Evento destaca preservação da diversidade biocultural.

Organização dos produtores familiares em redes, certificação das produções agroecológicas e parcerias com programas de ecoturismo e ecogastronomia são apontadas como alternativas para garantir a sobrevivência de comunidades tradicionais.

 

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por Fernanda B. Müller, do CarbonoBrasil

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Agricultores, pescadores, pesquisadores e representantes governamentais se reuniram na quinta-feira (28) em Florianópolis para discutir soluções visando à salvaguarda dos saberes tradicionais, da história e do meio ambiente através da construção de novas práticas econômicas apoiadas na preservação de uma diversidade biocultural.

O evento foi promovido pelo CEPAGRO – Centro de Estudos e Promoção da Agricutura de Grupo – ONG que atua há 23 anos promovendo a agroecologia na América Latina – em parceria com o Convivium Mata Atlântica, um grupo de gastrônomos e chefes de cozinha que organiza expedições gastronômicas de valorização dos pequenos produtores e matérias-primas locais. Estas instituições fazem parte e recebem o apoio da Fundação SLOW FOOD para a , um movimento internacional de promoção do alimento “bom, limpo e justo”.

O movimento Slow Food está presente em mais de 150 países e visa mudar os hábitos insustentáveis e nada saudáveis perpetuados atualmente pela economia de mercado. Entre os princípios do movimento estão a preservação ambiental, a produção local, o incentivo a salvaguarda dos conhecimentos tradicionais e o reconhecimento dos produtores da familiar.

Para cumprir com este cenário, várias abordagens podem ser assumidas, como a organização dos produtores familiares em redes, a certificação das produções agroecológicas e parcerias com programas de ecoturismo e ecogastronomia.

“A gastronomia é uma ponte para viabilizarmos projetos de desenvolvimento territorial com identidade biocultural”, coloca Lia Poggio, coordenadora do Slow Food na América Latina. Ela apresenta vários casos onde este conceito é colocado em prática. Um deles é o da Sociedade Gastronômica Peruana, que busca valorizar a história e fazer com que os peruanos se identifiquem culturalmente com a culinária do país.

Na Itália, iniciativas parecidas também beneficiam produtores e produtos locais, incentivando sinergias entre a agricultura sustentável, a defesa do meio ambiente e o ecoturismo/ecogastronomia. A Rota dos Sabores é muito frequentada, não apenas por turistas estrangeiros como pelos próprios italianos, que valorizam muito a culinária local de qualidade.

Segundo Poggio, o sucesso no caso italiano é fruto de um longo processo cultural e econômico, que, contando com o apoio do poder público e da sociedade civil, considera o produtor local como o ator fundamental para a preservação ambiental e cultural.

No Brasil, atuando nos três estados do Sul, a Rede Ecovida foi formada para facilitar a comercialização de alimentos de base ecológica provenientes da agricultura familiar. Diminuindo a participação de intermediários através da estruturação da comercialização, a rede agrega mais valor ao produto na busca dos chamados ‘preço justo’ – aquele que maximiza o bem estar do produtor e do consumidor – e ‘circuito curto’ – onde o consumidor se beneficia com produtos frescos e o produtor consegue preços melhores.

A certificação da Rede Ecovida tem uma característica peculiar para garantir a conformidade orgânica e tornar o sistema acessível aos agricultores, o Sistema Participativo de Garantia – em conformidade com o Decreto Federal 6.323, de 2007. O fortalecimento de Organismos de Controle Social, como grupos de agricultores, é uma das bases do Sistema Participativo de Garantia, diferenciando-o das certificações por auditoria. Mais do que uma fiscalização, o sistema permite uma intensa troca de experiências e saberes.

“Os próprios agricultores e consumidores fazem a certificação, gerando credibilidade. Um agricultor se responsabiliza pelo outro, assim como os consumidores, através da organização”, explicou Charles Lamb, atual coordenador do CEPAGRO e membro da Rede Ecovida de Agroecologia através do Núcleo Litoral Catarinense.

Em Santa Catarina, a Rede Ecovida é integrada por 58 famílias da região litorânea, que cultivam mandioca e derivados, banana, hortaliças, batatas, flores de corte, leite, mel, ovos, frutas, queijos, doces, derivados de aloe vera, sucos e geleias.

Aproximar produtores e consumidores, oferecer alimentos saudáveis a preços justos e gerar alternativas de diversificação produtiva para famílias fumicultoras – cultura ao qual se dedicam cerca de 55 mil famílias só em Santa Catarina, sendo o segundo maior produtor nacional de fumo -, são os objetivos centrais do movimento agroecológico catarinense.

Cultura e produtos locais

No movimento catarinense, dois setores em particular se destacam no ‘slow food’ e vem buscando resgatar suas origens, os engenhos artesanais de farinha de mandioca e a pesca artesanal.

O CEPAGRO e a ONG Ponto de Cultura – Engenhos de Farinha, trabalham em parceria com a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI) e com a Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (CIDASC) visando adequar os engenhos artesanais às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), um desafio para um setor sem muitos recursos financeiros.

Além disso, as organizações estão iniciando junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) o processo de pedido de registro dos engenhos de mandioca como ‘Patrimônio Imaterial’, visando o reconhecimento e a valorização do processo artesanal.

Os Bens Culturais de Natureza Imaterial dizem respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares (como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas).

Os engenhos de farinha “sempre estiveram à margem das políticas de governo, o que se tem é o que o que o agricultor soube preservar”, coloca Enilto de Oliveira Neubert, da EPAGRI.

Wladimir Marcon Mendes, da CIDASC, nota que o produto catarinense tem um diferencial de qualidade visto que os produtores locais, buscando se aproximar das características da farinha de trigo, acabaram se especializando em fabricar uma farinha de mandioca mais fina.

Slow Fish

Para a pesca, assim como para a agricultura, o Slow Food visa se distanciar da exploração intensiva dos recursos naturais. Com este espírito, a campanha internacional Slow Fish multiplica as iniciativas que valorizam os protagonistas da pesca artesanal e as espécies pouco valorizadas no mercado, estimulando uma reflexão sobre o estado e a gestão das reservas pesqueiras (saiba mais).

Na última na sexta-feira santa e no dia de Páscoa, o movimento lançou um desafio para o uso de receitas com peixes que não estejam em período de reprodução e nem em risco de extinção (como o atum azul, salmão do Atlântico e salmão de cultivo, camarões tropicais, peixe espada), e que sejam locais, isto é, capturados no mar ou lagoas próximos.

Durante o evento, pescadores artesanais deram seus testemunhos de luta para a manutenção e constituição de Reservas Extrativistas (RESEX), uma categoria de Unidades de Conservação de Uso Sustentável, conforme a Lei No 9.985, de 18 de julho de 2000.

A Reserva extrativista marinha do Pirajubaé foi a primeira a ser constituída como tal no país, porém enfrenta desafios constantes face à especulação imobiliária que toma conta da capital catarinense. Na reserva se encontra o maior banco natural de berbigão do mundo, produzindo cerca de 100 toneladas ao mês.

“O governo não quer cuidar do meio ambiente”, desabafa Alcemir Martins, presidente da Aremar (Associação da Reserva Extrativista Marinha do Pirajubaé). Ele teme que os interesses econômicos levem ao fim da reserva e retire o sustento das famílias que hoje conseguem sobreviver bem com a pesca.

Em Ibiraquera, um movimento forte dos pescadores artesanais está tentando trilhar o caminho de Pirajubaé, porém, esbarrou nos interesses imobiliários e apesar de já estar consolidada como proposta, a RESEX de Ibiraquera ainda não conseguiu a aprovação junto ao governo federal.

“A discussão é muito mais do que dinheiro, é a alegria da qualidade de vida. Estamos remando contra a maré neste mundo que só quer consumir”, lamentou Maria das Graças Ferreira, representante catarinense na Comissão Nacional Resexs Marinhas. “Os pescadores tiveram a iniciativa, foram atrás da RESEX que abrange desde da Barra de Ibiraquera até a Praia da Ferrugem. Foi tranquilo, até que o prefeito, governador e especuladores viram que teríamos muita autonomia”, enfatizou.

* Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.

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