Quando a cientista ambiental Annie Leonard divulgou na internet o filme A História das Coisas, em 2007, não tinha grandes expectativas: um filme, uma homepage, e só. Mas o filme se popularizou e foi visto por mais de 12 milhões de pessoas – quase 500 mil só no Brasil. Quatro anos e sete filmes depois, o vídeo foi adotado em várias escolas americanas e virou livro (em coautoria com Ariane Conrad), recém-lançado no Brasil pela editora Zahar. Na obra, a ativista (ex-Greenpeace) delineia os cinco estágios da economia mundial (extração, produção, distribuição, consumo e descarte) e descreve o imenso impacto do nosso estilo de vida para o planeta.
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,e-preciso-manter-nossos-produtos-e-nao-descarta-los-,815948,0.htm
28 de dezembro de 2011
KARINA NINNI – O Estado de S.Paulo
Ativista defende nova postura de consumo: manter e reusar nossos objetos em vez de jogá-los no lixo.
Annie, que vive com a filha em uma comunidade em Berkley, na Califórnia, falou ao Estado sobre lixo zero, reciclagem e mudanças climáticas, insistindo na corresponsabilidade entre governos, corporações e indivíduos para um mundo mais sustentável.
Você cita muito no livro a ideia de lixo zero. Realmente acredita nessa possibilidade?
O lixo zero é uma meta excelente. Estamos a décadas de torná-la realidade, mas creio ser importante estabelecer uma meta ambiciosa. Nas fábricas, os gerentes usam a expressão defeito zero. Empresas aéreas buscam a meta de zero acidentes. Ou seja: um objetivo ambicioso e visionário torna mais clara a direção em que temos de ir. Precisamos reconhecer o valor que há nos produtos e focar nossos esforços em conservá-los, em vez de desperdiçá-los. As companhias precisam fazer produtos mais duráveis, sem produtos químicos tóxicos e fáceis de reparar e reciclar. Coisas simples, como a utilização de uma resina plástica em vez de múltiplas resinas, podem facilitar o reprocessamento de um produto. Precisamos maximizar a reciclagem e a compostagem para recuperar o máximo de material e colocá-lo em uso. E precisamos promover valores que vão além da ideia de consumismo.
O Brasil está na rota dos movimentos transfronteiriços de lixo. Resíduos perigosos chegam em contêineres etiquetados como resíduo para reciclagem. Como você analisa essa questão?
Eu me oponho ao comércio internacional de resíduos quando ele prejudica o meio ambiente das nações que os recebem, ou sua economia, ou ainda os cidadãos. Por exemplo: meu país, os EUA, manda lixo eletrônico com componentes tóxicos para nações mais pobres recuperarem, mesmo sabendo que isso ameaça trabalhadores e comunidades. Eu acho errado exportarmos nossos resíduos perigosos para países que, sabemos, têm capacidade menor de lidar com eles. Além do mais, meu país também é prejudicado quando exporta lixo perigoso, pois essa prática permite que nossas empresas continuem fazendo produtos de reciclagem perigosa.
Você acredita que o fenômeno do downciclyng (reciclagem ‘para baixo’) contribui para desacreditar a reciclagem?
A verdadeira reciclagem se refere ao uso de determinado material para produção da mesma coisa novamente, como transformar uma garrafa de vidro em outra garrafa de vidro. Esse processo reduz os resíduos e a necessidade de novos materiais para produzir um novo item, além de prover empregos e reduzir o uso de energia. O downciclyng é uma variação da reciclagem: trata-se de produzir um item de menor qualidade com o que originalmente foi reciclado, como transformar uma garrafa de plástico na base de um carpete. É menos benéfico do que a reciclagem verdadeira, mas pode ser um passo na direção correta se levar as pessoas a pensar com mais atenção nas diferentes formas de reúso ou reprocessamento de itens.
No seu livro, você diz que deveríamos simplesmente banir materiais como PVC e alumínio. Mas não faz menção a que tipo de materiais poderiam substituí-los.
Há materiais, como o PVC, frequentemente chamado de vinil, que são tão poluentes e desnecessários que deveríamos deixá-los para trás, como sociedade civilizada que somos. Muitas organizações oferecem informações sobre alternativas ao PVC. Por exemplo: a Health Care Without Harm tem várias dicas para a substituição do material na área da saúde. No ramo da construção civil, o Pharos Project e o Conselho Brasileiro de Construção Sustentável também oferecem alternativas mais amigáveis ao meio ambiente.
Você cita no livro que quatro quintos da população americana concorda em controlar emissões de gases-estufa. Mas a discussão é vedada. Por que é tão difícil mudar as coisas nos EUA?
Nossa democracia é muito mal formatada. Grandes corporações têm forte influência sobre nossos políticos. Nossa democracia já estava inclinada em direção às grandes corporações e agora as eleições são leilões. Os maiores licitantes ganham enquanto aqueles que se importam com saúde pública, sustentabilidade e renda mais igualitária têm pouco a dizer. Além de controlar nossa democracia, as grandes corporações também controlam a maioria dos meios de comunicação. O resultado é que mesmo com o consenso científico sobre o aquecimento global, muitos dos nossos novos programas de TV atualmente questionam sua existência. A boa notícia é que o público está farto. Mais de 85% das pessoas hoje dizem que as corporações têm muito poder em nossa democracia e muitas organizações estão trabalhando para limitar o poder delas na política.
O que você diria para países como Brasil?
O Brasil tem uma influência muito forte no mundo de hoje. Está se industrializando rápido, tem gênios prósperos, inovadores e criativos, além de abrigar alguns dos ecossistemas mais diversos e importantes do planeta. O Brasil pode copiar os erros dos EUA, transformando o planeta num lixão e ameaçando o clima e a saúde pública em nome de máximo lucro no menor tempo possível ou pode adotar uma visão de longo prazo, investindo em uma economia saudável que prosperará por várias gerações. Eu espero que o Brasil aprenda com os erros dos outros países e se torne um líder mundial em energia limpa e indústrias ambientalmente corretas.