O fundador da Insys Therapeutics, John Kapoor, foi condenado em um esquema de suborno e propina que os promotores disseram ter ajudado a alimentar a crise dos opioides. Charles Krupa / AP
23 de janeiro de 2020
O ex-bilionário e executivo do mundo farmacêutico, John Kapoor, foi condenado a cinco anos e seis meses de prisão. Sua sentença é o ápice de um processo criminal de meses junto ao tribunal federal John Joseph Moakley US Courthouse, em Boston, que resultou na primeira condenação bem sucedida contra executivos de corporações farmacêuticas (first successful prosecution of pharmaceutical executives) ligada à epidemia dos medicamentos conhecidos como opioides.
O senhor de 76 anos, é o fundador da indústria farmacêutica Insys Therapeutics (nt.: vale a pena acessar ao link da corporação para se ver como se apresentava ao mundo). Tanto produziu como comercializou, agressivamente, seu potente analgésico opioide Subsys.
Os 66 meses de prisão de Kapoor são substancialmente inferiores à sentença de 15 anos recomendada pelos promotores federais, mas é mais do que o ano solicitado pelos advogados de defesa de Kapoor, que mantiveram a inocência do executivo e enfatizaram sua idade avançada como motivo para uma prisão com uma sentença mais curta.
A juíza distrital dos EUA, Allison Burroughs, explicou que chegou à sentença menor depois de considerar tanto a idade avançada como a conhecida filantropia de Kapoor, assim como “seu papel central no crime”, reportou a mídia Associated Press.
Kapoor e outros quatro executivos foram considerados culpados no ano passado por orquestrarem uma conspiração criminosa para subornarem médicos no sentido de prescreverem os medicamentos da empresa, inclusive para pacientes que não precisavam. Eles então mentiam para as companhias de seguros para garantirem que o dispendioso spray de fentanil, por via oral, fosse coberto pelo seguro médico.
O analgésico, destinado a pacientes com câncer, pode custar até US 19.000 dólares por mês.
Dois outros executivos se declararam culpados e se tornaram testemunhas cooperantes.
Os outros executivos receberam entre um ano e 33 meses, significativamente menos do que muitos dos termos de prisão recomendados pelos promotores federais.
No dia 23 de janeiro próximo passado, o chefe de vendas da corporação Insys, Alec Burlakoff, foi condenado a 26 meses de prisão por seu papel no esquema de suborno e fraude.
“Isso foi uma ofensa à ganância”, disse Burroughs antes de condenar Burlakoff.
O executivo de vendas contratou uma stripper como representante de vendas da Subsys para ajudar a persuadir os médicos a aumentar as prescrições. A mulher, chamada Sunrise Lee, foi promovida a supervisionar um terço da força de vendas da empresa.
“Eu não pensava exatamente quem éramos dentro da Insys e quanto anti-ético era o que estávamos fazendo”, disse ele ao juiz na quinta-feira, segundo (according) a Bloomberg. “A única coisa que pude pensar foi como eu poderia acompanhar o ritmo rápido e furioso necessário para avançar”.
Para o governo federal, esse foi um julgamento histórico, no qual executivos de corporações foram condenados de acordo com a Lei de Organizações Corruptas e Influenciadas em Extorção (nt.: em inglês a lei que denomina Racketeer Influenced and Corrupt Organizations Act/RICO). Esta é uma acusação geralmente reservada a chefes de quadrilhas e traficantes.
Especialistas viram que o julgamento remete uma mensagem às empresas farmacêuticas de que elas serão responsabilizadas, criminalmente, por seu suposto papel na promoção da crise dos opioides.
“Acho que isso é apenas a ponta do iceberg”, disse Brad Bailey, ex-promotor federal e atual advogado de defesa que vem acompanhando de perto o julgamento do Insys. “É um modelo que os promotores continuarão usando”.
Enquanto esses sete executivos estavam no tribunal, aguardando suas sentenças, a corporação firmou um acordo com o governo para resolver investigações criminais e civis. A Insys concordou em pagar US 225 milhões de dólares (Insys agreed to pay $225 million), ao admitir seu esquema de propina. Logo após o anúncio do acordo, a corporação solicitou sua falência (the company filed for bankruptcy).
Bailey disse que, entre as sentenças de prisão e os problemas financeiros da empresa, “não há dúvida de que esse é um aviso de advertência para todos os executivos”.
Ameet Sarpatwari, médico e diretor assistente do Programa de Regulamentação, Terapêutica e Direito da Universidade de Harvard, acredita que este julgamento terá um efeito avassalador na indústria farmacêutica.
“É um aviso importante para outros fabricantes e executivos de produtos farmacêuticos que podem estar pensando em promover seus produtos por meio de esquemas de marketing agressivo e possivelmente legalmente duvidosos”, disse Sarpatwari. “As consequências de tais ações podem não ser simplesmente multas – que historicamente têm sido agregado como custo de se fazer negócios -, mas provavelmente o tempo de prisão”.
No entanto, ele disse, esse processo bem-sucedido não significa que as práticas que contribuíram para prescrições excessivas e o vício em opioides, desaparecerão.
“Muitas das atividades que você vê efetivamente dentro da indústria são tecnicamente legais. E, se for esse o caso, isso vai restringir essas táticas agressivas? Não, mas vai refletir melhor no ultrapassar limites”. disse Sarpatwari. “Eu acho que essa será a conseqüência esperançosamente útil deste caso”.
Tradução livre de Luiz Jacques Saldanha, janeiro de 2020.