Compartilhe a riqueza. Relatório mostra como a desigualdade prejudica a economia.

O relatório “Inclusive Prosperity” [Prosperidade Inclusiva], publicado recentemente por um grupo de trabalho do Center for American Progress, mostra que a má distribuição de renda se correlaciona com um menor crescimento – os gastos de luxo dos super-ricos não conseguem compensar o encolhimento do poder de compra da classe média – e uma maior tendência à volatilidade econômica. Pior ainda, a distribuição de renda altamente desigual reduz a mobilidade social. Os filhos dos 10% mais ricos dos Estados Unidos têm vantagens que já não podem ser tiradas.

 

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A opinião é de Charles R. Morris, publicada na revista Commonweal, 09-03-2015. A tradução é de Claudia Sbardelotto.

Eis o texto.

É bom ver o ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos [no governo Clinton], Larry Summers, de volta ao meio democrático. Depois de sua gafe sobre as mulheres cientistas – falando da presidente da Harvard – ele tem feito toneladas de dinheiro dando palestras e trabalhando com fundos especulativos. Sua última realização no campo das políticas públicas foi ajudar a bloquear a regulamentação de derivativos financeiros em 1994, tornando-se assim uma causa próxima do colapso bancário de 2008. Mas é preciso uma pessoa muito inteligente para causar a perda de dezenas de trilhões de dólares.

Summers, juntamente com Ed Ball, primeiro-ministro sombra do Partido Trabalhista britânico, foi co-presidente de um grupo de trabalho sobre “Prosperidade Inclusiva“, que publicou recentemente um relatório que se baseia em uma imensa pesquisa mostrando que a má distribuição de renda se correlaciona com um menor crescimento – os gastos de luxo dos super-ricos não conseguem compensar o encolhimento do poder de compra da classe média – e uma maior tendência à volatilidade econômica. Pior ainda, a distribuição de renda altamente desigual reduz a mobilidade social. Os filhos dos 10% mais ricos dos Estados Unidos têm vantagens que já não podem ser tiradas.

Os Estados Unidos, na verdade, tem um dos sistemas mais progressistas de tributação, mas outros países alocam as suas receitas fiscais expressamente para forçar resultados mais igualitários – educação primária de alta qualidade, suporte familiar forte como licença-maternidade, pronto acesso à educação superior e assistência médica de qualidade. Nos Estados Unidos, os gastos que saem do boldo do cidadão com saúde e ensino superior estão a subir. O Obamacare tem ajudado, mas seus benefícios financeiros são mais para os pobres do que para a classe média.

Uma das recomendações marcantes do grupo de trabalho é adicionar um alívio fiscal a curto prazo sobre uma faixa de renda para a classe média, tendo como base o crédito de imposto de renda para os trabalhadores pobres. Considerando que as faixas de benefícios do crédito terminam um pouco acima dos 23.000 dólares de renda familiar, o grupo de trabalho sugere que o alívio fiscal comece nesse valor e diminua proporcionalmente até alcançar o limite de 85.000 de renda. O plano está sendo apresentado como um programa de recuperação, com uma data de expiração de três anos. Mas é uma ótima ideia, e pode ser aceita por parte dos empregadores. Se ela for promulgada, seria muito difícil de descontinuá-la.

O custo de complementação de renda seria facilitado com forte ação sobre o salário mínimo. Os trabalhadores do McDonalds na Dinamarca já recebem um pagamento de classe média – em média, mais de 20 dólares por hora, além de licença médica e benefícios. O custo de um Big Mac na Dinamarca é apenas 35 centavos a mais do que nos Estados Unidos, e o McDonalds não mostrou nenhum sinal de deixar a Dinamarca, apesar de seus lucros locais serem, provavelmente, mais baixos do que nos EUA.

Um problema novo e muito importante, que o grupo de trabalho lamenta de forma correta, é o aumento súbito de uma nova economia dos trabalhos informais [gig economy]. Há um novo tipo de empresas de tecnologia, como Uber eAirbnb, que já criaram dezenas de bilionários de papel pela construção de empresas globais de serviços pessoais, com milhões de empregados contratados e fornecedores.

A Uber oferece um serviço de táxi, em um grande número de cidades em todo o mundo. Aparentemente, a única relação jurídica entre a Uber e um motorista é uma licença para fazer uso do seu software e do seu serviço de contabilidade. A Uber compartilha os pedidos de uma corrida, e os motoristas competem pela oportunidade. Os passageiros pagam diretamente à Uber, que tira a sua comissão antes de pagar o motorista.

A Uber espera arrecadar 10 bilhões de dólares em receitas este ano, enquanto contratualmente nega quaisquer obrigações para com os seus trabalhadores ou clientes – o ponto final de uma longa tendência para a mercantilização total dos trabalhadores. (A legalidade da Uber está sendo testada em vários tribunais.)

Para mim, a grande decepção com o relatório é o seu tratamento do comércio – oferecendo um endosso do livre comércio, embora lamentando a “manipulação da moeda”, sobretudo pelos chineses. A manipulação da moeda é o menor dos crimes da China, pois viola grosseiramente todos os princípios do livre comércio. Ela está envolvida na maior campanha de espionagem industrial na história. Ela despeja produtos manufaturados a custos muito abaixo do custo de produção.

A Nucor, provavelmente a siderúrgica mais eficiente do mundo, diz que a China agora está vendendo aço a um custo menor do que o seu transporte. Os chineses eliminam uma infinidade de barreiras comerciais não-tarifárias – licenças especiais, pedidos para que seja fornecido o código-fonte dos softwares “para garantir a segurança …”, e exige que sejam dadas as licenças das tecnologias críticas aos parceiros chineses.

Desgraçadamente, as grandes empresas norte-americanas, como a Boeing, GE, e Caterpillar, cobiçando mercados chineses, muitas vezes cumprem suas exigências. Se a história serve de guia, elas logo vão acabar perdendo negócios para as empresas chinesas que implantam a sua tecnologia. As organizações internacionais de comércio raramente são úteis, e já passou muito tempo para a imposição de tarifas com penalidade severa aos produtos chineses para que eles sigam as regras.

Dito isso, em geral, o relatório é um programa de plataforma convincente, baseado em pesquisa e prática para uma campanha presidencial democrata. O slogan “Prosperidade Inclusiva” pode fazer uma grande bandeira de campanha. Os leitores podem fazer o download do relatório completo aqui. As referências de pesquisa já valem pelo acesso.