Por Leticia Constant
Publicado em 27-06-2017
Na França, um grande número de casos de puberdade precoce e anomalias genitais vêm sendo relacionados com os desreguladores endócrinos, presentes em centenas de produtos que utilizamos no cotidiano que contêm substâncias que afetam o funcionamento hormonal.
Quantos produtos por dia você e sua família usam, da hora em que acordam até dormir? Da pasta de dente, gel para banhos, xampús, creminhos para assaduras para bebês, hidratantes, maquilagem, filtro solar… isto falando somente em produtos de higiene pessoal. A eles, podemos acrescentar os artigos de limpeza da casa, pesticidas, etc. Sem imaginar, estamos em contato permanente com dezenas de produtos que podem conter os chamados “desreguladores endócrinos” ou seja, substâncias químicas estranhas ao organismo que interferem no bom funcionamento hormonal e, o que é gravíssimo, podem ser hereditárias.
Presentes no ar, na água e nos alimentos, esses desreguladores fazem parte das fórmulas para conservar os produtos que contêm água e, portanto, impedir que bactérias. Em contato com a pele, passam rapidamente para o sangue e são suspei-tos de impactar no aumento dos casos de puberdade precoce, principalmente em meninas, e anomalias genitais masculinas como degradação da qualidade do espermatozoide, câncer do testículo e posição anormal do testículo. Quanto às garotas, na faixa de oito anos apenas, podem registrar crescimento dos seios e de pelos pubianos.
O problema vem sendo denunciado na França e fez até parte da campanha presidencial do candidato socialista Benoît Hamon que prometeu proibí-los, se fosse eleito.
Produtos proibidos continuam à venda nas prateleiras
A União Francesa dos Consumidores – Que Choisir (O Que Escolher, em tradução livre), acaba de publicar em seu site um estudo aprofundado em que alerta contra nada mais, nada menos, do que 1.000 produtos comercializados atualmente, dos quais 23 são proibidos por lei.
A química Gaelle Landry trabalha no departamento de efeitos comparados da União Francesa dos Consumidores. Ela explica quais substâncias proibidas continuam sendo usadas em produtos à venda. “É principalmente a MIT, abreviatura de metilisotiazolinona, proibida desde 12 de fevereiro de 2017, nos produtos que não enxaguamos, produtos que ficam na pele. Tem também o isobutilparabeno, proibido há bastante tempo. Devem ser antigos produtos que não foram retirados das prateleiras”.
A maior preocupação dos especialistas é o chamado “coquetel explosivo”. “Usamos o termo “coquetel explosivo” para certos produtos que contêm várias moléculas problemáticas. Em seguida, se pensarmos no acúmulo de produtos que usamos, podemos pensar na mesma substância presente em diversos produtos. E, finalmente, podemos ter várias substâncias em vários produtos cosméticos. De fato, estaremos expostos a muitas substâncias”.
A Agência Europeia de Produtos Químicos reconheceu em junho de 2017 que o Bisfenol A/BPA, que integra a lista de substância preocupantes, é um perturbador endócrino. Usado na indústria do plástico, pode ter efeitos devastadores sobre o sistema reprodutivo. Mas a Comissão Europeia ainda está longe de ter uma legislação severa a respeito, como constata a química Gaelle Landry: “Já faz tempo que a Comissão Europeia adotou uma estratégia sobre os desreguladores endócrinos, foi em 1999. Mas, desde então, não se chegou a nenhum consenso sobre os critérios, não se chegou a nenhuma definição oficial para os perturbadores endócrinos. Há propostas, mas não há definições, não sabemos em que nos apoiar”.
Crianças, fetos e adolescentes são afetados
A endocrinologista Tânia Bachega, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, fala sobre os efeitos nocivos dos desreguladores endócrinos para o metabolismo.
“Um desregulador endócrino pode ter vários tipos de ações. Pela definição, ele interfere no funcionamento normal dos nossos hormônios. Então, dependendo do composto químico, ele pode ter uma atividade hormonal diferente de outro composto. Muitos deles têm uma atividade de estrógeno, de hormônio feminino porque a molécula deles é muito parecida à do hormônio feminino, então, acaba tendo o mesmo tipo de ação. As crianças pequenas, os fetos e os adolescentes estão em uma fase de desenvolvimento de grande multiplicação celular, então, são mais sensíveis aos efeitos dos desreguladores endócrinos. Até mesmo agrotóxicos, muitos deles podem ter efeitos de desreguladores endócrinos, e muitos deles podem ter efeitos de hormônio feminino também. Há estudos mostrando que meninas que têm no sangue dosado uma maior quantidade de agrotóxico, têm o aparecimento precoce de mama, então, isso mostra uma influência do meio ambiente causando até puberdade precoce em meninas”, explica a doutora, ressaltando que adolescentes gostam muito de cosméticos, que contêm parabeno, que é um desregulador endócrino. “Então, olhem a composição no rótulo dos cosméticos. Para as grávidas, sempre atenção.”
Dicas preciosas
“É difícil não termos contato com os desreguladores endócrinos, mas não é porque temos contato que vamos ter a doença”, esclarece doutora Tânia Bachega, que dá conselhos importantes. “Não é para se alarmar, o mais importante é ter hábitos saudáveis, procurar comer alimentos frescos, evitar os enlatados, evitar comprar um alimento que esteja em uma lata amassada (o verniz interno fraturado contamina mais o alimento, libera mais desreguladores), e evitar, sempre que possível, os alimentos com agrotóxicos. Outra coisa importante é não fazer atividades físicas em áreas poluídas, pois os compostos do diesel dos ônibus também liberam os desreguladores e estão muito relacionados à infertilidade masculina. O papel térmico do cartão de crédito, do cartão de débito, também tem muito bisfenol, e é absorvido pela pele, então, se não for necessário, não precisamos exigir uma cópia do papelzinho”, alerta a médica, ressaltando que adolescentes gostam muito de cosméticos, e cosméticos contêm parabeno, que é um desregulador endócrino. “Então, olhem a composição no rótulo dos cosméticos”, aconselha.
Para o consumo de grávidas e bebês até dois anos, doutora Tânia alerta para não embalarem alimentos em potes que contenham policarbonato. ” E principalmente não aquecer esses potes nos micro-ondas, pois o aquecimento libera mais esses compostos nocivos do plástico para o alimento”, conclui a especialista.