Reprodução, crescimento, comportamento e padrões de sono, são só algumas das funções controladas por hormônios. Pesquisadores ao redor do mundo estão examinando o que acontece quando substâncias químicas expõem nossa vida cotidiana, interrompendo ou imitando os mensageiros hormonais naturais.
https://ehp.niehs.nih.gov/doi/10.1289/ehp.trp060112
Resumo do Editor.
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As provas de evidência científica sugerem até agora que as exposições aos disruptores endócrinos, mesmo em baixas doses, podem ter efeitos muito reais. E que estes efeitos nestas doses podem desaparecer quando elas forem altas, dando a ilusão de segurança se estes químicos não forem testados a baixas doses. Neste ‘podcast‘ (nt.: arquivo de áudio digital) o apresentador Ashley Ahearn entrevista Laura Vandenberg sobre sua recente revisão das provas das evidências dos efeitos sobre a saúde quando houver exposições a baixas doses dos disruptores endócrinos.
Environ Health Perspect 120 (2012). http://dx.doi.org/10.1289/ehp.trp060112 [Online 1 June 2012]
Transcrição do arquivo de áudio digital.
AHEARN: Aqui é da Researcher’s Perspective. E eu sou Ashley Ahearn.
Reprodução, crescimento, comportamento, padrões de sono—o que eles têm em comum? Estas são apenas algumas das funções naturais em nossos corpos que são controladas por mensagens hormonais enviadas pelo sistema endócrino.
Assim, o que acontece se substâncias químicas que estamos expostos em nossas vidas cotidianas imitarem estas mensagens hormonais naturais?
Esta é a questão que os pesquisadores ao redor do mundo estão buscando responder. E as provas científicas até agora sugerem que, mesmo em baixas doses, a exposição a estes assim chamados disruptores endócrinos podem ter efeitos muito reais. Além do mais, os efeitos em doses baixas podem desaparecer quando as doses são mais altas, gerando um ilusão de segurança se estes químicos são forem testados em doses efetivamente baixas.
Um editorial na edição do EHP (nt.: Environmental Health Perspectives – periódico de materiais científicos oficiais dos EUA) publica uma ampla revisão de pesquisas sobre este tema.1
Laura Vandenberg é co-autora da revisão original, que apareceu no periódico Endocrine Reviews.2 Este é o mais amplo esforço em uma década de examinar a literatura sobre exposições aos disruptores endócrinos a baixas doses e os possíveis resultados sobre a saúde humana. Ela é uma colaboradora com o grau de pós doutora junto ao Center for Regenerative and Developmental Biology (nt.: Centro para Regeneração e Biologia do Desenvolvimento) na Universidade de Tufts, Boston/EUA.
Alô, Dra. Vandenberg.
VANDENBERG: Olá, Ashley. Grato pelo convite.
AHEARN: Estamos sendo expostos aos disruptores endócrinos todos os dias. O que são estas substâncias e onde elas são encontradas?
VANDENBERG: Estas são substâncias químicas que entramos em contato praticamente em cada momento de nossa vida cotidiana. Tão logo pulamos da cama e, indo ao banheiro, já começamos a ser expostos a eles em produtos que usamos em nosso cuidado pessoal, como são os cosméticos. Ao fazermos nosso desejum, também existem estas substâncias que podem ser encontradas diretamente em nosso alimento ou em suas embalagens. Quando vamos para o nosso carro para irmos para o trabalho, lá estão químicos, detectados nos estofamentos ou nos particulados em suspensão que estamos expostos no ar e que são originários da exaustão do diesel. Da mesma forma, são as substâncias químicas que usamos em nossos gramados para que fiquem bonitos e verdes. Além disso, existem substâncias que empregamos em nossa casa para eliminarmos os insetos e aquelas que deixam todas as coisas parecendo brilhantes e limpas. E assim, em praticamente todos os aspectos de nossas vidas do dia a dia, nos confrontamos com substâncias químicas que podem imitar ou bloquear as ações dos hormônios em nosso organismo.
AHEARN: Por que foi feito este estudo e quantas outras pesquisas foram revisadas para ele?
VANDENBERG: Este [tipo de revisão] foi feito originalmente em 2001 e 2002 pelo National Toxicology Program (nt.: Programa oficial dos EUA sobre toxicologia das substâncias químicas, inclusive que geram cânceres) juntamente como o NIEHS.3,4 (nt.: sigla em inglês do National Institute of Environmental Health Sciences-Instituto Nacional das Ciências da Saúde Ambiental) E a pergunta feita naquele tempo era: há evidência de que os disruptores endócrinos têm ações a baixas doses? Quisemos retroceder e perguntar: é isso algo comum para todos os disruptores endócrinos, agirem em baixas doses? Assim nós tentamos observar tantas substâncias químicas quanto fosse possível de uma sentada e realmente esta foi a primeira vez que alguém pensou fazer isso porque a maioria dos pesquisadores foca só um químico de cada vez.
E assim identificamos 28 químicos com limites para baixas doses 5 e constatamos então que haviam efeitos abaixo deste limite. Essencialmente cada químico que observamos e que sabíamos o que uma “dose baixa” poderia representar, teve um efeito efetivo neste intervalo de dose.
AHEARN: Foi isso o que esperava encontrar?
VANDENBERG: Do ponto de vista de um endocrinologista, isso não é terrivelmente surpreendente. Os hormônios operam no organismo nestes níveis de partes por bilhão/ppb ou parte por trilhão/ppt. Assim estamos falando em algo em torno de uma colher de chá numa piscina tamanho olímpico. Eles devem operar em baixas doses. Assim (nt.: parece lógico) que, ao se observar estes químicos que podem mimetizar, imitar, as ações dos hormônios, se espere que pudéssemos encontrar ações destes disruptores endócrinos químicos também neste mesmo nível de dose.
O que pode ter sido surpreendente é que [para] todos os químicos que nós observávamos, para que pudéssemos encontrar um corte de baixa dose, se tivesse sido estudado nesta dose, sempre existia o efeito.
AHEARN: Dra. Vandenberg, que tipo de efeitos podem ser associados com a exposição a estas baixas doses dos disruptores endócrinos na população em geral e quão grande é a evidência destes efeitos que podemos ou não já estar vendo nas pessoas?
VANDENBERG: Alguns dos problemas observados com populações humanas são realmente estes. Se estivermos observando como um farmacêutico, poderemos percebê-los nas pessoas que foram expostas aos disruptores e aqueles que não. Da mesma forma como aqueles que ingeriram propositadamente e aqueles que não tomaram estes químicos. Com substâncias como os disruptores endócrinos que estamos expostos todo o tempo, torna-se muito difícil encontrar algum grupo de pessoas que possamos ter para compará-lo com aqueles outros dentre nós que estamos expostos, não existindo portanto uma população controle. Por isso, os epidemiologistas têm observado com muito cuidado e comparado as exposições daqueles que são expostos com menos quantidade do químico de outros expostos com maiores volumes do químico.
E alguns destes estudos estão sugerindo que os disruptores endócrinos podem estar ligados a efeitos sobre a saúde humana como fertilidade, diabetes e obesidade, outros aspectos da síndrome metabólica,6 doenças cardiovasculares e muitos outros mais. Algumas das doenças que estão conectadas com esta situação, são realmente preocupantes como a doença de Parkinson, o autismo, o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade/TDAH (nt.: em inglês a sigla é ADHD-attention deficit/hyperactivity disorder). Estes são então os tipos de doenças que estamos vendo em crescimento e predominando entre as populações, bem como se os disruptores endócrinos são ou não responsáveis ou mesmo se desempenham algum papel, é uma preocupação séria, de verdade.
AHEARN: Mas isso não quer dizer que os disruptores endócrinos estão sendo a grande razão que englobe todos estes problemas na população. Quer dizer, alguns destes efeitos são extremamente sutis e tão sutis que nós na verdade não podemos dizer com certeza se eles são mesmo preocupantes ou não. Poderia nos explicar um pouco sobre isso?
VANDENBERG: Alguns dos efeitos dos diruptores endócrinos em animais são mudanças sutis que vemos em seus desenvolvimentos e como eles se relacionam a doenças humanas, em alguns casos, não estão ainda bem claros. Já em outros casos é muito evidente. Assim em nossa revisão, examinamos a bibliografia científica quanto às exposições ao BPA—esta molécula é o bisfenol A, o plastificante de resinas plásticas que vem sendo estudado incrivelmente bem—e seu papel em afetar a glândula mamária de roedores que são expostos a ele. E o que nós fizemos, foi revisar todos os estudos pesquisaram o BPA e a glândula mamária, e se eles haviam detectado ou não algum efeito. De forma esmagadora, estes estudos sugerem que o BPA afeta o desenvolvimento desta glândula. Ele pode induzir lesões pré cancerosas e mesmo cancerosas, além de tornar estes animais mais sensíveis a químicos carcinogênicos.
Assim, é esta evidência que o BPA pode estar fazendo a mesma coisa com os seres humanos? Existe certamente preocupação por isso, mas como poderíamos estudar isso em seres humanos? Precisamos então ir à população jovem e saber quanto de BPA foram expostos no ventre materno e então observá-los por décadas. E existem pesquisadores que estão começando a tentar fazer este tipo de experimento. No entanto estamos falando sobre resultados que não teremos antes de outros 50 anos.
AHEARN: Dra. Vandenberg, este é um tema realmente explosivo para se pesquisar e eu gostaria de saber como os cientistas em seu campo de atuação, navegam neste tipo de terreno arriscado de poderem ser taxados como um “cientistas ativistas”?
VANDENBERG: Bem, para mim acredito ser muito importante manter a distinção entre o que os dados de pesquisa mostram e a opinião pública sobre estes mesmos dados. Assim uma série de mudanças que estão sendo feitas, particularmente nos produtos de consumo, têm sido dirigidas por aquilo que os consumidores pensam sobre isso. Por exemplo, o BPA foi removido das mamadeiras pelas indústrias não por causa de qualquer ação legal na maioria dos casos, mas porque era o que os consumidores queriam. A questão verdadeira para mim de como um cientista deve ser, é: há evidências suficientes para sugerir que o BPA deva ser removido das mamadeiras infantis? Neste caso, penso que havia como continua havendo. De fato, acredito que há evidências suficientes de que o BPA não deve estar em contato com os alimentos, mas isto é baseado, ressalta-se que esta é uma opinião científica, em centenas de estudos e não numa reação instintiva sobre o que eu acho ou sinto sobre o BPA ou qualquer outro químico em particular.
AHEARN: Qual será seu próximo passo, Dra. Vandenberg? O que está lhe estimulando a explorar daqui para frente.
VANDENBERG: Parece-me que um dos aspectos realmente muito importante deste trabalho que precisa ser visto e estudado, é o entendimento de como estes químicos agem quando estão em misturas. Assim novamente, muito deste trabalho, naquele tempo, vinha sendo feito pela observação de um único químico, no entanto isso não é como os seres humanos estão na verdade vêm sendo expostos a eles. Estamos sendo expostos a cada momento em que comemos alguma coisa a múltiplos químicos ao mesmo tempo e nós realmente temos muito poucas evidências sobre como estes químicos agem todos juntos. Por um acaso dois estrogênios agem de forma aditiva? E um estrogênio em um anti-estrogênio contrapõem-se mutuamente? Ou anulam-se? Os poucos estudos que foram feitos, sugerem que este tipo de previsão matemática simples não revela na verdade o que está acontecendo na biologia do animal e é isso que quero explorar. É para ai que eu quero ir.
AHEARN: Bem, Drs. Vandenberg, muito agradecido por ter estado hoje aqui conosco.
VANDENBERG: Grata.
AHEARN: Laura Vandenberg é uma colaboradora com pós doutorado junto ao Center for Regenerative and Developmental Biology da Tufts University.
E aqui é The Researcher’s Perspective. E eu sou Ashley Ahearn. Grato por este downloading!
Ashley Ahearn
Ashley Ahearn, apresentador do The Researcher’s Perspective, vem sendo produtor e repórter para a National Public Radio e um Annenberg Fellow junto à University of Southern California especializado em jornalismo científico.
Referências e Notas
1. Birnbaum LS. Environmental chemicals: evaluating low-dose effects. Environ Health Perspect 120(4):A143–A144 (2012); http://dx.doi.org/10.1289/ehp.1205179.
2. Vandenberg L, et al. Hormones and endocrine-disrupting chemicals: low-dose effects and nonmonotonic dose responses. Endocrine Rev; doi:10.1210/er.2011-1050 [online 14 Mar 2012].
3. Melnick R, et al. Summary of the National Toxicology Program’s report of the endocrine disruptors low-dose peer review. Environ Health Perspect 110(4): 427–431 (2002); PMID:1240807.
4. NTP. National Toxicology Program’s Report of the Endocrine Disruptors Low Dose Peer Review. Research Triangle Park, NC:National Toxicology Program/National Institute of Environmental Health Sciences (2001). Available: http://ntp.niehs.nih.gov/ntp/htdocs/liason/LowDosePeerFinalRpt.pdf [accessed 23 May 2012].
5. The low-dose cutoff for each chemical was defined by the investigators as “the lowest dose tested in traditional toxicology studies, or doses in the range of human exposure, depending on the data available.”
6. Metabolic syndrome is a cluster of conditions that raise the risk for health problems such as heart disease, type 2 diabetes, and stroke. To be diagnosed with metabolic syndrome, at least three of the following risk factors be present: 1) excess fat in the stomach area (having an “apple shape”), 2) high triglycerides, 3) low HDL (“good”) cholesterol, 4) high blood pressure, and 5) high fasting blood sugar.