Código Florestal: uma mensagem negativa. Quatro visões sobre o mesmo drama.

“A grande vantagem, em relação ao que foi discutido a partir do relatório de Aldo Rebelo e do debate no Senado, é que os senadores, de fato, ouviram os cientistas de uma forma mais ampla. Eles tiveram acesso às informações e embasamento científico para elaborar um coerente. Entretanto, muitos dos pontos apresentados pelos cientistas foram ignorados”.

 

 

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As alterações no texto do novo Código Florestal, aprovado na Comissão de Meio Ambiente – CMA do Senado, “foram muito mais políticas do que pautadas na ciência”, pondera o pesquisador da USP, Jean Paul Metzger. “A grande vantagem, em relação ao que foi discutido a partir do relatório de Aldo Rebelo e do debate no Senado, é que os senadores, de fato, ouviram os cientistas de uma forma mais ampla. Eles tiveram acesso às informações e embasamento científico para elaborar um Código Florestal coerente. Entretanto, muitos dos pontos apresentados pelos cientistas foram ignorados”, disse em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone.

Ao comparar o texto proposto pelo deputado Aldo Rebelo e as modificações feitas por Jorge Viana, Metzger destaca pontos positivos como a criação do Cadastro Rural Ambiental – CRA. A partir desse cadastro, explica, será possível “saber se os proprietários de terra estão ou não agindo de acordo com a lei, se estão, de fato, executando um termo de ajuste de conduta”. Conforme propõe o texto votado na Comissão de Meio Ambiente do Senado, os produtores rurais somente terão acesso a crédito agrícola se estiverem de acordo com a legislação. “Isso é positivo porque consequentemente o produtor terá que restaurar as áreas degradas”, enfatiza. Para Metzger, as alterações feitas no texto do Código Florestal incentivam “à restauração e à manutenção das florestas e outras áreas naturais”.

Na quarta-feira, 23-11-2011, enquanto conversava com a equipe da IHU On-Line, Metzger vislumbrava um possível acordo em relação ao novo texto do Código Florestal, aprovado no dia seguinte. Os entraves e possíveis mudanças poderão acontecer mais tarde, ressalta, quando o texto retornar à Câmara dos Deputados. “O texto já está muito diferente daquele que os deputados aprovaram. Então, há um grande risco de muitos trechos serem alterados. (…) Muitas das propostas sugeridas por Jorge Viana irão desagradar os deputados. Por isso é provável que o texto não seja aprovado neste ano”.

Jean Paul Metzger é graduado em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo – USP, mestre em Ecologia e doutor em Ecologia de Paisagens pela Universidade Paul Sabatier de Toulouse, França.  Atualmente é professor titular do Departamento de Ecologia da USP, membro do corpo editorial da Landscape Ecology e da Natureza e Conservação. É vice-presidente da International Association for Landscape Ecology – IALE.

Confira a entrevista. 

IHU On-Line – O senhor elaborou uma pesquisa para saber qual é a base cientifica do Código Florestal vigente. Pode nos falar sobre esse estudo? Quais são, em sua avaliação, os avanços científicos dos últimos 45 anos que permitem alterar o novo Código Florestal?

Jean Paul Metzger – Um dos grandes argumentos para a mudança do Código Florestal é o fato de que muitos dos critérios definidos pelo Código, como a extensão da Reserva Legal ou a largura de áreas que têm de ser protegidas ao longo do rio, não teriam base científica.

Em minha pesquisa, tentei entender qual era a base científica da época e como ela permitiu a sustentação dos critérios (científicos) definidos no Código Florestal vigente. Também tentei observar como, a partir da evolução da ciência, de 1965 até hoje, alguns critérios deveriam ser revistos. Cheguei a várias conclusões, mas uma delas diz respeito à biodiversidade. Hoje existe o suporte científico que não existia naquela época. Portanto, é necessária a extensão das Áreas de Preservação Permanente – APPs e das áreas ripárias, para que elas sejam, de fato, efetivas para a manutenção da diversidade biológica. Ou seja, precisaríamos de APPs de pelo menos 100 ou 200 metros de largura. É fundamental expandir e não reduzir a contenção ao longo dos rios.

De acordo com a revisão que fiz em relação à Reserva Legal – RL, o Código vigente tem uma base científica interessante. No caso da Amazônia Legal, a Reserva Legal é de 80%. Portanto, se reduzirem esse percentual para 60%, ou abaixo de 60%, muitas espécies serão perdidas porque a continuidade da floresta será rompida, pois as espécies que não usam áreas externas não poderão circular livremente pela paisagem.

Também temos um bom suporte científico para afirmar que a junção de APPs com Reserva Legal é prejudicial porque irão juntar áreas que têm funções e composições muito distintas. Se isso for feito, haverá uma redução muito grande na cobertura total protegida.

IHU On-Line – Então é necessário separar RL de APPs?

Jean Paul Metzger – Há necessidade de separá-las porque as APPs se encontram ao longo do rio, em encostas muito íngremes, topo de morro. Ao longo dos rios têm cheias sazonais; nas encostas íngremes há um risco de erosão maior; no topo dos morros existem outros tipos de solo. Então, quando se compara essas áreas com as áreas interfluviais, onde estariam as Reservas Legais, percebe-se que as condições ambientais são muito distintas; logo, a composição de espécies também é distinta. As APPs e a Reserva Legal têm conjuntos de espécies distintos e complementares, e, portanto, funções complementares. As APPs servem para proteger áreas mais sensíveis e a Reserva Legal é uma reserva de floresta, e atualmente é entendida como uma reserva de espécies para a proteção da diversidade biológica dos ambientes florestais. Por isso precisamos manter as duas áreas para ter uma paisagem saudável.

Ao juntar a Reserva Legal e as APPs, haverá uma redução de 10 a 15% na Reserva Legal. Considerando, de acordo com o novo texto do Código Florestal, que os pequenos proprietários não precisam ter Reserva Legal, e adicionando a isso o fato de que a Reserva Legal pode ser recuperada com 50% de espécies exóticas, ou 50% da área com espécies exóticas, isso praticamente extingue as Reservas Legais do território brasileiro, reduz e fragmenta enormemente essas áreas. Esse novo Código Florestal praticamente extingue as Reservas Legais.

IHU On-Line – Como as APPs e as Reservas Legais devem ser distribuídas? Por propriedade, bioma?

Jean Paul Metzger – De acordo com a lei atual, há uma extensão de Reserva Legal distinta em função dos biomas. Na Amazônia, na área florestal, deve haver 80% de RL; na área do cerrado e de campos, 35%; e fora da Amazônia Legal, 20%.

O bioma Mata Atlântica precisa ter 20% de Reserva Legal. No Código vigente, além dos 20% de Reserva Legal no bioma, é preciso ter APPs. A proposta do novo texto é juntar essas duas áreas, ou seja, quando um bioma tiver 20% de APPs, não é necessário ter uma área de Reserva Legal.

No caso do bioma Mata Atlântica, que é muito extenso (vai do Rio Grande do Sul até o Rio Grande do Norte), quando o proprietário de uma terra não tem Reserva Legal na sua propriedade, ele tem três opções: induzir a regeneração, restaurar ou compensar em outro lugar. E aí ele, em vez de compensar na bacia hidrográfica conforme define a lei, poderá compensar em qualquer parte do bioma. Então, poderá compensar as perdas de uma área de campo do Rio Grande do Sul em uma área de floresta do Rio Grande do Norte, porque os dois territórios fazem parte do bioma Mata Atlântica. Essa possibilidade é um absurdo total, porque estão mudando por completo o tipo de ambiente que deveria ser protegido. Essa mudança na legislação cria um risco muito grande de as áreas muito produtivas não terem mais nenhuma Reserva Legal, porque as pessoas não vão querer tê-las em solos que potencialmente são produtivos e concentrarão todas as Reservas Legais em solos que são improdutivos. Isso faz com que, no total, as Reservas Legais mantenham apenas espécies de áreas improdutivas, de um único tipo de ambiente. Perderemos as espécies daquelas áreas em que os solos são mais ricos.

IHU On-Line – O novo texto do Código Florestal tem algum embasamento científico?

Jean Paul Metzger – As mudanças feitas no novo texto do Código Florestal foram muito mais políticas do que pautadas na ciência. A grande vantagem em relação ao que foi discutido a partir do relatório de Aldo Rebelo e do debate no Senado é que os senadores, de fato, ouviram os cientistas de uma forma mais ampla. Eles tiveram acesso às informações e embasamento científico para elaborar um Código Florestal coerente. Entretanto, muitos dos pontos apresentados pelos cientistas foram ignorados. A atualização do Código é uma decisão política porque eles têm que considerar as demandas da sociedade científica e de outros setores. O relatório de Jorge Viana é muito melhor do que o relatório de Aldo Rebelo, mas está longe daquilo que é ideal.

IHU On-Line – Quais são os aspectos positivos do relatório do senador Jorge Viana (PT-AC)?

Jean Paul Metzger – O primeiro aspecto positivo é o fato de estabelecer um Cadastro Rural Ambiental – CRA. Então, os agricultores, para obterem créditos agrícolas, terão de estar cadastrados nesse CRA. Isso permitirá a elaboração de um registro de propriedades do Brasil, o que nunca tivemos. Sem esse tipo de iniciativa não temos como saber se os proprietários estão ou não de acordo com a lei, se estão executando um termo de ajuste de conduta. Conseguiremos, através do cadastro, monitorar as atividades legais e ilegais.

O segundo ponto positivo é a inserção de um conjunto de incentivos à restauração e à manutenção das florestas e outras áreas naturais. Quer dizer, em vez de ter um Código Florestal baseado apenas em comando controle – impõe-se uma lei e, se ela não for cumprida, o proprietário da terra será multado –, passamos para uma filosofia de incentivo através de pagamentos de serviços ambientais, de facilitação de crédito. Outro ponto positivo é que, com esse novo Código, os produtores poderão ter acesso a créditos agrícolas somente se estiverem de acordo com a legislação ou estiverem se adequando a ela. Hoje em dia todo mundo obtém crédito agrícola, independente de estar ou não de acordo com o Código Florestal. Isso é positivo porque, consequentemente, o produtor terá que restaurar as áreas degradadas.

IHU On-Line – Como o senhor avalia o relatório substitutivo do senador Jorge Viana (PT-AC) ao projeto do novo Código Florestal, que autoriza a Câmara de Comércio Exterior – Camex a adotar medidas de restrição à importação de produtos de origem agropecuária e florestal de países que não seguirem as normas de proteção ambiental compatíveis com as leis brasileiras? Essa medida tem relevância ambiental?

Jean Paul Metzger – Eu vi essa questão e a considero polêmica porque não podemos julgar outros países com base em nossa legislação. Como vamos dizer se um país é compreensível em relação às questões ambientais se as condições lá são totalmente diferentes?

Vejo essa questão como um aumento da segurança da balança comercial no sentido em que, com esse tipo de dispositivo, o Brasil terá uma liberdade maior de proteger a produção interna. Eu ouvi alguns comentários sobre essa medida, mas não sei se ela será aprovada. O relatório deverá ser aprovado na Comissão do Meio Ambiente, depois passará para o Plenário do Senado e depois voltará para os deputados. O texto já está muito diferente daquele que os deputados aprovaram. Então, há um grande risco de muitos trechos serem alterados. Sinceramente não entendi o porquê dessa restrição à importação dos produtos. Parece muito mais uma desculpa e uma questão comercial financeira de competição com alguns países que produzem produtos similares aos brasileiros. Não gostaria de comentar esse assunto porque não consegui entender o que está por trás dessa questão; não consegui acompanhar todo o processo e as razões da inclusão desse tipo de medida.

IHU On-Line – O senhor está acompanhando as discussões sobre o novo texto do Código Florestal na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle – CMA? Qual sua expectativa em relação à votação?

Jean Paul Metzger – Deve passar na Comissão do Meio Ambiente sem problema nenhum. Todos estão o elogiando bastante. O relatório de Jorge Viana foi feito, de certa forma, em conjunto com Luis Henrique (PMDB/SC), que é, digamos, o Aldo Rebelo do Senado. Então, houve, de fato, um nível de discussão e de negociação bastante intenso no Senado. Provavelmente esse texto será aprovado no Senado. Entretanto, pode haver um problema quando o texto voltar para a Câmara dos Deputados, porque muitas das propostas sugeridas por Jorge Viana irão desagradar os deputados. Por isso é provável que o texto não seja aprovado neste ano.

IHU On-Line – Caso o novo Código Florestal não seja aprovado neste ano, pode-se esperar alguma alteração, considerando a Rio+20 em 2012?

Jean Paul Metzger – A Rio+20 é uma pressão internacional sobre o Brasil. Temos uma série de compromissos ambientais em relação à emissão de gases de efeito estufa, por exemplo. Boa parte da emissão de CO2 é dada pelo desmatamento e corte de vegetação na região do Cerrado. Portanto, é preciso ter um Código Florestal respectivo, para que o desmatamento não aumente.

O Código Florestal tal qual está sendo proposto neste momento não incentiva novos desmatamentos. Por outro lado, ele é bastante flexível na forma de restaurar os passivos ambientais. Traz principalmente uma mensagem muito negativa, na medida em que ele anistia quem desmatou de forma ilegal durante esses últimos 40 e poucos anos.

(Por Patricia Fachin e Stéfanie Telles)

 

 

 
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O texto do parecer do senador Jorge Viana (PT-AC) ao projeto do novo Código Florestal, cuja aprovação foi concluída ontem pela Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado em clima emocional, foi considerado satisfatório para o Ministério do Meio Ambiente e para o setor rural. A votação no plenário da Casa pode ser na quarta-feira e a expectativa de líderes da oposição e do governo é de aprovação tranquila.

A reportagem é de Raquel Ulhôa e Daniel Rittner e publicada pelo jornal Valor, 25-11-2011.

Durante a reunião de ontem, houve manifestações contrárias ao projeto, por parte de estudantes e integrantes do movimento Rede Mata Atlântica. O presidente da comissão, Rodrigo Rollemberg (PSB-GO), determinou a retirada dos manifestantes do plenário, por exibirem cartazes com críticas a Viana e ao senador Luiz Henrique (PMDB-SC), coautor do substitutivo aprovado, e, com isso, tumultuarem a reunião.

Elaborado a quatro mãos por Viana e Luiz Henrique, o texto resultou de intensa negociação dos relatores com o governo e ruralistas, inclusive a bancada do setor na Câmara dos Deputados. “A negociação resultou no isolamento dos radicais dos dois lados e na produção de um texto equilibrado, que representa a média do pensamento do Congresso”, disse Rollemberg.

O senador Waldemir Moka (PMDB-MS), deputado na legislatura passada, teve papel destacado nessas conversas. “A gente ia falar com os ruralistas e eles reclamavam. Ia falar com os ambientalistas e eles reclamavam. Isso significa que prevaleceu o meio termo”, afirmou Moka.

Os cartazes dos manifestantes diziam que Viana “trocou Chico Mendes por Kátia Abreu” – senadora do PSD de Tocantins e presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) – e chamavam Luiz Henrique de “senador da motosserra”. No final da votação, os relatores choraram e se abraçaram.

O projeto retornará à Câmara, e a intenção do governo é aprovar a versão de Viana e Luiz Henrique – e não a do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), ministro do Esporte, que foi relator do projeto na Câmara.

Na avaliação de técnicos do Ministério do Meio Ambiente, o parecer de Viana retirou do texto de Aldo a anistia a quem desmatou irregularmente. O artigo 8º do projeto da Câmara considerava consolidadas as atividades em Área de Preservação Permanente (APP) até 22 de julho de 2008 nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental e atividades agrossilvopastoris, ecoturismo e turismo rural.

O parecer de Viana e Luiz Henrique mantém a consolidação dessas áreas em APPs, acrescentando apicum e salgado, mas obriga a recomposição de mata ciliar na margem dos rios – de 15 metros em caso de curso d’água de até dez metros de largura. Nos rios mais largos, a recomposição tem que ser de uma área correspondente à metade da largura do rio (sendo no mínimo 30 metros e no máximo 100 metros).

Para Raul do Valle, do Instituto Socioambiental, a anistia está presente no parecer de Viana. Ele dá o exemplo da reserva legal, que não precisará ser recomposta por imóveis de até quatro módulos fiscais. “Mesmo um proprietário que tenha vários imóveis de até quatro módulos fiscais não precisará recompor nada. Isso significa que mais de 98% dos imóveis brasileiros que desmataram não precisarão recompor sua reserva legal. Isso é anistia”, disse.

Na negociação feita na noite de terça-feira, os ruralistas foram atendidos em várias reivindicações, que, segundo técnicos do ministério, não eram contraditórios com os princípios do governo. Um desses pontos foi a manutenção das atividades florestais, culturas de espécies lenhosas, perenes ou de ciclo longo, e a infraestrutura necessárias a essa produção, em áreas de inclinação entre 25 e 45 graus.

Dos 77 destaques votados ontem, a maioria foi retirada ou rejeitada. Apenas quatro foram aprovados – três de Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) e um de Blairo Maggi (PP-MT) -, sem fazer muita alteração no texto. Dois deles definem que na apuração de responsabilidade por incêndios em terras públicas ou particulares, o ônus da prova do uso irregular do fogo caberá à autoridade fiscalizadora. O item mais polêmico a ser analisado pelo plenário será a questão da inclusão da aquicultura (criação de animais e plantas aquáticas) como atividade de interesse social, o que possibilitará a liberação de criação e camarão em cativeiro.

 

 

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“Quem mais ganha são os bovinocultores, pois adquirem o direito de não devolver cobertura vegetal aos 44 milhões de hectares de áreas sensíveis em beiras de rio, encostas, topos de morro e nascentes, que foram invadidas por degradantes pastagens. Um crime de lesa humanidade”, escreve José Eli da Veiga, professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), em artigo publicado no jornal Valor, 25-11-2011.

Segundo ele, “a lei que revogará o Código Florestal será mais um grande estímulo à exportação barata dos recursos naturais concentrados na carne bovina”.

Eis o artigo.

Quem ganha ou perde com a lei que revogará o Código Florestal? O balanço já pode ser feito com base no extenso e intricado projeto que resultou de trâmite-relâmpago em quatro comissões do Senado. Talvez ajude os senadores dispostos a mitigar em plenário seus impactos mais nocivos.

Quem mais ganha são os bovinocultores, pois adquirem o direito de não devolver cobertura vegetal aos 44 milhões de hectares de áreas sensíveis em beiras de rio, encostas, topos de morro e nascentes, que foram invadidas por degradantes pastagens. Um crime de lesa humanidade, pois a ocorrência de pastos nessas áreas de preservação permanente (APP) desrespeita um dos mais básicos fundamentos das ciências agrárias e da economia socioambiental.

São infinitamente menos graves as implicações da análoga “consolidação” de atividades agrícolas ou florestais nos demais 11 milhões de hectares subtraídos às APP, pois na maioria dos casos ela não comprometerá as principais funções ecossistêmicas da manutenção de vegetação nativa, além de também não promover assoreamentos ou erosões. Por isso, as benesses aos tradicionais arrozeiros gaúchos, produtores catarinenses de maçã, cafeicultores mineiros, etc., não serão concedidas em detrimento do interesse nacional, público ou social. Não chega a haver conflito.

Na mesma toada, praticamente ninguém sairá perdendo com os dispositivos do projeto que facilitam as compensações das reservas legais (RL). Além de acabarem com a irracionalidade de impedir a exploração de terras de alta aptidão agrícola, também evitam as desvantagens da dispersão desses tesouros de biodiversidade em fragmentos isolados. Ao instituir a Cota de Reserva Ambiental e incentivar compensações em condomínios, o novo programa “PRA” estimulará o surgimento de mercados estaduais de compensações, atendendo tanto os interesses dos que devem respeitar as normas da “RL”, quanto os interesses da coletividade.

Todavia, vai em direção oposta o tratamento “vip” oferecido a todos os proprietários de imóveis com área de até quatro módulos fiscais, em vez de restringir tais regalias apenas a esses pequenos empreendedores que se matam para garantir a educação dos filhos com a esquálida remuneração do árduo trabalho de sitiante. Grande parte dos imóveis com área de até quatro módulos fiscais são bucólicas chácaras de recreio de privilegiadas famílias urbanas. Com certeza, muitos dos membros do Congresso passam alguns de seus fins de semana em propriedades desse tipo, mesmo que não lhes pertençam, por serem de parentes ou amigos. O viés chega a ser escandaloso, pois tais imóveis nada têm a ver com aquilo que muitos parlamentares adoram chamar de “setor produtivo”.

Também serão muito beneficiados todos os que cometeram desmatamentos ilegais no intervalo de dez anos entre o início da regulamentação da Lei de Crimes Ambientais e o odiado decreto do ex-presidente Lula, de 22 de julho de 2008, sobre infrações ambientais. Qual a razão da escolha dessa data, em vez de setembro de 1999, para demarcar a separação entre as normas atinentes ao chamado passivo ambiental das que o projeto propõe para o presente e o futuro? Quem são os diretamente interessados nesse expediente que joga o projeto na imoralidade? Por que a base parlamentar do governo Dilma temeria rejeitar tão asquerosa prerrogativa aos devastadores?

No geral, também sairão bem favorecidos os setores e ramos mais propensos à “absorção da proposta neocolonizadora da China”, como diz Carlos Lessa, ou que defendem o “Brasil da Fama” (fazenda, mineração e maquiladoras), como diz Marcio Pochmann. É um projeto que atropela simultaneamente a política climática (PNMC), o Plano Brasil Maior, e o Documento de Contribuição Brasileira à Conferência Rio+20, pois se opõe – em gênero, número e grau – ao “Brasil do Vaco” (valor agregado e conhecimento). Aliás, chega mesmo a autorizar a Camex a adotar medidas de restrição às importações, contrariando o empenho da presidenta em impedir que pretextos ambientais levem a Rio+20 a legitimar mais obstáculos ao comércio internacional.

Apesar disso tudo, o Código Florestal terá um digno e respeitoso funeral se o plenário do Senado adotar apenas três simples, mas incisivas, intervenções cirúrgicas. Primeiro, excluir pastagens de todos os perdões oferecidos aos desmatamentos de APPs. Segundo, admitir tratamento preferencial apenas à agricultura familiar legalmente reconhecida, com repúdio a qualquer discriminação baseada em área de imóvel, seja ela medida em módulos fiscais ou em qualquer outra unidade. Terceiro, substituir o rancoroso símbolo político de 22 de julho de 2008 por uma data que ao menos faça algum sentido jurídico.

Se, ao contrário, a maioria se inclinar pela manutenção dessas três aberrações, a lei que revogará o Código Florestal será mais um grande estímulo à exportação barata dos recursos naturais concentrados na carne bovina. A exata negação do que reza o sétimo dos oito “princípios” que abrem o projeto: “fomentar a inovação em todas as suas vertentes”.

 

 

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“Na quarta-feira, na Comissão de Meio Ambiente do Senado, ocorreu uma das derrotas mais sofridas que a luta socioambiental em defesa do desenvolvimento sustentável poderia viver”, constata Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 25-11-2011.

Segundo ela, “o que ocorreu foi um acordo entre poucos: governo e ruralistas, mediados pelos senadores Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), Jorge Viana (PT-AC), Luiz Henrique (PMDB-SC), Kátia Abreu (PSD-TO) e pela ministra do Meio Ambiente, Izabela Teixeira”

Eis o artigo.

Na quarta-feira, na Comissão de Meio Ambiente do Senado, ocorreu uma das derrotas mais sofridas que a luta socioambiental em defesa do desenvolvimento sustentável poderia viver.

A sessão, que deveria tratar com tempo e profundidade o mérito do projeto de lei que propõe criar um novo Código Florestal, transformou-se em um exemplo perfeito do que, sem medo de errar, pode ser chamada de velha política.

O indicador dessa senilidade política veio na forma de argumentos apelativos que tentavam convencer os “derrotados” de que deveriam alargar o sorriso, disfarçar a indignação e posar para a foto com os “vencedores”, sem lhes estragar o realce da moldura.

Afinal, todos, como no episódio do vaidoso rei que estava nu, deveriam repetir que o relatório Viana/Luiz Henrique havia conseguido tecer um texto que, finalmente, faria o impossível: aumentar a proteção de rios, encostas e florestas ao mesmo tempo em que acaba com a obrigatoriedade de recuperação das áreas de preservação permanente e das reservas florestais na maioria das propriedades privadas, com anistia de multas de desmatamentos ilegais.

Durante toda a sessão, o tom era de “dever cumprido”, de “conquista histórica”, de “consenso entre ruralistas, cientistas, governo e ambientalistas”. Mas, na verdade, o que ocorreu mesmo foi um acordo entre poucos: governo e ruralistas, mediados pelos senadores Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), Jorge Viana (PT-AC), Luiz Henrique (PMDB-SC), Kátia Abreu (PSD-TO) e pela ministra do Meio Ambiente, Izabela Teixeira.

Agora, o que se vê são todos os espaços sendo usados para fazer grudar na história uma espécie de adesivo verde, um tapume para esconder os escombros da legislação ambiental, que começa a ruir na derrocada do velho guardião das florestas.

Nada mais característico da velha política do que conformar-se em apenas parecer. Nesse caso, bastaria aos socioambientalistas deixar prevalecer a tese de que – apesar dos retrocessos – também saíram vencedores. Afinal de contas, também fazem parte do grande consenso. Poderiam nos colocar na foto de todos os jornais esverdeando a moldura, mas não seria a verdade.

As mais de 200 emendas apresentadas ao relator Jorge Viana demonstram que o único consenso é que não havia consenso algum. E isso, por si só, deveria fazer com que o processo de tramitação do projeto tivesse mais tempo, para tentar construir soluções mediadas, e não aplicar na lei aquilo que tanto se faz na floresta: o correntão!

Sem essa mediação, vão empurrar para a berlinda o compromisso assumido publicamente no segundo turno pela então candidata Dilma.

 

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