BPA e outros disruptores endócrinos são prejudiciais à saúde humana 

O BPA é um produto químico industrial usado para fazer plástico duro e transparente conhecido como Policarbonato e a resina Epóxi.  Também é usado no forro de algumas latas e é ilegal vender mamadeiras com BPA no Canadá. A IMPRENSA CANADENSE/Jonathan Hayward

https://theconversation.com/science-shows-that-bpa-and-other-endocrine-disruptors-are-harmful-to-human-health-which-should-incite-tighter-regulations-178872

Valérie S. Langlois e Isabelle Plante

March 30, 2022

Pelo que a ciência mostra, deve-se estimular regulamentações mais rígidas

Mais de duas décadas após a publicação de Our Stolen Future (nt.: livro que também foi editado no Brasil com o título ‘O Futuro Roubado’, pela L&PM Editores, em 1997. Ver no nosso website, há mais de 10 anos, todos os aspectos levantados por esse livro, de várias origens), qual é o estado da pesquisa sobre os ? Esses contaminantes sorrateiros continuam a interferir com nossos hormônios?

No livro, os cientistas Theo Colborn e John Peterson Myers, juntamente com a jornalista Dianne Dumanoski, esclarecem os terríveis efeitos que muitos contaminantes ambientais estão causando na saúde dos seres vivos, pois interagem com o sistema hormonal, também chamado de sistema endócrino.

Esses produtos químicos, chamados diruptores endócrinos, podem imitar ou interferir nos hormônios do corpo, incluindo hormônios da tireoide, estrogênio, testosterona, etc. Os disruptores endócrinos podem prejudicar o desenvolvimento e o funcionamento adequado dos sistemas reprodutivo, nervoso e imunológico em humanos e animais, afetar as gerações futuras.

Uma de nós, Valérie, ocupa a Cátedra de Pesquisa do Canadá em Ecotoxicogenômica e Disrupção Endócrina. A outra, Isabelle, estuda as causas ambientais do câncer de mama. Juntas, fundamos o Centro Intersetorial de Análise de Disruptores Endócrinos (ICEDA) no Institut National de la Recherche Scientifique.

Junto com nossos colegas, publicamos recentemente uma coletânea de artigos que revisam a literatura científica sobre diruptores endócrinos e seus impactos deletérios na saúde.

A origem dos disruptores endócrinos

Chris Metcalfe, professor emérito da escola de meio ambiente da Universidade de Trent, e seus colegas identificaram vários disruptores endócrinos no meio ambiente (água, solo, ar, sedimentos), em alimentos e produtos de consumo. Estes incluem agrotóxicos organoclorados, retardadores de chama bromados, substâncias per e polifluoroalquil (usadas em revestimentos antiaderentes), alquilfenóis (usados ​​em detergentes), ftalatos (usados ​​em cosméticos), bisfenol A e seus análogos (usados ​​em plásticos), organoestanhos (usados ​​como agentes anti-incrustantes) e outros.

O bisfenol A (ou BPA) é um bom exemplo de um disruptor endócrino. Desde 1960, ele foi incorporado à maioria dos plásticos que usamos todos os dias, desde garrafas plásticas e recipientes de alimentos até recibos de caixa registradora e produtos enlatados.

O BPA tem uma estrutura que se assemelha ao estrogênio natural. Por causa disso, foi considerado para uso como medicamento para tratar mulheres na menopausa na década de 1930, antes de seu uso generalizado na produção de plásticos algumas décadas depois (nt.: aqui vale uma ressalva importante: um pesquisador da Universidade de Londres, Dr. Edward Charles Dodds, reconhece a estrogenicidade do BPA. No entanto, considerou ‘um estrogênio fraco’ e assim desenvolve a terrível substância dietilestilbestrol/DES, que considerou a ‘substância mãe’ de todos os estrogênios sintéticos. Essa molécula causou a partir dos anos 40 até sua proibição nos anos 70, lesões em mais de 8 mil crianças em 48 países).

No organismo, o BPA se liga aos receptores estrogênicos nas células e induz respostas inadequadas e intempestivas, como o aumento da proliferação celular, o que poderia promover o desenvolvimento de tumores (nt.: além de bloquear hormônios masculinos, feminizando os machos).

Infertilidade em espécies animais

Uma revisão de literatura liderada por Vicki Marlatt, pesquisadora de toxicologia ambiental da Simon Fraser University, revela uma descoberta contundente e generalizada: muitos desses contaminantes ambientais prejudicam a reprodução em peixes, anfíbios, pássaros, mamíferos e humanos, reduzindo suas chances de produzir descendentes viáveis.

Em humanos e outros animais, o desenvolvimento embrionário e os estágios iniciais da vida são os períodos mais suscetíveis aos efeitos desses contaminantes.

Géraldine Delbès, professora de toxicologia reprodutiva do INRS, e seus colegas mostraram que a exposição a disruptores endócrinos durante essa janela de suscetibilidade leva a mudanças na programação testicular e ovariana.

Por exemplo, uma diminuição nos andrógenos (testosterona e diidrotestosterona) e um aumento nos estrogênios podem levar a um distúrbio de desenvolvimento dos testículos em crianças chamado síndrome da disgenesia testicular, que aumentou globalmente nos últimos 50 anos.

A exposição fetal pode levar à doença adulta

Nossa pesquisa com Cathy Vaillancourt, que estuda gravidez e toxicologia no INRS, mostrou que os disruptores endócrinos podem interferir nos hormônios produzidos pela placenta, conhecidos por suas robustas barreiras de defesa, o que pode levar a complicações de saúde mais tarde na vida. Doenças crônicas como diabetes e obesidade têm sido associadas à exposição a disruptores endócrinos que atravessam a barreira placentária durante o desenvolvimento fetal.

Também mostramos que a exposição precoce a moduladores endócrinos pode afetar o desenvolvimento das glândulas mamárias fetais e aumentar o risco de desenvolver câncer de mama na idade adulta. Estes incluem BPA, retardadores de chama bromados e dietilestilbestrol (DES). A pesquisa de Étienne Audet-Walsh, que estuda endocrinologia e nefrologia na Universidade Laval, e seus colegas sugeriram que a exposição a disrutores endócrinos pode estar ligada ao desenvolvimento do câncer de próstata .

Alguns estudos encontraram ligações entre disruptores endócrinos e o desenvolvimento de diabetes. (Shutterstock)

Múltiplos efeitos fisiológicos

Os disruptores endócrinos também podem alterar outras vias hormonais, incluindo as da glândula tireoide, que também estão envolvidas no controle do estresse, imunidade e metabolismo (nt.: a tiroxina, hormônio da tiroide materna, é fundamental para o saudável desenvolvimento inicial do sistema nervoso central/cérebro dos embriões. A presença dos elementos Bromo, Cloro e Flúor, presentes em muitíssimos desses disruptores endócrinos, deslocam o Iodo, elemento chave da tiroxina, e assim os embriões não recebem suficientes tiroxinas e podem nascer com retardo mental).

Com Caren Helbing, bioquímica da Universidade de Victoria, desenvolvemos uma compreensão dos impactos que os níveis alterados de hormônios da tireoide podem ter em outros sistemas hormonais. Por exemplo, quando os disruptores endócrinos diminuem os níveis de hormônios tireoidianos, a reprodução, o estresse e o metabolismo também são afetados.

Chris Martyniuk, fisiologista animal da Universidade da Flórida, e sua equipe identificaram novos alvos de moduladores endócrinos, como os glicocorticóides (corticosteróides). Eles citam dois exemplos de estudos em seu trabalho, incluindo a ligação entre altos níveis de BPA na urina e um risco aumentado de doença cardiovascular. Certos disruptores endócrinos (arsênio, ftalatos, agrotóxicos organofosforados) podem interferir na insulina e levar à obesidade.

De uma geração para outra

Os disruptores endócrinos também podem ter efeitos transgeracionais. Por exemplo, quando os peixes são expostos a água contaminada com antidepressivos, a prole de sua prole mostra uma resposta alterada ao estresse, mesmo que essas gerações nunca tenham sido expostas a esses produtos químicos.

Bernard Robaire, professor de reprodução, farmacologia e toxicologia da Universidade McGill, tentou explicar como os disruptores endócrinos afetam as gerações futuras. Os dados que ele e sua equipe compilaram indicam que os efeitos desses produtos químicos não são resultado de mudanças no código genético, mas de outras mudanças celulares, incluindo quais genes são ativados ou desativados, um mecanismo chamado epigenética.

A extensão a longo prazo dessas consequências não é completamente compreendida. Serão necessárias pesquisas genéticas e epigenéticas adicionais sobre os mecanismos subjacentes à ação dos disruptores endócrinos, mas também precisamos entender melhor os papéis dos estressores sociais, metabólicos e ambientais.

Globalmente, acreditamos que a colaboração e a liderança internacional são cada vez mais necessárias para o avanço da ciência dos disruptores endócrinos. Devemos passar do estágio de pesquisa que caracteriza os efeitos negativos desses produtos químicos à saúde para um que desenvolve as melhores práticas para sua regulação, que continua sendo um importante tópico de discussão em todo o mundo.

Professora titular, Institut National de la Recherche Scientifique (INRS)

Professora Associada, Institut National de la Recherche Scientifique (INRS)

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, abril de 2022.