‘CÉREBRO DE FETOS YANOMAMI TEM 7 VEZES MAIS MERCÚRIO DE GARIMPO QUE O DE ADULTOS’.

Foto: Andressa Anholete/Correspondente

https://theintercept.com/2022/06/07/yanomami-fetos-mercurio-garimp-paulo-basta/

Nayara Felizardo

07 de Junho de 2022

O pesquisador da Fiocruz Paulo Basta explica como o garimpo reproduz a lógica e os efeitos do processo de colonização dos portugueses.

O RELATÓRIO “Yanomami sob Ataque“, produzido por associações que representam a etnia, não usa meias palavras para descrever a situação do seu povo: o território vive o pior momento de invasão garimpeira desde que foi demarcado, há 30 anos.

Nos cálculos do Mapbiomas, de 2016 a 2020, o garimpo em terras Yanomami cresceu 3.350%. A maior parte da área destruída está concentrada nas calhas dos rios Uraricoera e Mucajaí, na região de Waikás, em Roraima. Era onde ficava a aldeia Aracaçá, cuja população de aproximadamente 20 indígenas desapareceu após denúncias de violência praticada pelos garimpeiros. Foi lá também que, em 2014, a equipe de pesquisadores liderada pelo médico Paulo Basta, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, identificou o maior índice de contaminação de indígenas por mercúrio.

O metal pesado é usado no garimpo pois funciona como uma espécie de ímã: ele une os pequenos pedaços de ouro, tornando-os mais visíveis e fáceis de separar. O problema é que, para produzir um quilo de ouro, os garimpeiros aplicam até oito de mercúrio, e a maior parte desse metal é jogada nos rios. Assim, contamina os peixes, principal fonte de proteína dos Yanomami, e sua cadeia alimentar.

Nesta entrevista, Basta explica como o mercúrio afeta principalmente as gestantes e as crianças Yanomami desde o útero. “Há estudos que indicam que a concentração de mercúrio no cérebro do feto é de cinco a sete vezes maior do que no cérebro do adulto”, me disse o pesquisador. As consequências duram a vida toda, fazendo com que a criança “não se torne um adulto com pleno potencial de desenvolvimento”.

Além de contaminar rios e pessoas, o garimpo destrói florestas, afetando a disponibilidade das fontes naturais. Segundo o relatório, indígenas sofrem, então, com a restrição ao livre trânsito em suas próprias terras e deixam de “usufruir de áreas utilizadas para a caça, pesca, roça, e da comunicação terrestre e aquática com as comunidades do mesmo conjunto multicomunitário”.

Para Paulo Basta, o garimpo reproduz em 2022 o mesmo processo de colonização promovido pelos portugueses, que invadiram as terras indígenas há 522 anos. “Vivemos um processo permanente de colonialismo estrutural. Lamentavelmente, essa história é circular e a gente não consegue evoluir”, argumentou.

‘O garimpo cria uma relação de dependência, provoca mudanças no padrão alimentar e introduz doenças que não existiam, porque o ambiente fica mais contaminado’, explica o médico e pesquisador da Fiocruz Paulo Basta. Foto: Arquivo Pessoal

Intercept – De que forma os garimpeiros promovem a desestruturação social dos povos Yanomami?

Paulo Basta – O garimpo é uma atividade ilegal. Então, para permanecer no território, ele precisa de um acordo com pelo menos parte da população indígena que aceite a atividade e a permanência de milhares de pessoas estranhas. Para obter esse consentimento, o garimpo coopta sobretudo os homens jovens, com a promessa de enriquecimento rápido e fácil. Eles prometem também cestas básicas, medicamentos, internet e acesso a bens e mercadorias que vêm da cidade e não existem na floresta. Depois de se estabelecerem dentro dos territórios, as promessas feitas no momento da cooptação não são cumpridas, e isso acaba gerando mais conflitos e violência. Os garimpeiros têm armas, motores, combustível, veículos de transporte, helicópteros e pistas clandestinas de pouso. Agora, têm também a estrutura do PCC, com armamento pesado. É uma relação completamente desigual com os indígenas. O relatório “Yanomami Sob Ataque” dá muitos detalhes sobre isso e traz depoimentos impactantes de pessoas que foram vítimas dessa violência.

Isso me remonta ao que aconteceu com a invasão dos colonizadores portugueses.

É exatamente o mesmo processo de colonização que se repete há 522 anos no país. Estamos vivendo, em pleno século 21, no ano de 2022, a colonização que aconteceu lá em 1500. Estão chegando em busca de riquezas e minérios, expropriando o território tradicional, devastando as terras preservadas e protegidas, subjugando a população, promovendo conflitos, assassinatos e violência sexual contra mulheres e crianças. Eu costumo dizer que vivemos um processo permanente de colonialismo estrutural. O colonizador europeu chegou aqui e desqualificou as populações locais, tratando as pessoas com violência. Lamentavelmente, isso vem se repetindo indefinidamente. Essa história é circular, e a gente não consegue evoluir.

O que é o fenômeno de sedentarização e quais as consequências dele para os Yanomami?

Os Yanomami são povos de alta mobilidade no território. Eles montam suas aldeias em uma determinada área, os homens abrem a roça e têm a função de caçar e pescar, enquanto as mulheres cultivam. A comunidade fica nesse ciclo de integração com a natureza durante um período de sete a oito anos. É o tempo em que os recursos naturais naquela área vão poder suprir as necessidades de alimentos, como caça, pesca, frutos de coleta e a própria roça, sem agrotóxicos. Terminado esse período, a comunidade inteira se muda para outro lugar distante, e a área que foi explorada vai naturalmente se recuperar, a floresta volta a crescer, os animais voltam a chegar. No futuro, ela pode ser utilizada novamente como fonte de subsistência. Esse é um processo milenar dos Yanomami.

Com a presença de não indígenas no território – primeiro com as missões religiosas católicas e protestantes, depois com a chegada dos militares, com a pretensão de guardar as áreas de fronteiras, e então com o estabelecimento da Funai e dos serviços de saúde – e sua estrutura fixa, os hábitos tradicionais dos povos mudam. Aquele comportamento de alta mobilidade deixa de existir, e a sociedade fica sedentarizada. E o entorno da aldeia, que já foi explorado, não tem o momento de recuperação. A área acaba sendo explorada cada vez mais e, com isso, ocorre o escasseamento dos produtos naturais, e a caça e a pesca são dificultadas.

Como o garimpo agrava essa situação?

O garimpo é um agente de sedentarização da população. Ao provocar o escasseamento das fontes naturais, cria uma relação de dependência, provoca mudanças no padrão alimentar e introduz doenças que não existiam, porque o ambiente fica mais contaminado por vírus, bactérias e parasitas.

Área de mineração em terra Yanomami. Foto: Chico Batata/Greenpeace

Como o mercúrio usado no garimpo contamina as pessoas?

Há estimativas de que, para cada quilo de ouro que o garimpeiro encontra, ele utiliza de dois a oito quilos de mercúrio. Esse excedente é despejado no rio sem nenhum tratamento. Lá no fundo do rio, sofre um processo de transformação mediado por microorganismos e se transforma em mercúrio orgânico, o metilmercúrio, que é a forma mais tóxica do metal. Ele vai entrar na cadeia alimentar e afetar todos os seres que vivem no rio.

O metilmercúrio se concentra mais nos peixes maiores e naqueles que têm hábitos carnívoros, como o tucunaré, o pirarucu e o surubim, que são muito apreciados pelas populações tradicionais da Amazônia e a principal fonte de proteína na dieta. O metal se fixa no músculo do peixe, na parte que a gente come. Isso vai entrar no trato gastrointestinal, ser absorvido pelo organismo, cair na corrente sanguínea e circular por todo o corpo. Ao ingerir o pescado, a gente pode ter depósito de mercúrio em todos os lugares.

Quem passa só uma semana comendo peixe contaminado tende a eliminar esse mercúrio após mais ou menos 120 dias de circulação no organismo. Mas, quando se trata de uma população tradicional que vive numa região impactada pelo garimpo e come diariamente o pescado, às vezes quatro vezes por dia, ele vai se acumulando em diferentes órgãos.

O garimpo ilegal utiliza mais mercúrio que o adequado? 

Existe uma série de dispositivos que regulamentam a atividade garimpeira no Brasil. Quando eles são cumpridos, o desperdício de mercúrio no meio ambiente é menor. Mas qualquer atividade econômica em terras da União só pode ocorrer se houver regulamentação por parte do Congresso Nacional e, por enquanto, não há. Então, o garimpo em terras indígenas, unidades de conservação e áreas de preservação ambiental é ilegal e até financiado por facções criminosas. Isso faz com que nenhuma legislação seja cumprida. Quanto mais rudimentar é o garimpo, maior é o uso indiscriminado do mercúrio e o desperdício.

Um estudo seu de 2014 já mostrava que os indígenas da aldeia Aracaçá, destaque na imprensa recentemente após denúncias da violência promovida por garimpeiros, era a mais contaminada por mercúrio entre as pesquisadas. Quais as consequências desse nível de contaminação?

O mercúrio tem predileção pelo sistema nervoso central. Ele se fixa no cérebro das pessoas, principalmente no lobo occipital. Em adultos frequentemente expostos, pode causar dor de cabeça crônica, tremores, diminuição da sensibilidade tátil, térmica e da capacidade de sentir dor das mãos e dos pés, zumbido no ouvido, perda do campo amplo de visão e ainda um gosto metálico permanente na boca. Avançando nos sintomas, as pessoas podem perder as forças das mãos e dos pés e ter dificuldade para subir uma escada ou fazer caminhadas mais prolongadas, o que pode levar ao uso de cadeira de rodas. O mercúrio também afeta o sistema cardiovascular e pode aumentar a pressão arterial e a chance de ter infarto. Pode, ainda, se fixar nos rins e levar a um quadro de insuficiência renal. Nos casos graves, as pessoas podem ter quadros de demência que simulam parkinson, alzheimer e convulsões repetitivas.

‘Se nascer viva, a criança vítima de contaminação por mercúrio pode ter má formação, paralisia cerebral ou deformidades’, conta Paulo Basta. ‘Nos quadros mais brandos, a criança nasce sem deformidade, mas pode demorar a sustentar o pescoço, a dar os primeiros passos e a falar’.  Foto: Andressa Anholete/Correspondente

Como as crianças são afetadas pela contaminação por mercúrio?

O foco principal de preocupação são as mulheres em idade fértil e as crianças, porque dentro da barriga da mãe já existe a exposição ao mercúrio circulante no sangue da gestante, que é capaz de passar pela placenta. Há estudos que indicam que a concentração de mercúrio no cérebro do feto é de cinco a sete vezes maior do que no cérebro do adulto. Depois que a criança nasce, a mãe pode passar o mercúrio por meio do leite materno. Após o desmame, a criança começa a se alimentar como os adultos, com o pescado contaminado, e vai seguir assim para sua vida toda. Essas populações estão expostas à contaminação desde sempre e para sempre.

As crianças gestadas quando o garimpo começou a se instalar na região em que ficava a aldeia Aracaçá estão há praticamente 10 anos expostas à contaminação por mercúrio. 

Sim. E sob risco de desenvolver várias manifestações clínicas. As gestantes podem até sofrer um aborto ou o filho pode nascer morto. Se nascer viva, a criança pode ter má formação congênita, paralisia cerebral ou deformidades. Esses são os sintomas graves. Nos quadros mais brandos, a criança nasce sem nenhuma deformidade, mas durante o desenvolvimento vai apresentar algumas manifestações, como demorar a sustentar o pescoço, a dar os primeiros passos e a falar. Com dois, três anos, essa criança não brinca como as outras. Aos seis, sete anos, vai entrar na escola e ter dificuldade de aprendizado, porque não assimila o conteúdo e tem problemas de memória. São impactos cognitivos que vão ter efeitos na vida adulta.

Entre os Yanomami, uma das funções do homem é a de caçar. Mas, se ele nasceu com problemas causados pela contaminação por mercúrio, como vai desempenhar suas tarefas? A longo prazo, isso também afeta a dinâmica nas comunidades indígenas? 

Por mais brandos que os sintomas sejam, a criança exposta desde o período pré-natal não vai se tornar um adulto com pleno potencial de desenvolvimento. Seja do ponto de vista de liderança comunitária, seja do ponto de vista de garantir a segurança da família ou de ter acesso à educação formal. Esse adulto vai ter menos chance de chegar à universidade, de conseguir um emprego e de ter renda. Não vai ter condição de quebrar esse ciclo de exclusão e de miséria.

É uma população para a qual o estado nega serviços públicos essenciais. Não tem acesso regular a serviços de saúde, à renda e à educação. Vivem sem água potável, sem coleta de lixo e sem saneamento básico. Elas já estão em uma situação de risco, e isso é multiplicado exponencialmente pela presença do garimpo.

Há quem diga que o garimpo leva desenvolvimento econômico e riqueza para a região.

Muitos políticos e empresários dizem isso, mas é uma falácia. Se fosse assim, Itaituba, que é conhecida como a cidade pepita e há quase 50 anos tem exploração de ouro, hoje seria um exemplo de desenvolvimento dentro do país, mas seu IDH é baixíssimo. O esgoto corre no meio da rua, as pessoas não têm acesso à água potável nem a saneamento e não têm fontes de renda que não sejam o garimpo. Ao invés de levar desenvolvimento econômico e social, o garimpo deixa um legado de destruição ambiental, pobreza e exclusão. Isso é particularmente mais grave para populações tradicionais que já vivem uma situação de vulnerabilidade imposta pelo estado.

Em um estudo com crianças Yanomami, você diz que a situação nutricional é a mais delicada do Brasil já reportada em toda literatura científica nacional. O que isso significa?

O estado nutricional é só a ponta do iceberg de uma cadeia de problemas estruturais que estão ameaçando os povos Yanomami. Essas famílias vivem uma situação de vulnerabilidade e de exclusão social historicamente construída e, mais recentemente, agravada pela invasão dos territórios, violação dos seus direitos, contaminação dos seus rios pelo mercúrio e pela devastação da floresta e das fontes naturais de alimento. Isso tudo se soma e resulta em um quadro crítico de desnutrição.

Quais são os dados dessa pesquisa?

Analisamos duas regiões: Auris, em Roraima – onde vivem os subgrupos Sanumá – e Maturacá, no Amazonas, uma área que está longe dessa região de conflito. A cada 10 crianças Yanomami menores de cinco anos nessas áreas, oito sofrem de desnutrição crônica com déficit de altura e cinco a cada 10 sofrem de desnutrição aguda, ou seja, têm déficit de peso para a idade. Além disso, quase 70% sofrem de anemia, isso tudo em consequência da ausência de água potável.

A criança geralmente nasce bem e vai ganhando peso até completar seis meses. Mas, quando começa o processo de desmame e ela vai pro chão que está contaminado, porque não tem coleta de lixo, não tem saneamento ambiental e está cheio de parasitas, ocorre a primeira diarreia, que se segue de outras. Então, há um processo de desnutrição aguda. Como ela não tem acesso regular ao serviço de saúde, os alimentos da floresta estão escassos, não tem água potável e nem uma série de serviços públicos, a criança não recupera o peso, e isso faz com que a desnutrição se perpetue. É um problema que passa de uma geração para outra. Uma criança que hoje está desnutrida tem seu potencial de desenvolvimento reduzido. O ciclo é agravado pela presença do garimpo, dos casos de malária e pela contaminação por mercúrio. A contaminação, na verdade, é só a ponta do iceberg dos problemas causados pelo garimpo.

Avaliação clínica na aldeia Sawré Muybu, TI Sawré Muybu, Pará, 2019. Foto: Paulo Basta/Fiocruz

Nesse mesmo estudo, você verifica a manutenção das precárias condições de saúde e nutrição das crianças Yanomami em diferentes épocas. O que um próximo governo federal precisa fazer para mudar isso definitivamente?

A primeira providência é garantir a soberania dos territórios indígenas. O governo tem que promover a desintrusão dos invasores, retirar todos os garimpeiros, madeireiros, grileiros, todas as pessoas que estão ilegalmente dentro das terras indígenas. Depois, precisa garantir que eles não vão voltar e que esse território vai ser preservado. A partir daí, tem que se estabelecer programas de remediação das áreas que foram contaminadas e devastadas. Com isso, restabelecer o equilíbrio do ecossistema local e garantir os serviços públicos essenciais a essa população.

O governo precisa planejar uma série de ações para mudar esse cenário triste que a gente observa desde a primeira corrida do ouro, na década de 1980. Foi quando se teve as primeiras notícias da crise sanitária dos Yanomami. Essa crise arrefeceu depois dos anos 1990 e, agora, ela voltou com toda intensidade, com características até piores do que a gente viveu na década de 1980.

Se o povo Yanomami não estivesse com a água dos seus rios contaminada e com o território invadido, ele teria como sobreviver com soberania e de modo saudável?

Se não tivessem destruído os rios, eles teriam fonte de água limpa dentro do território. Mas, hoje, essas fontes estão cada vez mais raras. O lixo que aparece vem de fora, porque, tradicionalmente, essas comunidades só produzem resíduos de alimentos ou orgânicos, que são manejados de modo ancestral, sem nenhum problema. Já o que vem de fora – o plástico, a lata, a pilha – são coisas que, além de enfeiar a paisagem, contaminam o solo.

Diante dessa situação, é necessário que o governo subsidie projetos de desenvolvimento que valorizem a vocação local, do ambiente e das próprias pessoas. O governo precisa subsidiar um tipo de economia da floresta que seja sustentável, em vez de sair fazendo reiterados discursos dizendo que vai abrir as terras indígenas para exploração econômica, para o agronegócio e a mineração. Esse modelo desenvolvimentista é completamente ultrapassado, obsoleto, e representa o que tem de pior no extrativismo, no colonialismo e no capitalismo selvagem. Esse modelo não vai garantir a soberania dos territórios, nem a floresta de pé e o equilíbrio climático. Vai apenas reforçar uma série de desigualdades historicamente construídas. Inúmeras experiências hoje geram renda para a comunidade. Dentro das terras Yanomami tem produção de cogumelos artesanais, que são consumidos pela população local, vendidos em São Paulo e exportados para a Europa.

O relatório “Yanomami sob ataque” informa que houve uma explosão de casos de malária depois de 2017. Por que isso aconteceu?

Em 2013, começou um novo afluxo de garimpeiros para a terra Yanomami. Esse afluxo se intensificou a partir de 2017 e, com a ascensão de Bolsonaro à presidência, isso explodiu. Nos últimos 10 anos, o Mapbiomas fez um levantamento mostrando que o garimpo em terras indígenas cresceu 500%. Os garimpeiros fazem poços que viram criadouros de mosquitos, então há uma população maior deles para transmitir o parasita causador da malária. As epidemias são resultado dessa devastação crescente do território, com alteração do ecossistema amazônico, mudança do curso dos rios, derrubada de árvores e contaminação por mercúrio.

Lideranças Yanomami denunciam que há desvio de medicamentos reservados aos indígenas para atendimento de garimpeiros e que eles controlam os postos de saúde. Como isso acontece?

Onde o estado não está presente, o crime domina e dita as regras. O tráfico e o garimpo agora estão de mãos dadas. As pessoas que trabalham no garimpo também adoecem e acabam consumindo os parcos recursos médicos que são destinados às populações tradicionais. Tem alguns postos de saúde que não estão em funcionamento, porque as equipes de saúde não vão para a área com medo de violência. Outros postos foram mesmo tomados pelo garimpo. E o estado brasileiro fica de braços cruzados.

Esse controle dos postos de saúde torna os indígenas mais dependentes do garimpo?

É mais uma estratégia de dominação. Além da cooptação das lideranças, da divisão da sociedade local, da violência instituída com armas, violência sexual e drogas, o garimpo passou a controlar os serviços de saúde e distribuição de remédios. Eles têm controle também sobre o sistema de comunicação. A Secretaria Especial de Saúde Indígena existe há mais de 10 anos, o sistema de saúde indígena opera há mais de 20 anos nesses territórios e não tem uma antena para usar a internet. Os garimpos chegaram há menos tempo e já possuem estrutura de comunicação, restaurantes, unidades de saúde e alojamentos.

Nayara Felizardo

nayara.felizardo@​theintercept.com

@nayarafelizardo