Brizola inspira prefeito mais rico do país.

São oito horas da manhã. Em um acanhado escritório ao fundo da recepção de seu hotel, Otaviano Pivetta, prefeito eleito de Lucas de Rio Verde, pequeno município encravado no centro de Mato Grosso, a 350 quilômetros de Cuiabá, discute com cinco assessores a composição do futuro governo.

 

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Vestindo uma camisa lilás e jeans claros, óculos na ponta nariz, ele folheia o organograma da prefeitura enquanto toma chimarrão, ouve sugestões para cargos e ordena as alterações que serão anunciadas à imprensa no dia seguinte. Apoiado por ampla coligação de partidos (PDT, PR, PSDC, PV, PSDB, DEM, PPS, PSB, PMN, PSC, PRP, PSDPHS) e eleito com 54,57% dos votos contra um primo de segundo grau, o peemedebista Rogério FerrarinPivettaestá prestes a começar seu terceiro mandato depois de governar a cidade entre 1997 e 2004 e fazer seu sucessor.

A reportagem é de Gerson Freitas Jr. e publicada pelo jornal Valor, 17-12-2012.

Desta vez, no entanto, sua eleição extrapolou os limites regionais e ganhou repercussão nacional: Pivetta, que foi deputado estadual antes de voltar a comandar Lucas do Rio Verde, é o prefeito eleito mais rico do Brasil em 2012, com patrimônio declarado de R$ 321 milhões, com ampla margem sobre o segundo colocado no ranking, seu aliadoMauro Mendes (PSB), de Cuiabá, com pouco mais de R$ 116 milhões.

Sua campanha custou pouco mais de R$ 2,5 milhões, de acordo com o declarado à justiça eleitoral. Do total, R$ 1,7 milhão foi desembolsado pelo candidato. “Um investimento cívico”, diz. Outros R$ 606 mil foram doados pela Fiagril, empresa de insumos agrícolas e biodiesel ligada ao atual prefeito, Marino Franz, e ao vice de OtavianoMiguel Ribeiro. Seu adversário gastou pouco menos, R$ 2,1 milhões.

Aos 53 anos, Pivetta é o principal acionista da Vanguarda Agro, empresa fundada por ele em 2004 e uma das maiores produtoras de soja, milho e algodão do país, com mais de 200 mil hectares cultivados (uma área mais extensa que a capital paulista) e ações negociadas na BM&FBovespa. Entre outros negócios, possui ainda granjas de suínos, uma transportadora, terras agrícolas e loteamentos, além de uma incorporadora imobiliária e o hotel. À frente do município de quase 50 mil habitantes, receberá um salário mensal de R$ 12 mil.

O gabinete improvisado, onde recebe vereadores, empresários e entidades de classe, é um espaço acanhado e com poucos móveis, sobre os quais disputam espaço papéis, mochilas, caixas de papelão e potes de suplementos vitamínicos. Na parede cor de mostarda atrás de sua mesa, o político mantém pendurada uma camisa xadrez de gola puída emoldurada junto a um “santinho” onde se lê “Gordo Pivetta“, referência ao apelido de infância. “Essa foi a camisa com que debutei na política. Usei durante toda a campanha de 1996 e só tirava para lavar”, sorri.

Pivetta nasceu no pequeno município gaúcho de Caiçara, próximo à divisa com Santa Catarina, onde até hoje vivem seus pais, uma professora e um caminhoneiro e político local. Seu pai, Tilídio, foi duas vezes prefeito da cidade entre 1969 e 1982. Dele, assegura, herdou o gosto pelo “pelo serviço comunitário e a política”. Já o “gosto pela terra” foi herdado do avô materno, pequeno agricultor familiar. “Estudava de manhã, numa escola que o [Leonel] Brizola fez, depois corria para a colônia. Meu prazer era a lavoura.”

Aos 14 anos, largou os estudos e foi administrar um caminhão comprado pelo pai, seu primeiro “business”. Mas, logo aos 18, desistiu do negócio. Por sugestão da mãe, foi cuidar de uma área de 15 hectares que o pai, então gerente de uma frota de tratores de esteira, havia desmatado e adquirido no enclave entre os municípios de Sarandi, Ronda Alta e Rondinha. Começava ali a trajetória de um dos maiores produtores rurais do Brasil.

Pivetta pisou pela primeira vez em Lucas do Rio Verde cinco anos mais tarde, em fevereiro de 1982, quando ajudou na mudança de um tio que, por orientação médica, buscava um lugar mais quente para viver. O tio, “um homem rico”, havia comprado de grileiros a posse de 3 mil hectares na região – pouco tempo depois, dois terços da área foram desapropriadas pelo Incra para a reforma agrária.

À época, Lucas do Rio Verde, então um território pertencente à Diamantino, a 200 quilômetros dali, abrigava um projeto de assentamento rural usado pelo regime militar para reduzir as tensões na Encruzilhada Natalino, acampamento que marcou o nascimento do MST. O acampamento, conta Pivetta, ficava a poucos quilômetros de sua propriedade. “Eram legítimos sem-terra, filhos de colonos, vocacionados para a agricultura. Nos fins de semana, enchia o caminhão com os amigos e ia jogar bola com eles”.

Nos idos de 1981, o então presidente João Batista Figueiredo incumbiu o temido coronel Sebastião Curió da tarefa de resolver a situação na Encruzilhada. “O Curió foi quem abriu essas terras. Ele nos ofereceu 200 hectares no assentamento de Lucas do Rio Verde e financiamento para ‘abrir’ 25 hectares. Aceitamos sem ver. Era muita terra”, recorda-se o produtor Ildo Romancini, um dos trabalhadores sem-terra assentados em Lucas naquela ocasião. Com o fracasso da primeira safra de arroz, castigada por uma estiagem, e sem crédito, muitas famílias venderam ou abandonaram suas terras e voltaram para o Sul já no ano seguinte. “Meu tio então me ligou para contar que os colonos estavam indo embora e que uma leva de sulistas estava comprando a posse dessas terras”, conta Pivetta. Ele então vendeu seus 15 hectares no Sul e, com o dinheiro, comprou 400 hectares em Lucas do Rio Verde.

Na década de 1980 o município estagnou-se economicamente, mas alcançou sua emancipação política. Em 1988 elegeu seu primeiro prefeito, o produtor rural Werner Kothrade, pelo PMDB. Em 1992, seu vice, Paulo Nunes, foi o escolhido, derrotando o pefelista Otacildo Pivetta, o “Chico”, irmão mais velho de Otaviano. Lucas demorou a se desenvolver. “Em 1994, o governo fez o linhão de energia ligando Cuiabá a Sinop, que passava por Lucas do Rio Verde. Mesmo assim, não ‘baixou a energia’ aqui. Isso nos humilhou demais”, recorda-se. Em 1996, Pivetta estava de malas prontas para Nova Mutum, onde estava a maior parte de suas terras. “Quando as discussões políticas começaram, pensei: não posso sair sem ao menos tentar. Sempre me interessei pela vida comunitária, pela política”. Resolveu disputar pelo antigo PFL (hoje, DEM). Elegeu-se.

Desde então, seu grupo político nunca mais deixou o poder. Pivetta foi reeleito em 2000 e, em 2004, elegeu seu vice,Marino Franz, que se manteve por oito anos no cargo. Neste período, Lucas do Rio Verde passou por profunda transformação, acompanhando o boom econômico gerado pela soja em Mato Grosso. Com a chegada das agroindústrias (BungeCargillADMAmaggi BRF-Brasil Foods) a partir do fim dos anos 1990, a arrecadação da cidade saltou de pouco mais de R$ 6,8 milhões, em 1997, para R$ 104,3 milhões em 2012 – a indústria é responsável por quase um a cada três empregos. Já a população praticamente quadriplicou, para 45,5 mil habitantes em 2011 – a prefeitura estima que esse número esteja hoje próximo de 55 mil. Os anos 2000 também catapultaram os negócios de Pivetta: em menos de uma década, ele saíra de pouco mais de 7 mil hectares cultivados para 220 mil.

Em 2009, o município alcançou o oitavo lugar no ranking nacional do índice de desenvolvimento municipal daFederação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), que leva em consideração dados sobre saúde, educação, emprego e renda. Já o Indicador Social de Desenvolvimento dos Municípios (ISDM), da Fundação Getúlio Vargas, coloca Lucas apenas em 1314º no ranking nacional, mas na terceira posição entre os municípios mato-grossenses. Lucas também colocou três escolas municipais entre as 10 melhores de Mato Grosso, de acordo com o Ideb, com nota acima da meta nacional para 2021 – grupo em que se encontram apenas 3% das escolas brasileiras. De acordo com o ISDM, a cidade possui a melhor educação de Mato Grosso.

Pivetta atribui os bons indicadores à filosofia de gestão “baseada em resultado” e ao fato de que Lucas do Rio Verde possuir uma estrutura “jovem, sem vícios e penduricalhos”. “Não somos um município rico. Temos área de produção relativamente pequena e apenas a 55ª receita per capita do Estado. Tem município que tem o dobro da receita, mas somos melhores em tudo”, afirma, não sem algum exagero.

Pivetta não esconde a profunda admiração por Leonel Brizola. Durante a infância, conta, se emocionava ao ouvir, naRádio Guaíba, os discursos de Pedro Simon Paulo Brossard sobre o ex-governador, então exilado. “Era um ídolo. Brizola fez quase 6 mil escolas, as ‘brizoletas’, e levou educação a todo o Estado. Não é à toa que os gaúchos colonizaram todo o Brasil agrícola. Foi um homem ousado e corajoso”. As escolas em Lucas do Rio Verde, todas equipadas com quadra esportiva e piscina, têm inspiração brizolista.

Segundo o empresário, 90% dos colonos assentados em Lucas do Rio Verde eram pedetistas. Ele próprio, garante, só se filiou ao PFL para apoiar a campanha do irmão em 1992. “O PDT estava tomado pelo outro grupo político naquela época. Quando tive a chance, voltei.” Pivetta filiou-se ao partido fundado por Brizola em 2005, após uma passagem pelo PPS, de Blairo Maggi. “Mas não fizemos muita coisa desde então. Construir partido de que jeito? No Brasil não dá para defender uma sigla, é uma picaretagem completa.”

Entre os políticos no poder, Pivetta não esconde sua admiração pela presidente Dilma Rousseff. “Ela conseguiu o direito de ser candidata sem ser populista num momento em que o Brasil chegou quase a se acostumar com o populismo de Lula. Ela também foi do PDT, amiga do Brizola, secretária do Alceu Collares, meio gaúcha, meio mineira”, diz. O entusiasmo não o impediu de votar em Serra nas eleições de 2010. “Naquele ano ela veio no palanque do PMDB e isso nos prejudicou muito, porque também éramos da base”. Pivetta era candidato a vice-governador na chapa de Mauro Mendes (PSB), que acabou derrotado pelo peemedebista Silval Barbosa.

Sobre Lula, afirma “que foi bom para o Brasil, especialmente pela grandeza de pegar na mão da Dilma e dizer: ‘essa será minha sucessora'”. “O político tem de saber fazer seu sucessor. Quem faz um bom mandato tem poder para eleger quem quiser”. A frase é um autoelogio (Marino Franz, seu sucessor em 2004, terminou o mandato com mais de 80% de aprovação), mas também uma crítica ao ex-governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, de quem foi secretário de Desenvolvimento Rural por apenas seis meses em 2005.

Blairo foi a nossa inspiração, nosso líder. É um homem humilde, sincero. Fez um primeiro mandato revolucionário, mas optou por não enfrentar o modelo”, afirma. Em lados opostos nas eleições de 2010, Maggi e Pivetta se distanciaram. Mesmo assim o ex-governador foi a Lucas oferecer seu apoio a Pivetta.

Apesar de sua ligação afetiva com o brizolismo e o PDTPivetta não se considera de esquerda. “Me defino como um produtor de resultado. Se a sociedade me confia um mandato, vou defender seus interesses e cuidar de fazer bons negócios para ela. O que funciona para a empresa, funciona para o governo”. O megaprodutor critica o tamanho do Estado, “concorrente dos empreendedores e pouco gentil com quem quer trabalhar e produzir”, mas afirma ser “seu dever dar aos menos favorecidos dignidade e oportunidade”. Pivetta se diz favorável ao Bolsa Família “desde que liberte o cidadão”, ao ‘Minha Casa Minha Vida’, “programa extraordinário” e o Saúde da Família, “um contribuição fantástica do [José] Serra“. Lucas é atendida pelos três programas. Embora tenha sido candidato a vice-governador,Pivetta garante que não tem ambições de comandar o Estado. “Não penso nisso”, rechaça. A seu ver, falta-lhe a “simpatia” para aglutinar forças.

O empresário põe em dúvidas o posto de ‘prefeito mais rico do país’ e diz que seu nome lidera porque declara seus bens pelo valor real, “o que pouca gente deve fazer”. Ele garante ainda que, na maior parte do tempo, sequer se lembra do dinheiro. “Minha vida é simples, gosto de viver em sociedade. Para ele, empresários como ele poderiam dar uma contribuição maior ao país se “levassem a sério a política. Há uma cultura entre os empresários de permanente oportunismo em relação à política. Aqui, você ajuda a Dilma com 50 e o Serra com 50, porque é importante que o governo eleito deixe as coisas como estão. Isso é errado!”.