Como um ativista da Amazônia se tornou vencedor do prêmio ‘Nobel Verde’

Alessandra Korap Munduruku, vencedora do Prêmio Ambiental Goldman deste ano, posa na Amazônia brasileira. Ela foi reconhecida por seus esforços para proteger o território Munduruku da invasão de uma mineradora (Imagem: Prêmio Ambiental Goldman)

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Flávia Milhorance

28 de abril de 2023

Indígena Alessandra Munduruku ganha Prêmio Goldman 2023 por sua resistência à mineração no Brasil.

Alessandra Korap Munduruku, uma indígena de 38 anos da Amazônia brasileira, foi indicada uma das seis ativistas de base a receber o Prêmio Ambiental Goldman deste ano.

Concedido anualmente desde 1990 a um líder ambiental da África, Ásia, Europa, América do Norte, América do Sul e Central e nações insulares do mundo, o Prêmio Goldman reconhece esforços excepcionais para proteger o planeta e é frequentemente apelidado de “Nobel Verde .”

Alessandra é uma líder e voz dos Munduruku, um grupo indígena amazônico de cerca de 14.000 pessoas que enfrenta ameaças contínuas da expansão da mineração e do agronegócio, bem como impactos de hidrelétricas no rio Tapajós, no estado do Pará. Ela já trabalhou como professora e, na última década, ganhou atenção internacional e elogios por seu ativismo ambiental.

Atualmente, ela dirige a Associação Indígena Pariri, organização que atua no apoio às comunidades Munduruku – função que exerceu diante de repetidas ameaças de morte, e que concilia com a graduação em direito. “Quero ser advogada e continuar defendendo os direitos do meu povo”, disse Alessandra ao Diálogo Chino. “Esse é meu sonho.”

Diálogo Chino conversou com Alessandra após seu prêmio Goldman Prize, ouvindo mais sobre sua resistência à mineração e sua jornada para a proeminência, as outras causas que ela defendeu e os novos desafios que ela vê pela frente.

Campanha contra a mineração

O Prêmio Goldman foi um reconhecimento aos esforços de Alessandra para impedir os desenvolvimentos em terras indígenas pela mineradora britânica Anglo American.

Em 2020, ela soube que a Anglo American – uma das maiores mineradoras do mundo, atuante no Brasil desde a década de 1970 – tinha 13 autorizações para pesquisar reservas de cobre na Terra Indígena Sawré Muybu. Esta área de 180.000 hectares de floresta tropical foi o lar dos Munduruku por cerca de 4.000 anos, embora o território carecesse de qualquer demarcação formal.

Alessandra começou a fazer campanha contra os possíveis projetos de mineração e mobilizou líderes comunitários, organizações ambientais e até legisladores. “Vocês querem aprovar projetos que vão nos massacrar, mas nós não vamos permitir!” ela disse em um discurso apaixonado no congresso brasileiro em 2020.

Em 2021, após pressão constante de Alessandra e do movimento que ela liderou, a empresa retirou suas candidaturas de Sawré Muybu e outras terras indígenas.

Alessandra Korap Munduruku recebe o Prêmio Goldman em cerimônia de premiação em San Francisco, EUA, no dia 24 de abril (Imagem: Goldman Environmental Prize)

Poucas horas antes da cerimônia do Goldman em São Francisco, no dia 24 de abril, Alessandra recebeu a notícia de que o governo brasileiro deu andamento ao processo de reconhecimento legal do território Sawré Muybu, algo que estava parado desde 2016. “Fiquei muito feliz porque cada passo é uma vitória para nós”, disse ela, lembrando que o processo ainda não está concluído. “Esperamos mais e vamos continuar lutando pela demarcação do território.”

Barragens e contaminação por mercúrio

Bloquear com sucesso projetos de mineração não é a única conquista de Alessandra como ativista ambiental. Na década de 2010, o líder fez campanha contra os planos do governo brasileiro de construir uma série de hidrelétricas na bacia do rio Tapajós, um importante afluente do Amazonas. Sua resistência veio depois que outro megaprojeto na região, a hidrelétrica de Belo Monte que trouxe impactos negativos para a bacia do rio Xingu e comunidades ribeirinhas.

Em 2016, o IBAMA, agência ambiental do Brasil, suspendeu a aprovação de uma dessas barragens, a São Luís do Tapajós, em parte devido a problemas encontrados no licenciamento ambiental do projeto e em parte em resposta à intensa campanha dos Munduruku. “Essa foi a nossa primeira vitória e aconteceu porque fomos muito persistentes”, disse Alessandra.

Ao mesmo tempo, a mineração ilegal e seus resíduos também se tornavam uma ameaça crescente às terras Munduruku e ao rio Tapajós. Os indígenas relataram efeitos da contaminação, tanto na saúde quanto na redução das populações de peixes, mas havia poucas evidências científicas disso.

Alessandra pediu ajuda à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), importante instituto de pesquisa em saúde. “Muitas pessoas não acreditavam que a população estava doente devido à contaminação por mercúrio”, disse ela. “Os brancos tendem a acreditar no papel, então queríamos mostrar o papel.  Queríamos provar isso.”

Desde 2020, uma série de estudos da Fiocruz foram divulgados descrevendo os efeitos da exposição ao mercúrio por meio do consumo de peixes em comunidades tradicionais, primeiro com base no caso dos Munduruku, mas depois estendidos para outros grupos.

Ferrovias, o novo desafio

Alessandra tem pouco tempo livre em meio à campanha. Ela conversou com o Diálogo Chino no dia seguinte à cerimônia de premiação de um aeroporto de São Francisco, enquanto esperava um voo para Washington, onde aconteceriam reuniões com os principais líderes internacionais e partes interessadas.  “As pessoas brincam que ninguém pode me parar, ninguém pode me enganar”, disse ela. “E minha mãe diz que nunca sabe onde estou.”

Além de voltar aos estudos, outro desafio aguarda Alessandra quando ela voltar ao Brasil na próxima semana. Ela está preocupada com os possíveis impactos de uma série de projetos de infraestrutura planejados – o principal deles é a Ferrogrão, uma ferrovia de 900 quilômetros que atravessará a Amazônia rumo a portos do norte, transportando principalmente milho e soja para exportação.

Os planos originais de Ferrogrão foram elaborados há mais de uma década e, apesar de várias controvérsias e ações judiciais em torno dele, o projeto ainda está vivo no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Sabemos que nosso território será afetado”, disse Alessandra. “Então precisamos ser ouvidos. Antes de decisões que vão impactar nosso território, o governo tem que conversar conosco.”

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, maio de 2023.