Estudo documenta uma parada no desmatamento na Mata Atlântica do Brasil

Cacique Nelson, da tribo dos Guaranis, caminha em área desmatada da antiga Mata Atlântica em 26 de janeiro de 2017. Crédito: Diego Herculano/NurPhoto via Getty Images

https://insideclimatenews.org/news/06022023/brazil-atlantic-forest-indigenous-communities-deforestation

Katie Surma

06 de fevereiro de 2023

Os direitos à terra concedidos pelo governo fazem a diferença, permitindo que as florestas comecem a se recuperar lentamente, descobriram os pesquisadores.

A maioria das pessoas sabe que as florestas tropicais do Brasil estão desaparecendo rapidamente e que a perda acelera a mudança climática global enquanto prejudica as comunidades que vivem sob a copa das árvores.

Agora, um estudo publicado na revista científica PNAS Nexus sugere que depois que as comunidades indígenas obtêm o título legal de seus territórios, a taxa de desmatamento diminui significativamente. 

A nova pesquisa se concentra na porção brasileira da Mata Atlântica, fragmentada ao longo da costa leste do país e envolvendo São Paulo e Rio de Janeiro. Embora atraia muito menos atenção global do que a floresta amazônica, continua sendo um ecossistema vital e profundamente ameaçado: apenas cerca de 12% da Mata Atlântica do país ainda está de pé após cinco séculos de desenvolvimento, colonização e extração de recursos (nt.: importante ressaltar, praticado pela civilização supremacista branca eurocêntrica, a serviços dos impérios coloniais, como imigrantes-invasores ou como eurodescendentes que seguem a doutrina e a ideologia da colonialidade). 

A perda alarmou especialistas em direitos humanos e cientistas. A floresta não é apenas o lar de dezenas de comunidades indígenas, eles observam, mas também fornece água potável, energia hidrelétrica e alimentos para a maior parte dos 214 milhões de brasileiros. E assim como a cobertura florestal da Amazônia, a Mata Atlântica serve como um sumidouro para o dióxido de carbono que contribui para o aquecimento global. 

O estudo no PNAS Nexus analisou a mudança na cobertura florestal, ou a diferença líquida entre desmatamento e reflorestamento, em 129 territórios indígenas em toda a Mata Atlântica do país de 1985 a 2019. Entre os territórios analisados, 77 comunidades indígenas obtiveram o título legal de suas terras durante o período de tempo estudado, enquanto 52 não o fizeram. 

Analisando 73 territórios aos quais as comunidades receberam títulos, os pesquisadores descobriram uma diferença significativa entre as taxas de mudança da cobertura florestal antes e depois da obtenção do título legal, também conhecido como posse. A taxa de desmatamento líquido foi em média de 0,73% um ano antes da posse, mas apenas 0,05% após a posse. Medido em área, isso representou uma perda líquida média de 22,1 hectares, ou 54,6 acres, a cada ano antes da concessão do título, mas apenas 3,3 hectares depois.

Os pesquisadores também compararam a taxa de mudança nas terras tituladas, antes e depois da posse, com a das terras não tituladas e descobriram que as propriedades tituladas eram eficazes em conter o desmatamento e aumentar a cobertura florestal. Usando o que é conhecido como modelo de “diferença nas diferenças”, os pesquisadores descobriram que os territórios titulados ganharam cobertura florestal a uma taxa anual 0,77% maior do que a taxa em terras sem título. Embora algumas terras tituladas ainda tenham sofrido desmatamento líquido durante o período estudado, em outras palavras, foi 0,77% menor do que nas terras não tituladas. 

Embora a melhoria constante na cobertura florestal de ano para ano seja modesta, as descobertas se somam a um crescente corpo de evidências de que as florestas legalmente mantidas por comunidades locais em todo o mundo se saem melhor ambientalmente do que as terras controladas pelo governo ou por interesses privados, incluindo corporações (nt.: importante destacar que todas com a mesma visão, sejam governos ou iniciativa privada, autofágica e destrutiva de consumo faminto feito por uma geração somente, sem nenhum compromisso com o futuro e a sobrevivência de todos os seres planetários, incluindo os seres humanos).

No entanto, o estudo se destaca porque, ao contrário da floresta amazônica, grande parte da Mata Atlântica está em uma região brasileira altamente desenvolvida e industrializada: São Paulo é a cidade mais populosa do Brasil, seguida pelo Rio de Janeiro. Em essência, os resultados contrariam a suposição de que as florestas sob o controle dos povos indígenas obtêm benefícios ambientais porque estão localizadas principalmente em áreas remotas e pouco povoadas. Nenhum dos territórios examinados pelos pesquisadores fica em áreas extremamente remotas.

Fatores políticos, legais e sociais podem estar em jogo na melhoria da cobertura florestal. Primeiro, a constituição do Brasil fornece uma base legal para impedir que pessoas não indígenas usem terras que são legalmente tituladas por comunidades indígenas. 

Para obter o título, as comunidades indígenas devem passar por um processo de quatro etapas que culmina em um decreto presidencial. Uma vez que a terra é titulada para uma comunidade indígena, o governo federal é legalmente obrigado a fazer valer os direitos da comunidade contra intrusos – embora o cumprimento real dependa da vontade política. Sob o ex-presidente Jair Bolsonaro, que (nt.: ao ser derrotado nas eleições) foi afastado do cargo no ano passado, os orçamentos das agências ambientais e de proteção indígena foram cortados, deixando muitas das comunidades indígenas se defendendo sozinhas na proteção de suas terras florestais. 

O recém-eleito presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, popularmente conhecido como Lula, indicou que restaurará esse financiamento e reverterá outras políticas da era Bolsonaro que minam os direitos indígenas e ambientais. Ainda assim, as comunidades sem título legal de suas terras ancestrais têm significativamente menos proteção e geralmente não têm outra opção a não ser combater a extração ilegal de recursos, da mineração ao agronegócio e cultivo de madeira, sem o apoio da polícia federal. 

Por fim, quando as comunidades indígenas têm direitos legais sobre seu território, elas têm um incentivo maior para protegê-lo. Muitos vivem de forma interdependente com a floresta, contando com seu ecossistema para subsistência e para manter suas práticas culturais tradicionais. Ter um título formal dá às comunidades um certo grau de certeza de que seu investimento está legalmente protegido. 

Agora que há “evidências robustas” para o argumento ambiental por trás da concessão de direitos legais de propriedade, a próxima pergunta é de que apoio os povos indígenas precisarão para cuidar das áreas florestais no longo prazo, disse Rayna Benzeev, coautora do relatório e pesquisadora de pós-doutorado na Universidade da Califórnia, Berkeley.

Um legado destrutivo que remonta a séculos 

Ao comparar o desmatamento da Mata Atlântica com o da Amazônia, o estudo apontou para a história da colonização do Brasil, que foi altamente concentrada ao longo da costa atlântica do país. 

Embora o desmatamento na região amazônica não tenha decolado até a década de 1970, os colonos europeus começaram a destruir a Mata Atlântica depois de chegar à costa leste do Brasil no século 16, observam os pesquisadores, com a exploração de suas riquezas atingindo o pico nos séculos 19 e 20. A proximidade de áreas urbanas acelerou essa tendência. 

Como outras potências coloniais, Portugal baseou sua posse legal do que hoje é o Brasil na Doutrina dos Descobrimentos, um princípio internacional originário do século 15 que deu aos países europeus direitos de propriedade sobre as terras dos povos indígenas (nt.: incrível a arrogância e a pretensão dos chamados ‘cristãos europeus’ que se arvoraram, em nome de quem?, a ser os imperadores planetários). 

A doutrina se fundamenta na noção de que a conquista dos colonos foi justificada pela superioridade de sua própria cultura europeia e cristã (nt,: dentro dessa visão histórica se compreende porque até hoje os eurodescendentes se postam no mundo como SUPREMACISTAS BRANCOS EUROCÊNTRICOS, principalmente se seguem, consciente ou inconscientemente, a doutrina e a ideologia da colonialidade, quando vivem nas antigas colônias europeias). Pessoas não europeias e não cristãs eram consideradas selvagens incapazes de se autogovernar e necessitadas de “civilização”. A Igreja Católica Romana assumiu autoridade sob a doutrina de conceder às nações européias, incluindo Portugal, a soberania sobre as terras ocupadas pelos povos indígenas. 

Desde a época da colonização em 1500 até o século 21, a população indígena do Brasil despencou de uma estimativa aproximada de três a cinco milhões para cerca de 900.000, em grande parte como consequência da violência, escravidão e doenças. Depois que o Brasil conquistou a independência em 1882, as políticas e atitudes do governo em relação aos povos indígenas permaneceram intactas. Durante o século 20, o Serviço de Proteção ao Índio do governo, órgão encarregado de zelar pelo seu bem-estar, executou políticas que resultaram em mortes, torturas e roubos de terras entre os povos que supervisionava. Grande parte do ímpeto surgiu de um esforço para explorar recursos naturais em terras indígenas. 

Depois de anos de esforços de defesa, o Brasil adotou uma nova constituição em 1988 que marcou um ponto de virada para os direitos indígenas. Entre suas disposições estava a exigência de que o governo federal demarcasse todos os territórios indígenas em cinco anos. 

Até agora, o governo demarcou apenas cerca de 40% dos mais de 1.200 territórios indígenas do país e, na última década, o progresso parou: apenas um território indígena foi legalmente titulado desde 2012. 

Mesmo quando as comunidades indígenas obtiveram o título, seu controle foi limitado à posse e uso permanente da superfície da terra, enquanto o governo manteve a propriedade dos direitos minerais do subsolo. Na última década, empresários e políticos pressionaram o governo federal a abrir territórios indígenas para mineração e outros desenvolvimentos. 

Desde que assumiu o cargo em 1º de janeiro, Lula reverteu algumas das políticas anti-indígenas de Bolsonaro, incluindo um decreto emitido por seu antecessor que permitia a chamada mineração artesanal de ouro em territórios indígenas (nt.: além de criar, pela primeira vez em toda a história de ocupação desse território há mais de 500 anos, um espaço na alta administração da república para os , através do Ministério dos Povos Indígenas, e ainda entregar a uma indígena a gestão do Fundação Nacional dos Indígenas/FUNAI, órgão que tem a responsabilidade de gerir a política público-administrativa do país). 

Katie Surma, Repórter, Pittsburgh

Katie Surma é repórter do Inside Climate News com foco em direito e justiça ambiental internacional. Antes de ingressar na ICN, ela exerceu a advocacia, especializando-se em litígios comerciais. Ela também escreveu para várias publicações e suas histórias apareceram no Washington Post, USA Today, Chicago Tribune, Seattle Times e The Associated Press, entre outros. Katie tem mestrado em jornalismo investigativo pela Walter Cronkite School of Journalism da Arizona State University, um LLM em estado de direito internacional e segurança pela Sandra Day O’Connor College of Law da ASU, um JD da Duquesne University, e na História da Arte e Arquitetura na Universidade de Pittsburgh. Katie mora em Pittsburgh, Pensilvânia, com o marido, Jim Crowell.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, fevereiro de 2023.