Epidemia de defeitos congênitos no Iraque após a guerra.

Nações Unidas, 30/10/1012 – Um novo estudo confirma o que muitos médicos do Iraque estão dizendo há anos: há uma virtual epidemia de raros defeitos congênitos nas cidades que sofreram bombardeios e disparos de artilharia em ofensivas lideradas pelos Estados Unidos. Os locais mais afetados parecem ser a cidade de Faluja, no centro do país, que sofreu uma forte ofensiva em 2004, e Basra, ao sul, em abril de 2003.

Epidemia de defeitos congênitos no Iraque após a guerra

 

por Julia Kallas, da IPS

n78 Epidemia de defeitos congênitos no Iraque após a guerra

Savabieasfahani pesquisou nas cidades de Faluja e Basra. Foto: Cortesia de Mozhgan Savabieasfahani

 

Os registros mostram que o número de defeitos observados pelo pessoal médico do Hospital e Maternidade Basra nos recém-nascidos mais do que dobrou entre 2003 e 2009. Entre 2007 e 2010, em Faluja, mais da metade das crianças nasceram com algum problema congênito, contra menos de 2% em 2000.

Mozhgan Savabieasfahani é a autora principal do último estudo publicado pelo Bulletin of Environmental Contamination and Toxicology (Boletim de Contaminação Ambiental) intitulado Metal Contamination and the Epidemic of Congenital Birth Defects in Iraqui Cities (Contaminação com metal e a epidemia de defeitos congênitos em cidades iraquianas).

O exame de amostras de cabelos de 56 famílias de Faluja revelou contaminação com dois metais conhecidos por sua neurotoxidade: chumbo e mercúrio. Savabieasfahani, toxicologista ambiental da Escola de da norte-americana Universidade de Michigan, conversou com a IPS sobre a crise sanitária iraquiana e as consequências de longo prazo pela exposição a metais liberados pelas bombas e munições.

IPS: A senhora se concentrou em Faluja e Basra. Há algum indício de que este problema possa estar afetando outras cidades também?

MOZHGAN SAVABIEASFAHANI: Há um estudo feito em outra cidade e creio que apresenta aspectos semelhantes. Acredito que é possível que qualquer outro lugar tenha sido afetado. Em alguns locais são registradas situações parecidas, mas não há publicações que indiquem isso.

IPS: Seu estudo encontrou sérias deformações em crianças em 2010. Por quanto tempo continuarão sendo sentidos na saúde os efeitos da guerra?

MS: Falando como toxicologista ambiental, creio que enquanto não se limpar o meio ambiente, enquanto a fonte desta contaminação pública não for encontrada, e enquanto a população estiver diariamente exposta a ela, o problema persistirá. E podemos ver que, na verdade, está se agravando. Penso que o melhor passo a ser dado agora é ampliar o alcance dos estudos ambientais: analisar a água, o ar, os alimentos, o solo, tudo o que esteja em contato com as pessoas, analisar tudo isto para detectar a presença de metais tóxicos e outras substâncias que estão no meio ambiente. E, uma vez encontrada a fonte, então poderemos erradicá-la. Se não fizermos isto, o problema continuará, porque as pessoas estão expostas.

IPS: Que tipo de munição é responsável por esta classe de contaminação em grande escala?

MS: Fazemos referência a um par de documentos militares dos Estados Unidos e a metais indicados neles. As munições para armas pequenas incluem vários metais. Porém, pode ser de tudo, desde as bombas lançadas do ar até as disparadas por tanques ou mesmo as balas. Todas possuem metais semelhantes, incluindo mercúrio e chumbo, que encontramos nos corpos das pessoas que vivem em Faluja e Basra.

IPS: A senhora colabora com os pesquisadores da Organização Mundial da Saúde (OMS) que realizam um estudo semelhante, cujas conclusões serão apresentadas no próximo mês?

MS: Não, não mantive contato com a OMS, nem com nenhuma outra organização. Simplesmente trabalhamos com um grupo de cientistas.

IPS: A senhora sabe de alguma reação formal à sua pesquisa, seja do governo do Iraque, dos Estados Unidos ou da Grã-Bretanha?

MS: Houve alguma. O Departamento de Defesa dos Estados Unidos respondeu ao informe dizendo que não sabe de nenhum estudo oficial que indique algum problema em Basra ou Fajula. Mas isto é só o que consigo lembrar.

IPS: Como o sistema de atenção médica iraquiana enfrenta uma emergência como esta? E como é possível dar atenção médica e adotar medidas contra a contaminação nos lugares afetados?

MS: Sei que os hospitais nas duas cidades que estudei estão sobrecarregados, mas enquanto houver preocupação haverá formas de ajudá-los. Precisamos organizar os médicos, os cientistas e profissionais nesta área para fazer a limpeza. Organizá-los, levá-los a essas duas cidades e iniciar o trabalho. No entanto, tudo isso exige apoio financeiro e de outro tipo. O apoio político e o financeiro ajudarão para que isso aconteça.