“O primeiro obstáculo é o próprio consumidor”, comentou um dos painelistas dos Diálogos do Desenvolvimento Sustentável, na fase inicial da Rio+20, sobre uma das respostas acordadas para lidar com o esgotamento dos recursos naturais do planeta, o consumo sustentável.
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A reportagem é de Marta Salomon e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 24-06-2012.
Na declaração final da conferência, os chefes de Estado e de governo se comprometeram a adotar planos locais para estímulos a padrões sustentáveis de produção e consumo. É algo ainda impreciso, que vai depender de uma mudança de comportamento, tem a ver com o dia a dia das pessoas e pouca gente sabe do que se trata. Uma pesquisa contratada pelo Ministério do Meio Ambiente às vésperas da Rio+20 mostrou que 53% da população brasileira nunca ouviu falar de desenvolvimento sustentável.
Hélio Mattar, presidente da ONG Akatu, que trata do consumo sustentável, e painelista de domingo passado no Riocentro, explica por que considera o consumidor o principal obstáculo na tarefa de reduzir o desperdício e mudar os padrões de consumo do planeta. “O consumidor precisa entender o que está acontecendo e precisa mudar o estilo de vida”, afirma Mattar.
“Não dá para demonizar o consumo, temos é que glamourizar o consumo consciente”, ponderou Samyra Crespo, secretária do Ministério do Meio Ambiente, responsável por levar adiante o Plano de Ação lançado pelo governo em 2011. Parte da implementação do plano, decreto presidencial do início do mês, tenta enquadrar um dos maiores consumidores do País no princípio da sustentabilidade: o próprio governo. As compras governamentais movimentam 17% do PIB, segundo dados oficiais.
“Vamos fazer uma coisa gradativa, é obvio que ainda é muito pouco”, afirma Samyra Crespo, sobre o prazo de 180 dias fixado para os ministérios passarem a dar preferência a comprar móveis feitos com madeira certificada, eletroeletrônicos que consomem menos energia e produtos de limpeza sem fosfato, além de reduzir as compras de papel.
A pasta contabilizou como retrocesso a decisão do Ministério Público de São Paulo de mandar os supermercados voltarem a distribuir sacolas plásticas. A decisão foi resposta a um pedido do Instituto Sócio-Ambiental dos Plásticos (Plastivida). “O caso das sacolas é um ícone, as pessoas precisam sair da zona de conforto”, afirma Samyra.
Conflito
O caso das sacolas plásticas é emblemático por vários motivos. Entre eles, porque deixou claro o conflito de interesse que envolve a mudança de padrões de consumo. Presidente da Plastivida, Miguel Bahiense contabiliza faturamento de R$ 500 milhões por ano da indústria das sacolinhas. “Se o consumidor está sendo onerado, tem direito à sacola”, alega Bahiense, que comemorou a decisão em São Paulo, que concentra mais de 40% do mercado nacional.
“Lamento que o governo prefira tratar do consumo sustentável com o banimento de produtos. Por acaso vamos banir os carros do mercado porque eles são fontes de poluição?”, provoca.
O caso ilustra bem o que o painelista da Rio+20 Hélio Mattar apontou como o maior obstáculo ao consumo sustentável (depois do primeiro obstáculo, o consumidor): os segmentos da indústria prejudicados no processo. “Fabricantes de carros e de motos, transportes de uso individual, também terão ocasião de reclamar”, prevê.
Na Rio+20, a principal recomendação dos Diálogos para o Desenvolvimento Sustenteável foi em relação às compras governamentais. Na declaração final, chefes de Estado e de governo reconhecem como “fundamental” para o desenvolvimento sustentável a mudança nos padrões de produção e consumo. O tema ganhou 3 parágrafos nos quase 300 que compõem o documento final da conferência. Num deles, os países endossam o compromisso com iniciativas regionais para mudar padrões de consumo e produção, em debate há dez anos.
“Talvez seja esse o principal resultado da Rio+20, o fato de ter sido adotado esse programa de dez anos para mudança nos padrões de consumo”, disse a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Mattar tem outra avaliação: “Foi pífio. Não esperava que pudesse ser diferente, a insustentabilidade ainda fala mais alto”.