A disputa está dada: quem é o mais assustador, mentiroso ou ladrão? Europa e Estados Unidos brigam em um imenso ringue instalado pela espionagem, em escala industrial e planetária, realizada pela Agência de Segurança Nacional, a NSA . Depois das sucessivas revelações a respeito da espionagem de Washington sobre seus queridos aliados da Alemanha, Espanha e França, o império lançou-se ao contra-ataque.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/525212-estados-unidos-e-europa-aliados-traidores-e-vassalos-ao-mesmo-tempo
O chefe da NSA, o general Keith Alexander (foto), apontou contra os autores da denúncia e acusou seus amigos da Europa de serem os responsáveis, tanto pela espionagem, da qual seus cidadãos são alvo, quanto pelo envio para Washington das informações recolhidas. Com o cinismo teatral que já estamos acostumados, o general Keith Alexander disparou o primeiro projétil quando afirmou, frente à Comissão da Inteligência do Senado dos Estados Unidos, que os relatórios fornecidos pelos jornais ‘Le Monde’ e ‘El Mundo’, “segundo os quais a NSA coletou milhares de chamadas telefônicas, são completamente falsos. Nem os jornalistas, nem a pessoa que roubou esta informação sabem o que têm pela frente”. As palavras do general não são nem totalmente falsas, mas também não são totalmente verdadeiras. O jornal ‘Le Monde’ confirmou que a França enviou informação a NSA por meio de um acordo assinado pelos dois países, no final de 2011.
A reportagem é de Eduardo Feddro, publicada pelo jornal Página/12, 31-10-2013. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/4Js0Fk |
Este detalhe talvez explique, em parte, a trêmula reação parisiense frente à suculenta massa de informações que os serviços secretos dos Estados Unidos subtraíram do país. O jornal ‘Le Monde’ revelou que, entre 10 de dezembro de 2012 e 08 de janeiro de 2013, a NSA interceptou mais de 70 milhões de chamadas e SMS de empresas e de particulares na França. Keith Alexander afirmou para o Congresso que toda essa informação não corresponde a “cidadãos europeus”, mas “se trata de informação que nós e nossos aliados da OTAN obtivemos conjuntamente para a proteção de nossos países e em apoio de nossas operações militares”. Depois da espionagem, a rasteira. Em primeiro lugar, uma fonte anônima dos serviços secretos franceses, a Direção de Serviços Exteriores (DGSE), confirmou ao jornal francês a existência de um protocolo de intercâmbio de informações que entrou em funcionamento no início de 2012. Em 28 de outubro, o jornal alemão ‘Süddeutsche Zeitung’ revelou que as agências norte-americana e francesa colaboraram em um programa comum chamado ‘Lustre’. Não obstante, este acordo não justifica a grande quantidade de interceptações operadas pela NSA em território francês. A França tem, para os serviços de inteligência do mundo, um atrativo particular: os cabos submarinos pelos quais transitam a maioria dos dados oriundos da África e do Afeganistão passam pelas regiões francesas de Marselha e da Bretanha. Ambas as áreas são cuidadosamente vigiadas por Paris. A fonte de inteligência citada pelo jornal ‘Le Monde’ declarou que isto era uma “troca que se instaurou entre a direção da NSA e DGSE. Damos a eles blocos inteiros sobre essas áreas, e eles, em troca, oferecem-nos as partes do mundo em que estamos ausentes”.
Esta formidável e hipócrita espionagem mostra que os serviços de inteligência se dividem no monitoramento do mundo. Segundo o artigo do jornal ‘Le Monde’, os dados que Paris entregou a Washington são referentes a cidadãos franceses e estrangeiros residentes nas zonas de baixo controle francês. A troca entre a França e os Estados Unidos não é a única em vigor. Existe um círculo de amigos formado, entre outros, por Israel, Suécia e Itália – onde chegam os cabos submarinos com valor estratégico. Há, então, uma clara geografia submarina de cabos grampeados pelos serviços de inteligências destas potências. Isto quer dizer que a comunicação que se faz através deles, referentes a pessoas e empresas, estão ao alcance dos países centrais. Por consequência, todo o jogo comercial e de relações internacionais estão grampeados. Assim mesmo, ficou claro que o presidente socialista François Hollande não fez mais do que uma pura encenação quando interpelou a administração norte-americana por causa da espionagem que seu país havia sofrido. Todos aliados, traidores e vassalos ao mesmo tempo. O jornal ‘Le Monde’ afirmou em seu artigo que estas “novas declarações buscam, antes de tudo, a responsabilidade das autoridades políticas francesas”. A porta-voz do governo francês, Najat Vallaud-Belkacem, julgou como “pouco verossímeis” as alegações do general Alexander.
A controvérsia não desculpa, em nada, a NSA. Muito pelo contrário. Com os documentos entregues pelo ex-agente da CIA e da NSA, Edward Snowden, como prova, o jornal ‘Le Monde’ mantém que os objetivos de Washington eram os mesmos dos seus aliados. Uma fonte da hierarquia da DGSE francesa refutou a ideia de que seus serviços pudessem entregar, em apenas um mês, “70,3 milhões de dados a NSA”. O volume é muito alto para este período. Além disto, o documento fornecido por Snowden diz claramente “contra este país em particular”. Contra a França ou outro, dá no mesmo. As potências se tornam inimigas hoje, mas amanhã voltam a dar as mãos para continuar saqueando, em benefício próprio, os dados de todo o planeta. Comércio, desenvolvimento, negociações internacionais, acesso aos mercados, licitações internacionais, tudo está contaminado pelos intrusos que governam o mundo, as redes e os cabos submarinos. É uma autêntica declaração de guerra contra as nações que dispõem de menos recursos, uma metódica e covarde condenação à desigualdade.