida ou morte: estamos cercados por produtos químicos com os quais arriscamos nossas vidas. Não quero ser alarmista. Mas existe uma urgência e com custos financeiros de 163 bilhões de euros (cerca de 712 bilhões de reais) por ano na Europa”, afirma o pediatra.
Trasande é mais conhecido por transformar os efeitos desses produtos químicos em números com seis publicações no The Lancet Diabetes and Endocrinology e no Journal of Clinical Endocrinology e Metabolism. “Se uma criança tem um ponto de QI a menos, a mãe não percebe, nem a pediatra, nem a professora. Mas se há 100.000 crianças com um ponto a menos de QI, a economia percebe. Cada ponto a menos é avaliado em 2% da produção de toda a sua vida, que será de um milhão de euros. São 20.000 euros. Multiplicado pelos três milhões de crianças nascidas a cada ano na Europa, é responsável por 60 bilhões de euros por ano. E esses custos estimados são muito baixos, considerando que estudamos apenas 5% dos disruptores endócrinos”.
A boa notícia é que, com medidas simples e baratas, diz, muito pode ser feito: “Não comer alimentos enlatados. Rapidamente baixam os níveis de bisfenol A na urina. Também diminuir os alimentos embalados em plástico e ultraprocessados. Em dois ou três dias, os ftalatos diminuem”. O mesmo acontece ao eliminar certos cosméticos e ao mudar para alimentos orgânicos. Outras precauções incluem não colocar plásticos no microondas ou na máquina de lavar louça, porque “a altas temperaturas se transformam de polímeros em monômeros que passam para o alimento e, finalmente, para o corpo”. E ventilar 15 minutos ao dia para eliminar a poeira química de tapetes e componentes eletrônicos.
E os plásticos, tão vilipendiados e poluentes? Substitua-os por vidro e tetrabriks e, se usados, verifique que dentro do triângulo com o qual estão marcados não figure o 3 (PVC), o 6 (poliestireno) e o 7 (policarbonatos que podem ter bisfenóis). E substitua as panelas antiaderentes pelas de aço inoxidável ou ferro, “aquelas de sempre”.
Estamos cercados por esses produtos químicos – “no metrô, na escola, nos centros de trabalho”, embora possamos controlar nossas casas, essas oito ou dez horas por dia que passamos nela, nos finais de semana, “mas não controlamos outros ambientes”. Mas a coisa boa, insiste, é que “você pode perguntar: isso é comida orgânica? Esse odor é sintético ou natural?” Pouco podemos fazer fora de casa além de não pegar o ticket do supermercado – “no contato com a pele os produtos químicos vão para o sangue”. Durante a conversa dá vontade de sair correndo olhar o fundo das embalagens de alimentos, tirar o peixe embrulhado em plástico em uma bandeja e se livrar de todos os cremes. “Não é preciso ter doutorado em química. Sugiro usar um aplicativo que indique a segurança do cosmético”.
Os benefícios de evitar a exposição são palpáveis desde o início, como ocorre quando se para de fumar. “Por exemplo, se reduzirmos a exposição aos ftalatos em cosméticos, há um efeito sobre os seios da face que pode ser notado imediatamente. Em uma semana se notam alterações hormonais e em meses ou anos o risco de doenças crônicas é reduzido”.
O especialista acredita que os consumidores têm muito poder com a capacidade de comprar determinados produtos ou não. E existe, em sua opinião, um lugar também para as políticas públicas de prevenção. E nisso a Europa está em geral na dianteira em relação aos Estados Unidos. “Na Europa, mais de 1.300 produtos foram eliminados; nos Estados Unidos, 11. Nisso, não me sinto orgulhoso do meu país”. Aqui, diz ele, um produto químico é vetado se houver um estudo que o relacione com um dano, seja ele qual for a dose. Isso não acontece nos Estados Unidos.
E na Espanha? “Existe uma oportunidade para promover a agricultura orgânica a partir das autoridades e liderar esse campo para aumentar a produção desses alimentos livres de pesticidas”, conclui.