Doenças crônicas nasceram do descompasso entre vida moderna e nossa evolução.

O bioantropólogo Dan Lieberman, da Universidade Harvard, resolve concluir a entrevista sobre seu novo livro, “The Story of the Human Body” (“A História do Corpo Humano”), com uma espécie de grito de guerra: “A medicina precisa da teoria da evolução!”, brada ele.

 

http://noticias.ambientebrasil.com.br/clipping/2014/01/06/101532-doencas-cronicas-nasceram-do-descompasso-entre-vida-moderna-e-nossa-evolucao.html

 

De fato, o slogan é um excelente resumo da obra, cujo subtítulo, não por acaso, é “Evolução, Saúde e Doença”.

Para o cientista, a principal razão pela qual os Homo sapiens de hoje, em especial os moradores de países ricos, sofrem cada vez mais de doenças relativamente fáceis de prevenir –obesidade, problemas cardiovasculares, diabetes e certos tipos de câncer, entre outras mazelas– é o fato de muitos médicos ignorarem a evolução humana.

Um exemplo simples: muita gente sabe que nossos ancestrais pré-históricos, assim como nossos “primos” de hoje, os chimpanzés, tinham uma dieta obtida a partir da caça e da coleta, com grande quantidade de frutas.

A questão, porém, é que a mais açucarada dessas frutas silvestres era tão doce quanto uma cenoura, o que mostra como é absurda a quantidade de açúcar disponível na mesa dos humanos de hoje.

Sem essa perspectiva, argumenta Lieberman, a medicina preventiva vira algo impossível. “Como você pode tratar uma doença de fato sem entender suas causas? Afinal, tratar os sintomas de uma doença deveria ser apenas a segunda opção, caso você não consiga tratar as causas”, diz ele.

Detalhes como esse povoam as páginas do livro, que começa com cara de curso básico sobre a evolução da nossa espécie (dos pré-australopitecos, há 6 milhões de anos, à invenção da , meros dez milênios atrás), mas logo engrena para mostrar os elos entre as raízes da nossa anatomia e fisiologia e os problemas de saúde do mundo moderno.

O bioantropólogo de Harvard mostra, por exemplo, que os níveis atuais de atividade física no mundo desenvolvido são uma completa aberração perto do padrão dos caçadores-coletores (que percorrem uma média de dez quilômetros por dia, quase sempre carregando comida, ferramentas e crianças).

Não por acaso, uma de suas ideias mais ousadas é a de que a anatomia humana foi forjada para correr por longas distâncias em velocidade moderada.

Uma das “armas secretas” dessa vocação humana para a vida de fundista seriam os músculos das nádegas, os mais volumosos do corpo, cuja especialidade é estabilizar a passada e impedir que o tronco penda para a frente durante a corrida. (Caso você esteja se perguntando, chimpanzés têm um bumbum que, perto do nosso, é diminuto).

Lieberman diz que há evidências de que muitos dos problemas ortopédicos crônicos do homem moderno têm a ver não só com o sedentarismo como também com o excesso de conforto –calçados confortáveis demais ou colchões macios agravariam o problema, já que a musculatura não se desenvolve como deveria para aguentar impactos de longo prazo.

Uma das soluções propostas por ele: acostumar-se a correr descalço.

Sorriso esburacado – Um fenômeno parecido – a abundância de comida molenga, excessivamente processada, pobre em fibras e rica em açúcar– estaria por trás da atual epidemia de aparelhos ortodônticos e cáries (caçadores-coletores, mesmo os mais idosos, raramente têm dentes cariados).

Levando em conta a propensão humana quase universal para devorar o máximo de comida calórica possível, Lieberman diz que é preciso admitir que apenas campanhas educacionais não vão resolver a atual epidemia de obesidade e doenças relacionados – o desejo natural de se empanturrar é simplesmente forte demais, afirma o bioantropólogo.

“O fato é que a maioria de nós precisa de ajuda para agir a favor de seus próprios interesses, e precisamos de ajuda para evitar que outros nos seduzam ou enganem”, diz.

“Então é claro que precisamos de regulamentação governamental nessa área. Acho que o tabaco é um bom modelo. Antes que o governo dos EUA agisse nessa área, 50% dos americanos fumavam. Com regulação, esse número caiu para 20%.”

(Fonte: Folha.com)