Entidade de defesa do consumidor quer controle de agrotóxicos em produtos alimentícios

E o governo brasileiro cada vez autorizando mais e mais a liberação dos venenos que acabam na nossa mesa!

https://www1.folha.uol.com.br/comida/2021/10/estudo-acha-residuos-de-agrotoxicos-em-alimentos-ultraprocessados.shtml

Claudia Rolli

21.10,2021

Estudo do Idec encontra substâncias em biscoitos, suco de soja e bisnaguinha

Se a quantidade de açúcar, sal, gordura e aditivos nos alimentos industrializados já preocupa, mais um item entrou na lista: o agrotóxico.

Em um estudo do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) divulgado em junho e apresentado em setembro numa audiência pública sobre agrotóxicos, 59,3% dos produtos ultraprocessados apresentaram resíduos de ao menos um agrotóxico. Na lista de 27 alimentos testados e classificados em oito grupos, 6 em cada 10 tinham resíduos.

Trator realiza pulverização de agroquímicos em plantação de trigo no Rio Grande do Sul. Ricardo Azoury/Olhar Imagem

São salgadinhos, bisnaguinhas, biscoitos de água e sal, bolachas recheadas, cereais, pães de trigo e bebidas de soja —itens que estão entre os mais consumidos por crianças e adolescentes. Em duas categorias, refrigerantes e néctares, não foram detectadas essas substâncias.

A análise do Idec, intitulada ‘‘Tem veneno neste pacote”, foi feita em um laboratório acreditado pelo Inmetro e credenciado junto ao Ministério da . Foram identificados 13 tipos de agrotóxicos. Entre os 27 produtos, mais da metade tinha resíduos de glifosato ou glufosinato —dois dos herbicidas mais usados em plantações de soja, milho e algodão.

Com base na análise de estudos, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc), ligada à OMS (Organização Mundial da Saúde), considera o glifosato possível agente causador de câncer.

Aplicação de glifosato, ou ‘mata-mato’, aplicado tanto no campo como nos espaços urbanos.

Vários países estão banindo o uso desses agrotóxicos. A Áustria foi o primeiro, em 2019. Em 2022, vencerá o registro de comercialização do glifosato na União Europeia, mas não se sabe se a licença de uso será renovada. Neste ano, o México anunciou banimento gradual da substância.

O estudo do Idec desmistifica a ideia de que só há agrotóxicos em alimentos in natura, mostra a resistência do veneno a longo prazo e reforça a necessidade de monitoramento dessas substâncias, resume Rafael Rioja Arantes, analista em regulação do programa de alimentação saudável do Idec e um dos responsáveis pela pesquisa.

“Mesmo após anos decorridos entre a aplicação dos agrotóxicos na lavoura, colheita, transporte, estoque, industrialização até a ida para as prateleiras dos supermercados, os resíduos continuam chegando na casa das pessoas e nas lancheiras”, diz Arantes.

Não há hoje limite para a presença de resíduos de agrotóxicos em comida industrializada. Nem controle: a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) monitora o uso em frutas, legumes, grãos etc.

Exemplos de alimentos ultraprocessados.

Além de discutir normas específicas para regular os produtos ultraprocessados, cujo consumo já é associado a maiores riscos de obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares, o Idec quer ampliar o debate sobre a segurança alimentar e o modo de produção de alimentos no país.

“Está mais do que escancarada a necessidade de se enfrentar o problema do uso de agrotóxicos no país, o modo de produzir e a urgência de políticas públicas para promover sistemas alimentares verdadeiramente saudáveis e sustentáveis”, diz Arantes, que faz parte do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP.

Segundo a Anvisa, alimentos processados já são direta ou indiretamente controlados por análises de suas matérias-primas, e valem para eles os mesmos Limites Máximos de Resíduos estabelecidos para os alimentos in natura.

“Os níveis residuais encontrados nos alimentos processados/ultraprocessados foram consideravelmente inferiores aos presentes nas respectivas matérias-primas, situando-se todos dentro dos limites máximos permitidos, e assim, não representando risco potencial à saúde dos consumidores”, diz a nota da agência.

A Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos), entidade que reúne a indústria de alimentos, informa que atende a legislação sanitária brasileira e leis de 190 países para os quais exporta.

“Não existe alimento produzido pela indústria que não possa ser consumido ou que ofereça risco para o consumidor, uma vez que as indústrias atuam com alto nível de responsabilidade e somente utilizam ingredientes e insumos que tenham sido exaustivamente testados e validados não apenas pelos órgãos responsáveis, mas por suas próprias áreas de qualidade e segurança alimentar”, diz a Abia.

As entidades não questionam os resultados do Idec, mas informam não ter tido acesso a metodologia, critérios de seleção dos alimentos e amostragem do laboratório que efetuou as análises.

O Idec diz que, em qualquer pesquisa, notifica as empresas envolvidas antes de sua publicação. O nome do laboratório não foi divulgado por sigilo contratual —ele é o mesmo usado pela Anvisa em testes de resíduos de agrotóxicos.

O instituto planeja novas pesquisas para ter a dimensão do problema nos produtos industrializados e do impacto desses químicos na saúde das pessoas.

Uma das ideias é que esses produtos possam trazer em seus rótulos informações sobre resíduos agrotóxicos, assim como hoje informam teor de sal, açúcar e gorduras.

“Precisamos fortalecer as estruturas de monitoramento, incluindo os processados. A partir disso, dar passos para avançar no direito à informação, fundamental para os consumidores”, diz Rafael Riojas Arantes