Em marcha para a recolonização

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Marcio Pochmann, economista, professor da Unicamp/Campinas

18/04/2022

Em 200 anos de independência, nunca fomos tão subalternos. Crescimento econômico regrediu a patamares do Brasil Império. A indústria nacional é desmontada em nome da reprimarização. Em plena Era Digital, somos mero país consumidor…

Os 200 anos que se sucederam à declaração da Independência nacional, em 1822, podem ser divididos em quatro distintos períodos de tempo: mercantilismo, liberalismo, desenvolvimentismo e neoliberalismo. O primeiro, referente ao Império, prevaleceu por 67 anos assentado no trabalho escravo sob a dominância do Estado absolutista a sustentar a família real, a nobreza e o clero.

A primeira República ou República Velha que durou 41 anos, constituiu o segundo período estruturado em torno do Estado mínimo liberal a fomentar o capitalismo nascente condicionado pelos interesses da oligarquia agrarista primário-exportador. Da Revolução de 1930 à transição democrática da metade dos anos de 1980, o terceiro período, que correspondeu ao avanço do capitalismo urbano e industrial conduzido pelo Estado desenvolvimentista e fomentador da burguesia, da classe média assalariada e do operariado manufatureiro.

O quarto período trata do final da década de 1980 aos dias de hoje. Pela hegemonia neoliberal, o sistema produtivo complexo, diversificado e integrado associado à substituição de importações foi sucedido pelo modelo econômico atual de especialização rentista e primário-exportador.

Em simples comparação temporal, os quatro distintos períodos podem ser hierarquizados segundo indicadores econômicos selecionados. Ao se considerar o comportamento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita, nota-se que o período atual (neoliberal) apresenta o pior desempenho econômico de todo o regime republicano (desde 1889).

Nas últimas quatro décadas, por exemplo, o PIB per capita cresceu a uma média de 0,6% ao ano, enquanto no período desenvolvimentista, entre as décadas de 1930 e 1970, a renda nacional dividida por habitantes, aumentou 3,3% como média anual. Na República Velha (1889-1930), o PIB per capita cresceu, em média, 0,7% ao ano.

Percebe-se, portanto, que o período atual somente consegue superar o do Império, cuja expansão média anual do PIB per capita foi de apenas 0,3% ao ano. Para maiores detalhes, ver o livro recém-lançado: “O neocolonialismo à espreita: mudanças estruturais na sociedade brasileira“.

A razão da prevalência do desempenho da renda nacional per capita muito desfavorável a partir de 1980 se deve fundamentalmente à perda do vigor econômico nacional. Isso porque o crescimento médio anual da população brasileira foi o menor de todos os tempos.

Entre 1980 e 2020, por exemplo, a expansão média anual da população nacional foi de somente 1,4%, ao passo que durante o Império foi de 1,7%. No liberalismo, entre os anos de 1889 e 1930, a população brasileira cresceu 2,2% ao ano, enquanto no período desenvolvimentista, entre os anos de 1930 e 1980, o número de brasileiros aumentou 2,6%, a maior expansão média anual dos últimos 200 anos.

Do ponto de vista econômico, o esvaziamento da vitalidade nacional se encontra associado à forma com que o país ingressou na a partir de 1990. Passiva e subordinadamente, o Brasil internalizou a fórmula balsâmica das altas taxas de juros combinada com a valorização cambial, acreditando que o problema do atraso nacional se devia ao Estado desenvolvimentista.

A primazia da condução neoliberal desde então se procedeu como se fosse uma espécie de segunda abertura dos portos “às nações amigas”. Na primeira abertura dos portos conduzida por D. João VI, em 1808, assistiu-se ao ingresso na Era Industrial pela condição de comprador de bens e serviços industriais subordinada ao modelo econômico agrarista primário-exportador.

Isso somente foi rompido pela Revolução de 1930, quando o Brasil se afirmou na Era Industrial como um país que se transformou de importador em exportador de bens e serviços industriais, alguns anos depois. Para isso, o liberalismo deu lugar ao desenvolvimentismo, próprio da desglobalização registrada entre as décadas de 1910 e 1970.

Na segunda “abertura dos portos”, o Brasil ingressou na atualidade da Era Digital enquanto grande país consumidor. Ao deixar de produzir internamente os bens e serviços digitais, o país passou a perseguir, novamente, o modelo primário-exportador, com o agravante de ter se convertido em plataforma de financeirização do estoque de riqueza velha.

Ou seja, o Brasil passou a repetir, guardada a devida proporção, a crescente dependência das receitas advindas das exportações de produtos primários e semiprocessados (especialização produtiva) para financiar importações de bens e serviços digitais. Com isso, o dinamismo econômico interno foi muito enfraquecido pelo abandono do sistema produtivo complexo, diversificado e integrado, o que explicita o desastre econômico do período neoliberal atual.