Cardeal Turkson se dispõe a falar com ambos os lados no debate sobre transgênicos.

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O cardeal de Gana, Peter Turkson, está no meio de uma “guerra de comida” geneticamente modificada, mas está determinado a não deixar que ela vire uma bagunça. Ele estará em Des Moines, no estado de Iowa, nos , no dia 17 de outubro para falar na Conferência do Prêmio Mundial de Alimentação 2013, onde três inovadores de organismos modificados geneticamente serão homenageados. Um dia antes, porém, ele também vai estar em um evento organizado pela campanha Occupy the World Food Prize, que foi criada para se opor ao uso dos .

 

 

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A reportagem é de Megan Fincher, publicada no sítio National Catholic Reporter, 07-10-2013.

Turkson estará em Des Moines, no estado de Iowa, nos EUA, no dia 17 de outubro para falar na Conferência do Prêmio Mundial de Alimentação 2013, onde três inovadores de organismos modificados geneticamente serão homenageados. Um dia antes, porém, ele também vai estar em um evento organizado pela campanha Occupy the World Food Prize, que foi criada para se opor ao uso dos transgênicos.

Turkson, que é presidente do Conselho Pontifício e Paz, disse ao NCR que ele e o resto do conselho acreditam que o melhor que ele poderia fazer seria aceitar ambos os convites para falar, apesar das mensagens opostas vindas dos dois eventos.

“Nós decidimos que iríamos responder a ambos para mostrar que ambos precisam ser ouvidos”, disse. “Nós não queremos tomar partido”.

Ele disse que está tentando olhar para a questão dos transgênicos sob uma lente espiritual.

“Eu não sou contra a ciência e a pesquisa e não sou contra melhorar a vida da pessoa humana”, disse Turkson em uma entrevista no dia 3 de setembro. “Os benefícios da ciência são para nós. É por isso que Deus pediu a Adão para cuidar da terra.”

“Mas se a ciência e a pesquisa dificultam que as pessoas façam exatamente o que é básico para o seu sustento, então nós provavelmente clamaríamos por gratuitatis“, ressaltou Turkson, referindo-se à terceira encíclica do Papa Bento XVI, Caritas in Veritate.

Bento XVI pediu mais gratuitatis, ou doação altruísta, em nossa sociedade global. Ele escreveu: “O desenvolvimento econômico, social e político precisa, se quiser ser autenticamente humano, de dar espaço ao princípio da gratuidade [em latim, gratuitatis] como expressão de fraternidade”.

O Prêmio Mundial de Alimentação foi criado em 1987 para homenagear esse nível de doação. Muitas vezes referido como o “Prêmio Nobel da , ele homenageia pessoas cujo trabalho tem “promovido o desenvolvimento humano através da melhoria da qualidade, quantidade e disponibilidade de alimentos no mundo.”

Este ano, no entanto, muitos estão questionando o altruísmo dos três vencedores.

Robert Fraley, vice-presidente e diretor executivo de tecnologia da , maior empresa de transgênicos do mundo, é um dos premiados do Prêmio Mundial de Alimentação 2013. Mary-Dell Chilton, fundadora da terceira maior empresa de transgênicos no mundo, Syngenta Biotechnology, também é uma homenageada de 2013, assim como Marc Van Montagu, fundador de duas empresas de e de uma organização sem fins lucrativos que promove a biotecnologia nos países em desenvolvimento.

Os três vencedores, que receberão e compartilharão um prêmio de 250 mil dólares, enxergam a biotecnologia como um dom que resolverá a fome mundial.

“É gratificante saber que nosso trabalho (…) já encontrou aplicação em todo o mundo no campo da agricultura, com a promessa de beneficiar toda a humanidade”, disse Chilton  no dia 19 de junho, durante o anúncio da cerimônia do Prêmio Mundial de Alimentação.

Um grupo de ativistas de Iowa criou a campanha Occupy the World Food Prize em 2012, dizendo que temem que, ao invés de honrar a gratuitatis, o prêmio está sendo concedido gratuitamente aos adeptos da agroindústria. De acordo com uma análise feita pela Mother Jones dos registros fiscais da Fundação do Prêmio Mundial da Alimentação, 28% das doações para a fundação de 2009 a 2011 vieram do , incluindo a Monsanto e a Syngenta. Entre os maiores doadores listados no relatório Mother Jones estão a Fundação Gates e a Fundação Rockefeller, que, juntas, criaram uma organização de caridade pró-transgênicos chamada Aliança para uma na África.

“Não é um prêmio mundial de alimentos, é um prêmio mundial de alimentos corporativos”, disse Frank Cordaro, cofundador da campanha Occupy the World Food Prize.

Um panfleto criado por Cordaro descreve um punho preto segurando uma espiga de milho e uma cenoura ao lado das palavras “Culturas transgênicas produzem uma nova forma de escravidão – Cardeal Peter Turkson”. A frase vem de um artigo de janeiro de 2011 do jornal do Vaticano em que Turkson teria dito que a dependência econômica no agronegócio está surgindo como “uma nova forma de escravidão”.

Quando perguntado sobre esta citação, Turkson disse: “Ela provavelmente foi derivada do fato de que eu disse que, se os agricultores pobres têm que comprar todas as sementes que plantam, então isso limita a sua capacidade e liberdade para plantar e produzir alimentos”.

Ele estava se referindo a uma prática comum das empresas de transgênicos que exigem dos agricultores comprar novas sementes a cada ano, ao invés de deixar que os agricultores guardem e replantem as sementes que vêm de suas colheitas. O pensamento é que as sementes geneticamente modificadas são patenteadas, e assim são todas as partes de uma cultura geneticamente modificada. Se um agricultor cultiva um girassol geneticamente modificado, por exemplo, as sementes que esse girassol produz também estão vinculadas à patente da empresa e, portanto, são de propriedade da empresa. Os agricultores que reutilizam sementes geneticamente modificadas enfrentam ações judiciais e, de fato, a Monsanto ganhou recentemente um caso em uma decisão da Suprema Corte dos EUA.

“Certamente a pesquisa passou para a produção das sementes transgênicas (…) e a pesquisa custa dinheiro”, disse Turkson. “Mas isso não significa que, se as sementes transgênicas vierem a ser o que as pessoas têm que usar, e se você não tem dinheiro para comprá-las, então você não pode produzir comida. Se assim fosse, eu acho, estaríamos numa posição pior do que estamos agora”.

Enquanto crescia em Gana, o cardeal testemunhou a luta de sua mãe para criá-lo e também a seus nove irmãos.

“A comunidade em que crescemos era uma comunidade mineira”, disse ele. “Não havia muito espaço para qualquer jardinagem (…) Minha mãe comprava legumes em mercados maiores e os trazia para o nosso mercado local para comercializá-los.”

“Se a possibilidade de semear um hectare, se a possibilidade de produzir culturas depender de sementes que precisam ser compradas, sementes que precisam ser elaboradas e disponibilizadas – se algo acontecer nesse processo e alguém não puder comprar as sementes, ou se tornar difícil que as sementes cheguem aos agricultores, então haverá dificuldades. Esse é um cuidado que eu quero ter. Se todos os tipos de agricultura ficarem reduzidos à semeadura e ao uso de sementes geneticamente modificadas (…) em algumas comunidades remotas, onde isso não é possível, se isso era tudo o que estava disponível, então haverá dificuldades”.

Em um e-mail enviado ao NCR, Kenneth Quinn, presidente da Fundação do Prêmio Mundial de Alimentação, escreveu: “Como alguém que estava na colina da Living History Farm, próxima a Des Moines, em outubro de 1979, para ouvir o Papa João Paulo II transmitir a sua mensagem poderosa sobre e alimentação de milhões de pessoas que passam fome, eu fiquei emocionado quando o cardeal Turkson aceitou o nosso convite para vir a Iowa para continuar o diálogo que devemos ter sobre o grande desafio que enfrentamos no fornecimento de uma alimentação adequada para todos os 9 bilhões de pessoas que estarão em nosso planeta até o ano de 2050″.

Turkson concordou que a solução da fome no mundo “é mais importante a longo prazo, porque estamos pensando na preocupação de alimentar a população mundial, que tem estado conosco por um tempo”.

“E quais são os programas para lidar com isso? Apenas incentivar um monte de sementes geneticamente modificadas? (…) Isso é um problema ou não? É o que ainda precisamos olhar”, disse.

O cardeal comparou a questão dos transgênicos nos países subdesenvolvidos com os problemas que surgiram com as corporações de países industrializados tentando resolver a epidemia de HIV/Aids.

“Embora as drogas antirretrovirais foram apresentadas como uma solução, e todo o mundo sabia que se as pessoas tivessem acesso a elas muitas pessoas iriam sobreviver, não era possível ter as drogas em todos os lugares e sempre que necessário – os remédios custam dinheiro”, disse.

Duke Tagoe, da organização popular Food Sovereignty Ghana, repetiu o que o cardeal disse. “Quem controla as sementes controla toda a cadeia alimentar”, escreveu ele no site da organização. “Essas sementes não são de propriedade de qualquer entidade africana, elas são propriedade de empresas norte-americanas”.

Independentemente da posição de Turkson sobre a questão, no entanto, ele disse que ainda pretende “ouvir tudo e ver como podemos fazer uma apresentação favorável da questão, algo que seria aceitável para ambos os lados”.

“Nós não estamos, ao dizer isso, afirmando que podemos conciliar (…) ambos os lados da divisão”, disse Turkson. “Mas acho que se as pessoas mantiverem suas posições, isso significa que elas estão convencidas de que há algo que vale a pena ser ouvido. Acho, portanto, que devemos incentivar ambos os lados a ouvir uns aos outros”.

Com essa tática, o cardeal pode impedir um fogo cruzado de tomates orgânicos e tomates transgênicos durante os eventos de outubro. Até então, ele pode arrumar uma capa de chuva – caso seja necessário.

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