Na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que começa nesta quarta-feira, o mundo discutirá a transição para uma economia verde, mas talvez o debate devesse ir muito além disso, num processo do qual emergisse um novo arranjo s social que pusesse a ética no centro da vida econômica. A proposta, do economista da USP Ricardo Abramovay, está em Muito Além da Economia Verde, livro que ele lançou na semana passada para jogar mais lenha na fogueira às vésperas da Rio+20.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/510282-e-preciso-reinserir-a-etica-no-centro-do-debate-economico
A entrevista é de Giovana Girardi e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 11-06-2012.
Eis a entrevista.
Se na Rio+20 o mundo falasse: agora temos uma nova economia, quais seriam as bases dela?
Estamos no seguinte paradoxo: o mundo está muito aquém da economia verde, aumentando emissões, desmatando mais, usando mal os materiais. Economia verde é produzir usando menos recursos e comprometendo menos as saúdes dos ecossistemas, é transitar da energia fóssil para a renovável e usar melhor os materiais. Mas se constato que estamos muito aquém, então alguém pode me chamar de ‘radicaloide’ por querer ir Muito Além da Economia Verde. Só de alcançar a economia verde já estaria muito bom. O problema é que se considerarmos os últimos 20 anos, vemos que houve um imenso progresso no sentido da economia verde. Cada unidade de dólar foi gerada com 21% menos de uso de recursos materiais e 23% menos emissões de gases de efeito estufa. No entanto, o uso de materiais aumentou 39% e as emissões aumentaram 41%. Porque mesmo tendo um avanço extraordinário, está se produzindo e consumindo muito mais. Ou seja, a economia verde num mundo de 3 bilhões de habitantes talvez desse conta do recado. Mas com 7 bilhões, com a emergência de uma nova classe média mundial, que vai passar de 2 bilhões para 5 bilhões até 2030, com uma faixa hoje de US$ 10 a US$ 100 diários de consumo… Precisamos repensar a relação entre economia e sociedade. Temos de ter resposta não só para a pergunta ‘produzir como?’, mas também ‘para quê? E para quem?’ Para quê estamos tirando IPI dos carros para as pessoas ficarem paradas no trânsito?
É aí que entraria a proposta de mudar a forma de contar riqueza somente a partir do PIB?
É uma das coisas que acho que a Rio+20 talvez possa trazer uma sinalização. Rediscutir o PIB não é só uma questão de medida de riqueza, mas uma questão de sentido. Envolve rediscutir os propósitos econômicos. O tema é a reinsercão da ética na economia. Em 2005, a humanidade consumia 60 bilhões de toneladas de recursos materiais por ano, e isso vai aumentando. Daria mais ou menos 9 ou 10 toneladas per capita por ano. Ou seja, eu peso 70 kg e gasto 9 toneladas para passar um ano. É impressionante. Só que um indiano consome 4 toneladas. Um canadense, 25. E as mesmas proporções se repetem no consumo de energia e emissões de gases-estufa. No relatório de 2011 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Achim Steiner estimou que essa média per capita terá de cair de 9 para 6 toneladas por ano. O indiano tem uma margem de crescimento de 4 para 6, mas o americano tem de cair para 6. Em parte isso tem de se conseguir com inovação tecnológica, mas imaginar que só isso vai permitir que se continue com o pé no acelerador é ignorar a experiência que estamos tendo.
De que modo essa nova ética poderia ser incutida pela Rio+20?
É importante lembrar que não se trata de uma reunião que vai tomar decisões a serem imediatamente implementadas. E também não está na pauta da Rio+20 grandes tratados internacionais. Mas podemos esperar duas sinalizações. A primeira é em relação à mudança do PIB. E a segunda são os objetivos de desenvolvimento sustentável. Se as nações se comprometem a estabelecer metas quanto ao uso dos recursos ecossistêmicos que estão sob risco, pode ser importante.
O senhor defende que a nova economia vai se apoiar num metabolismo industrial e depender do papel que as empresas vão desempenhar, mas em que pé está na prática essa mudança?
Algumas entidades do mundo empresarial, como o World Business Council, o Instituto Ethos e o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável já estão adotando o discurso do ‘vamos começar a fazer, mesmo antes de virem os incentivos de governo’. A constatação é que tem de haver uma mudança no próprio sentido e nos objetivos do sistema econômico. É um minoria, é uma brecha importante e os próprios movimentos sociais estão começando a explorá-la. Eles perceberam a importância de exercer uma pressão direta sobre as empresas. Estão combinando denúncias com ações cooperativas com o mundo empresarial que são transformadoras de ambos os lados.
O senhor acha que essa brecha hoje pequena pode se expandir a ponto de ser capaz de mudar o modo de fazer negócios?
Grande parte das transformações sociais que a gente precisa ter no mundo vai ter como protagonistas empresas e mercados. E passar por uma nova concepção do que são mercados. Os últimos relatórios de várias consultorias internacionais, como McKinsey, Price Waterhouse e KPMG, trazem em comum análises que mostram que o famoso business as usual está esgotado. O relatório da Price caracteriza como ‘retomada suja’ a que a economia teve de 2009 para 2010, quando cada dólar foi produzido emitindo mais carbono que no ano anterior, coisa que não acontecia desde 2000. A KPMG analisou, por exemplo, que, se a produção asiática de aço pagasse pela água que usa, o lucro das empresas seria reduzido em 42%. O think tank do capitalismo mundial tem produzido materiais apontando que os riscos empresariais estão aumentando e dizendo para o mundo que não é possível continuar praticando um regime de preços que ignora o esgotamento dos recursos que a economia depende. E por enquanto os rascunhos do documento que deve sair da Rio+20 não estão aos pés da contundência dessas constatações.
Qual é o desafio?
É ao mesmo tempo ter de fazer mais na base da pirâmide – mais infraestrutura, serviços, educação, hospitais – e menos no topo – menos comida, carros, emissões etc. A governança dessa dupla é o que a gente não sabe fazer. O nosso desafio é fazer menos e distribuir esse ônus e convencer as pessoas de que fazendo menos provavelmente a gente tem a chance de construir uma vida melhor.