Neste ano de 2012, no contexto global, assistiu-se o desenrolar de uma crise com profundas dimensões, que afetou a economia de diversos países, escancarando as mazelas geradas no interior da Europa, até pouco tempo vista como modelo a ser alcançado pelos países emergentes. Na América Latina, persistiram os debates e as tentativas, muitas vezes contraditórias, de aliar crescimento econômico com distribuição de renda mais sustentabilidade. E o Brasil, dentro desse contexto, seguiu diariamente pressionado pela tensa conjuntura mundial, tendo que tomar difíceis decisões, em curtos espaços de tempo, para resguardar a própria imagem que criou, a de que possui uma economia robusta, que se traduz na melhoria de vida da população. Tais aspectos serão abordados e problematizados neste bloco da conjuntura.
http://www.ecodebate.com.br/2013/01/04/especial-2012-os-dilemas-da-economia-mundial-e-as-respostas-do-governo-brasileiro/
O rastro da crise econômica mundial e o abalo nos governos nacionais
Em 2012, diante da crise capitalista mundial, mais uma vez ficou evidente a incapacidade de se gestar uma racionalidade ética para resolver os graves problemas gerados pela financeirização da economia, crescimento da desigualdade e suas graves consequências sociais. Na realidade, as tensões cotidianamente geradas por esse clima de incertezas, espraiado pela economia global, acarreta uma espécie de esquizofrenia geral, que afeta diretamente os diversos governos nacionais, que tateiam pela escuridão à procura de uma saída.
A crise agora não é apenas econômica, é muito maior. A “grande transformação” que se processou a partir do final do século XX, a prodigiosa (r)evolução das forças produtivas, da ciência e da técnica, paradoxalmente, dá sinais de que ao invés de conduzir a humanidade ao porto seguro, o bem viver coletivo, empurra a civilização para a barbárie. Estamos diante do enigma, como lembra o filósofo Henrique Cláudio de Lima Vaz “de uma civilização avançada na sua razão técnica, mas dramaticamente indigente na sua razão ética”.
Segundo o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, o que está em curso, em nível mundial, é “uma tentativa de reestruturação regressiva”, ou seja, está sendo abandonado o sonho da igualdade e o modelo de Bem-Estar Social vai sendo posto de lado. Para ele, “a ética da solidariedade é substituída pela ética da eficiência e, desta forma, os programas de redistribuição de renda, reparação de desequilíbrios sociais e assistência a grupos marginalizados” vão sendo abandonados.
Uma realidade bastante visível, por exemplo, na situação que a Europa tem enfrentado. Ao longo deste ano, o mundo assistiu diversas manifestações populares contras as medidas de austeridade adotadas pelos países europeus, submissos às ordens da troika – União Europeia (UE), Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Central Europeu (BCE).
Assim, o que vale é o comando do mercado e não mais do Estado. A política passa a ser subordinada pela economia – de cerne rentista. O núcleo central da globalização é determinado pelo mercado que desestrutura a sociedade do trabalho. É por conta disto que em países como a Grécia, Espanha e Portugal, o desemprego está acima da média europeia. A Itália ronda esse grupo. Pior ainda: para dar conta de tentar estancar a crise, as medidas adotadas produzem ainda mais desemprego, uma vez que se cortam investimentos e se promove arrocho salarial e cortes nos gastos sociais. Percebe-se que a economia em vez de servidora da sociedade a transformou em serva e aos poucos vai desmantelando as conquistas sociais ancoradas no Estado.
Na análise de Belluzzo, “nos Estados Unidos dos republicanos e na Europa da senhora Merkel está em curso uma tentativa de reestruturação regressiva (…) a fuzilaria dos ultraconservadores concentra a pontaria na proteção à velhice e aos doentes. Caso esse peso morto não seja extirpado, a sociedade será entregue às letargias da estagnação”. Ainda, segundo o economista, o risco está no fato de que “a ação do Estado é vista como contraproducente pelos bem-sucedidos e integrados, mas como insuficiente pelos desmobilizados e desprotegidos. Estas duas percepções convergem na direção da ‘deslegitimação’ do poder administrativo e na desvalorização da política”.
No revés das insolúveis decisões políticas para a crise capitalista mundial, o mundo tem apresentado, nestes últimos anos, uma verdadeira efervescência de organizações e manifestações sociais que questionam o poder que mantém o atual sistema financeiro mundial, além de expressarem um desejo mais profundo pela efetivação de uma real democracia. A crise de legitimidade política dos representantes do povo é cada vez mais acentuada pela incapacidade de resolverem problemas básicos da população. Foi assim que surgiu na Espanha o movimento “Democracia Real Já”, as diversas paralisações gerais na Grécia, o movimento Ocuppy Wall Street nos Estados Unidos, o movimento dos estudantes no Chile, o movimento #YoSoy132 no México, a Primavera Árabe no Oriente Médio e em países no Norte da África, entre outros. Verifica-se que há um anseio de mudanças, mas quais são os limites dessas diversas manifestações e até que ponto elas são capazes de propor alternativas aos elementos que se convencionou chamar de crise do capitalismo contemporâneo?
A postura da América Latina frente à crise econômica
A América Latina tem passado por um momento de otimismo geral, mas é preciso lembrar seu passado recente. Nos anos 1980, o continente tornou-se um laboratório do capitalismo mundial sob as orientações do ‘Consenso de Washington’. Sendo que privatizações, desregulação, abertura indiscriminada das economias nacionais, inserção subordinada na economia internacional, fragilização do Estado, ataques aos direitos dos trabalhadores, desestruturação do mercado de trabalho, e emigrações acentuadas, caracterizaram o cenário latino-americano nos anos 1990.
Tais fatores podem explicar, em certa medida, a atual contestação do continente latino-americano às forças hegemônicas de orientação neoliberal, que resultaram numa série de governos progressistas, não necessariamente de esquerda, que em maior ou menor grau resgataram o papel do Estado como um instrumento de mitigação do fosso social.
Embora a América Latina continue ainda muito pobre e desigual, políticas sociais compensatórias vêm reduzindo a extrema pauperização. O risco é o continente adotar um modelo de inclusão via mercado – o consumo como critério de inclusão – e não via resolução de seus problemas estruturais.
Segundo a antropóloga Rita Segato, a América Latina conta com “um bloco mais sensível ao bem estar, mas que não consegue pensar a possibilidade de uma transformação, de uma melhoria na situação fora do projeto eurocêntrico. Não há uma ruptura. Ficamos ofuscados porque são governos de esquerda, mas essa novidade não é muito profunda. Entraram para competir, participar da concorrência, para emergir como bloco dentro dos mesmos princípios e balizas do capitalismo global”.
Neste sentido, as medidas tomadas para combater os efeitos perversos desta crise, mesmo sob a perspectiva desses países que emergem na resistência aos efeitos funestos do neoliberalismo, não conseguem avançar para além da superfície dos problemas estruturais desta crise sistêmica.
Na opinião de Eric Toussaint, doutor em ciência política, a crise adquiriu uma dimensão civilizacional que nos empurra para a barbárie e para colocar em causa essa crise, é preciso “pôr em causa o consumismo, a mercantilização generalizada, o desprezo pelos impactos ambientais das atividades econômicas, o produtivismo, a procura de satisfação dos interesses privados em detrimento dos interesses, dos bens e dos serviços coletivos, a utilização sistemática da violência pelas grandes potências, a negação dos direitos elementares dos povos”, todos elementos que estão no cerne da questão, que é o capitalismo.
A opção brasileira. A cara do Brasil no contexto mundial
O Brasil é mundialmente visto como uma das alavancas desta reação latino-americana em prol dos interesses regionais e da garantia do bem estar de seu povo. Desde a chegada de Lula ao poder, muitos olham para o Brasil com olhos de admiração em razão dos avanços do país em vários aspectos sociais, políticos e econômicos. O discurso predominante, desde 2003, é o de que este país está fazendo um acerto de contas com o seu passado desigual, disposto a corrigir as mazelas sofridas por sua gente através do crescimento econômico com distribuição de renda.
Neste mote, um dos carros chefes do Governo tem sido o incentivo ao consumo. Para Dilma é evidente que o modelo de desenvolvimento brasileiro esteja assentado sobre o consumo. “Não concordo com a história de que não é preciso estimular o consumo. Acho que o estímulo ao consumo vai da característica intrínseca do nosso modelo, que é um modelo de desenvolvimento com inclusão social. Estranho seria se o modelo, que tem de levar 16 milhões de brasileiros e de brasileiras a ter um padrão mínimo de consumo e renda, não fizesse ampliação do consumo no País. Por quê? Porque nós temos ainda um consumo extremamente reprimido das classes populares”, disse.
De fato, na política econômica do Governo Dilma, durante este ano, todas as vezes que se reduziu algum tipo de imposto para a linha da construção civil, eletrodomésticos ou automóveis, o foco esteve no aquecimento da economia, para se traduzir no aumento do consumo. Assim, por exemplo, nas vésperas da realização da Conferência Rio+20, o governo brasileiro diminuiu o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de carros. Infelizmente, a indústria automobilística é uma das principais responsáveis pela crise energética mundial, e o automóvel um dos vilões da crise ambiental.
Contudo, o discurso oficial da presidente, que também foi sustentáculo de sua presença anfitriã durante a Conferência Rio+20, é o da possível conciliação entre preservação e desenvolvimento. “Nós mostramos que é possível preservar nossas florestas, nossa biodiversidade, é possível preservar nossos rios, é possível preservar nossas riquezas naturais e o país é um dos países com a riqueza ambiental da mais alta qualidade e variação”, apontou a presidente.
Embora as palavras da presidente agradem aos ouvidos, são vazias diante da voracidade do modelo desenvolvimentista de seu governo. A aposta brasileira no pré-sal, por exemplo, demonstra um enorme retrocesso na agenda ambiental. Na opinião do economista Luís Oreiro, “trata-se de um investimento muito volumoso, de uma tecnologia que, ao que tudo indica, está em via de se tornar obsoleta. Não consigo visualizar, nos próximos vinte anos, a matriz energética do mundo ainda baseada na exploração de derivados de petróleo. Então, trata-se de uma aposta de altíssimo risco”. Ou seja, caminha-se na contramão do que se vislumbra como alternativa sustentável para o planeta.
A exploração do pré-sal representa um dos maiores desafios tecnológicos já enfrentados pelo Brasil, além de projetar uma nova corrida atrás de uma energia que é símbolo do século XX (altamente poluente, não renovável, centralizada e centralizadora), inibindo políticas que nos levariam rumo a uma matriz energética mais limpa e renovável.
Há, evidentemente, a energia hidrelétrica que, muito embora se diga que seja mais limpa (comparada com o petróleo e o carvão), e o governo brasileiro faz questão de apresentar esse tipo de energia como exemplo e modelo para o mundo, conta com a efetivação de megaprojetos hidrelétricos, que vão sendo implantados na Amazônia Legal (Santo Antonio, Jirau, Belo Monte, entre muitos outros), ambiental e socialmente desastrosos, como já se pode analisar em diversos momentos.