Gráfica – Lucas Gomes
22 de setembro de 2022
Na terceira parte de nossa série Amazônia, visitamos a Cachoeira do Aruã, local de um conflito que levou à queda de um ex-ministro do Meio Ambiente acusado de envolvimento no comércio ilegal de madeira.
Este artigo é um resumo do terceiro episódio de Amazônia Ocupada, uma nova série de podcasts da Diálogo Chino, disponível apenas em português. Ouça aqui .
Para chegar à Cachoeira do Aruã, uma remota comunidade ribeirinha do estado brasileiro do Pará, é preciso viajar do porto de Santarém ao longo do rio Arapiuns. Durante grande parte da viagem de lancha de quatro horas, a beira do rio é ladeada por floresta intocada, dando a impressão de chegar a uma Amazônia quase intocada.
A realidade é bem diferente: o entorno da Cachoeira do Aruã é um hotspot para a extração de madeira. Hoje, o assentamento abriga cerca de 130 famílias, com a população crescendo desde que as madeireiras começaram a explorar a região.
Essa densa floresta nativa é pontuada por sinais de atividade madeireira. Nas margens do Rio Arapiuns, vemos duas clareiras diante das quais atracam grandes jangadas, ponto de partida para grandes carregamentos de toras amazônicas, principalmente na estação seca entre julho e janeiro.
Aruã também se tornou uma atração turística, com visitantes chegando para ver a cachoeira que dá nome à região. Também atraiu manchetes em março de 2021, quando o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi fotografado na região, logo após a Polícia Federal apreender mais de 226 mil metros cúbicos de madeira, no valor de cerca de 129 milhões de reais (US$ 25 milhões).
Ex-ministro do meio ambiente, Ricardo Salles
Salles veio para tentar mediar a situação entre a polícia e as madeireiras, como afirmou na época. Mas logo surgiram acusações de que o próprio ministro poderia estar envolvido n mercado ilegal de madeira e que ele estava tentando interferir nas investigações – algo que ele nega (nt.: é importante se perceber que momento de desnudamento vive o Brasil. O ex-ministro foi eleito deputado federal, em outubro de 22, um dos mais votados, pelo estado de São Paulo, mesmo com todos os escândalos que giram em torno de sua estranha forma de lidar com a questão ambiental e toda a ilegalidade, em várias frentes, que ocorre, hoje, na Amazônia e outras regiões do país).
“Parece que Cachoeira ficou mundialmente conhecida”, diz a moradora Elinelma Sampaio. “Como o nome diz, a cidade de Cachoeira é um lugar extraordinário. A cachoeira que temos aqui é linda, mas também é constrangedora por causa do desmatamento. Cachoeira está sendo falado no mundo todo, e falado mal.”
Elinelma Sampaio, ribeirinho ribeirinho: “Cachoeira ficou mundialmente conhecida por causa do desmatamento” (Imagem: Flávia Milhorance / Diálogo Chino)
A extração de madeira por madeireiros é o foco da terceira parte da nova série de podcasts da Diálogo Chino, Amazônia Ocupada. Ao longo de cinco episódios, examinamos como um modelo de exploração da Amazônia foi inicialmente incentivado pelo governo militar do Brasil na década de 1970 – um modelo que ainda hoje impulsiona o avanço da fronteira agrícola. Vemos como uma história de colonização por atividades danosas se repete na floresta amazônica, começando com a retirada das madeiras mais valiosas e continuando com a pecuária e a produção de soja.
Hoje, como no caso da soja e da pecuária, há formas de extrair madeira legalmente mantendo a floresta em pé. Houve avanços regulatórios para impedirem sua extração predatória, com a criação de concessões florestais em meados dos anos 2000. Existem até empresas operando em Cachoeira do Aruã por meio dessas concessões.
“Você tem uma área florestal, divide em 30 partes e explora uma parte a cada ano, conseguindo manter esse ciclo”, explica Marco Lentini, coordenador de projetos do Imaflora, ONG que promove a silvicultura sustentável aliada à conservação ambiental. “Dessa forma, você pode manter esse ciclo. Essa floresta será sempre uma floresta, capaz de manter seu nível de produção no longo prazo.”
Floresta Amazônica ao longo do Rio Arapiuns, no estado do Pará. É principalmente uma área bem preservada, mas pontilhada de operações madeireiras (Imagem: Flávia Milhorance / Diálogo Chino)
Regulamentar a atividade nesse sentido foi uma forma de o governo brasileiro conseguir, nas últimas duas décadas, manter sob controle enormes extensões de terras públicas e gerar renda para as comunidades locais. Nesse regime de concessão, os empresários precisam monitorar suas áreas, que são periodicamente fiscalizadas pelos órgãos ambientais.
Rubens Zilio, diretor da madeireira Patauá Florestal, é um exemplo dessa colonização da Amazônia, grande parte da qual avançou entre os estados de Mato Grosso e Pará pela BR-163. Iniciou sua atividade madeireira em Sinop, região de transição dos biomas Amazônia e Cerrado, mas migrou na década de 1980 para o norte em busca de “novos horizontes”.
“Vim buscar o que não tinha lá, o que estava acabando na região, que estava se tornando uma área agrícola. Não havia mais madeira”, explica Zilio. Hoje, a Patauá Florestal possui duas concessões de 40 anos que cobrem uma área de 362 mil hectares na Floresta Nacional de Altamira, no Pará. “Vim aqui para encontrar uma área onde possa trabalhar para o resto da vida”, diz.
Vista aérea de uma concessão florestal no Rio Arapiuns. As normas e a regulamentação avançaram, mas o mercado ilegal continua forte (Imagem: Flávia Milhorance/Diálogo Chino)
Lentini acredita que com essa forma de manejo florestal seriam necessários pelo menos 25 milhões de hectares para suprir, de forma mais sustentável, a demanda por madeira amazônica. “Isso é basicamente 5% da área da Amazônia. Além de melhorar muito a vida das comunidades tradicionais, permitiria eliminar definitivamente esse problema de abastecimento ilegal de madeira”, diz o especialista.
Apesar dos importantes avanços na regulamentação do setor madeireiro e dos exemplos de concessões florestais bem-sucedidas, o Imaflora estima que apenas 10% da oferta de madeira na Amazônia vem de fontes regulares comprovadas. A extração de madeira ilegal continua sendo um negócio lucrativo, atraindo até grupos criminosos para a atividade.
Nos últimos anos ocorreram diversas ações da polícia, órgãos ambientais e Ministério Público contra a extração ilegal de madeira em Cachoeira do Aruã. No caso do carregamento apreendido no ano passado, a Polícia Federal encontrou indícios de uma tentativa de “lavar” a madeira. Isso ocorre quando a carga legal é misturada com materiais obtidos irregularmente – mecanismo semelhante à lavagem de gado, como visto no episódio anterior.
Hoje, apenas 16% a 25% da madeira amazônica é exportada, principalmente para Europa e Estados Unidos, segundo estimativa do Imaflora. O restante fica no mercado interno, que se preocupa mais com preço e qualidade do que com a origem do produto. No entanto, essa mentalidade está começando a mudar entre as empresas que compram madeira.
“Ficamos surpresos ao descobrir que cerca de 40% das empresas que compram madeira no mercado interno já fazem algum tipo de mapeamento de suas cadeias produtivas”, explica Lentini, comentando recente pesquisa realizada pela entidade.
O terceiro episódio de Amazônia Ocupada já está disponível, apenas em português, no Spotify , Apple , Amazon e Deezer . O quarto episódio e o artigo em inglês que o acompanha serão lançados na segunda-feira, 26 de setembro.
Felipe Betim é um jornalista brasileiro radicado em São Paulo. Escreve sobre política, meio ambiente, segurança pública e direitos humanos, tendo passado oito anos no El País.
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, outubro de 2022.