Desmatamento irregular na nascente do rio Paraguai ameaça o Pantanal.

Apontada por ambientalistas como a “caixa d’água” do Pantanal, a região das nascentes do Rio Paraguai, em Mato Grosso, sofre há 40 anos um processo de degradação que pode ser alvo de investigação. Há dez dias, o Instituto Homem Pantaneiro (IHP) denunciou ao Ministério Público Federal (MPF) a ameaça ao bioma que se mantém como o mais preservado do País, com quase 85% de sua área.

 

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A reportagem é de Bruno Deiro e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 02-09-2012.

Em um estudo de campo, o IHP comprovou o desmatamento ilegal nas áreas próximas à cabeceira em três sobrevoos – o último deles realizado em meados de agosto. Os efeitos da extração mineral e o uso intensivo do solo para agropecuária, mesmo em locais de Área de Proteção Ambiental (APA), põem em risco a Bacia do Rio Paraguai, fundamental para a hidrologia do Pantanal.

A denúncia foi recebida pelo MPF de Corumbá (MS), que analisa quais medidas serão tomadas. Segundo o procurador Mario Roberto Santos, as providências terão obrigatoriamente de envolver o MP do Mato Grosso do Sul, Estado que abriga as nascentes da bacia hidrográfica.

Para Angelo Rabelo, do conselho do IHP, uma ação emergencial seria obter liminar para suspender todos os processos de desmatamento nos 50 mil hectares que protegem as cabeceiras dos Rios Paraguai, Cuiabá e Sepotuba. “Essas nascentes têm impacto na renovação da vida vegetal e de animais silvestres do Pantanal, pois o equilíbrio do bioma está ligado a esse processo de cheias e secas”, diz Rabelo. “Nos 4 mil hectares da nascente do Rio Paraguai, por exemplo, 90% da vegetação natural foi suprimida para o plantio de soja.”

Entre os motivos para a degradação está a força do agronegócio no Estado e a falta de fiscalização. “Fizemos uma proposta de monitoramento, pois hoje ninguém tem informações básicas de qualidade da água e vazão da área”, afirma Viviane Fonseca Moreira, bióloga do IDH. Ela afirma que os únicos indícios são os obtidos pelas imagens aéreas.

Segundo a bióloga, os projetos de conservação que a entidade mantém para o Rio Paraguai em Mato Grosso do Sul podem ser prejudicados pelo assoreamento das cabeceiras. “Tudo o que acontece lá influencia a gente. Fizemos um esforço de conservação de 272 mil hectares, mas não sabemos se isso foi feito em vão”, afirma.

A cabeceira do Rio Paraguai, que banha quatro países, localiza-se ainda na região do Cerrado. Nos sobrevoos, foi verificada uma fazenda de suinocultura às margens de uma das cabeceiras, além de resquícios do mau uso do solo em áreas que antigamente eram exploradas pelos garimpos de ouro e diamante.

“A única parte parcialmente conservada é onde há uma reserva indígena, da tribo umutina (localizada a 150 quilômetros de Cuiabá)”, afirma Viviane, uma das 600 especialistas em meio ambiente que assinaram um manifesto de apoio ao estudo.

Alerta

Segundo Glauco Kimura, coordenador do Programa Água para a Vida da ONG WWF, os donos de terras às margens de nascentes da região não respeitavam a regra do Código Florestal de preservar no mínimo 30 metros de mata ciliar. Com a alteração proposta pelos ruralistas, que permitem uma recomposição de até 5 metros, a tendência é de que o problema se agrave se não houver fiscalização. “Há muito desmatamento ilegal e um déficit de áreas protegidas. A única forma de proteção é o uso de solo bem conduzido”, diz o especialista.

No início do ano, a WWF já havia lançado o alerta ao divulgar a Análise de Risco Ecológico da Bacia do Rio Paraguai, em parceria com a The Nature Conservancy e o Centro de Pesquisas do Pantanal. “É papel dos órgãos ambientais e do Ministério Público tomar atitudes. O MP de Mato Grosso, por exemplo, já avançou ao baixar liminar que proíbe a instalação de pequenas centrais hidrelétricas sem planejamento”, diz Kimura.

Procurada, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso não respondeu ao pedido de entrevista.

Degradação do Taquari serve de alerta

No extremo sul de Mato Grosso, o exemplo do Rio Taquari é uma evidência dos efeitos da degradação de nascentes. As grandes erosões e a perda da hidrologia na região deram origem ao termo “taquarização” para descrever o processo que ameaça o Pantanal como um todo.

Depois de anos de mau uso do solo no Alto Taquari, uma área de 700 quilômetros de rio acabou praticamente soterrada por enormes bancos de areia. “O Rio Taquari é, sem dúvida, um exemplo do que pode ocorrer com o Pantanal. Com o lençol freático comprometido, os sedimentos foram sendo levados pelo rio, que foi morrendo aos poucos”, diz Glauco Kimura, da WWF.

O uso intensivo do solo para a pecuária teve alto impacto por causa da baixa tecnologia utilizada pelos produtores de gado locais, que não têm acesso a técnicas modernas de manejo. Utilizando modos rudimentares, enfraqueceram ainda mais o solo já deficiente da região. Com isso, provocaram grandes cicatrizes chamadas voçorocas – termo científico para as erosões que atingem o lençol freático.

O assoreamento se estendeu aos outros pontos e prejudicou a fauna e a flora de todo o Rio Taquari – plantações ribeirinhas foram afogadas e algumas espécies de peixes, impedidas de se reproduzir. Segundo pesquisas, em uma década, o Rio Taquari diminuiu de 485 toneladas para 62 toneladas o volume de pescado. A estimativa é de que o total de áreas inundada chegue a 11 mil quilômetros quadrados (mais de 1 milhão de hectares).

“A degradação do Alto Taquari se intensificou desde o começo da década passada, mas o rio levou 30 anos para morrer. Outros rios podem demorar mais por ter uma melhor qualidade de solo, mas essa situação pode se repetir”, afirma Kimura. “O Pantanal é como um prato, pois é uma região plana e baixa. Mas o que ocorre na borda reflete no centro. Por isso, no fundo do prato pode estar tudo bonito, mas, quando se vê as nascentes, a situação é alarmante.”