Biodiversidade: as consequências deletérias dos agrotóxicos na fauna do solo, são generalizadas

De acordo com uma extensa revisão de estudos realizados entre 1990 e 2018, os agrotóxicos ainda têm efeito, mesmo em doses de tratamento comuns. Aqui, uma vespa-aranha e uma aranha-lobo, na Lorena, em abril de 2020. STÉPHANE VITZTHUM / BIOSPHOTO

https://www.lemonde.fr/planete/article/2023/06/11/biodiversite-les-consequences-deleteres-des-pesticides-sur-la-faune-du-sol-sont-generalisees_6177101_3244.html

Perrine Mouterde

11 de junho de 2023

Estudo após estudo, a extensão dos efeitos dos produtos fitossanitários sobre a , que está desmoronando em uma velocidade vertiginosa, continua a ficar mais clara. Para as aves, rastreadas e contadas por décadas por batalhões de cientistas e voluntários, um grande estudo publicado em maio mostrou que o uso de agrotóxicos e fertilizantes foi a principal causa de seu declínio na Europa. Para colêmbolos, ácaros, aranhas ou minhocas, o diagnóstico permanece menos refinado.

Uma metanálise, publicada na quarta-feira, 7 de junho, na revista britânica Journal of Applied Ecology, no entanto, completa o quadro ao mostrar que as consequências deletérias dos agrotóxicos sobre a fauna presente no solo são bem generalizadas. “Até agora, havia estudos sobre um grupo taxonômico emblemático, como as aranhas, ou sobre um determinado produto, mas faltávamos dados quantitativos”, explica Léa Beaumelle, principal autora do estudo, pesquisadora de pós-doutorado no CNRS/Centre National de la Recherche Scientifique da Université Toulouse-III – Paul-Sabatier. “Ao compilar muitos estudos, mostramos que, em geral, os agrotóxicos reduzem a abundância e a diversidade das comunidades faunísticas do solo.»

“Comunicação ao público”

Os investigadores reuniram mais de cinquenta estudos, publicados entre 1990 e 2018, sobre animais que vivem no solo – desde os mais pequenos organismos detetáveis ​​microscopicamente, como os nemátoides, até aos observáveis ​​a olho nu, por exemplo, os insetos. Eles selecionaram principalmente trabalhos sobre comunidades faunísticas “naturais” – ou seja, estudadas em experimentos de campo e não em laboratório – e realizados em condições “realistas”, nas quais inseticidas, herbicidas, fungicidas e substâncias de amplo espectro (não visando qualquer espécie específica) são utilizados de acordo com as doses recomendadas.

“Este estudo demonstra que os agrotóxicos sempre têm efeito, mesmo em doses de tratamento muito comuns, e que esse efeito é significativo” (nt.: mesmo sem reconhecer, já mostra ser um indício de que as doses toxicológicas e as doses fisiológicas precisam ser entendidas diferentemente e que as chamadas ‘baixas doses’ não se conectam com o axioma de Paracelsus de que é a dose que define se uma substância é medicamento ou veneno), resume Marc-André Selosse, professor do Museu Nacional de História Natural de Paris, que não participou deste trabalho . De certa forma, esse resultado não é muito surpreendente: a bióloga americana Rachel Carson soou o alarme há sessenta anos [sobre os perigos dos agrotóxicos]. Mas temos que continuar explicando a mesma coisa, multiplicarmos as análises para fazermos meta-análises, porque ainda não entendemos. Em termos de atuação, ainda não integramos esses impactos.» (nt.: aqui está uma fala que demonstra como ainda não está internalizado de que imitando, inibindo ou alterando hormônios, essas substâncias, no caso agrotóxicos, atuam em ‘doses infinitesimais’ como os próprios hormônios agem).

Estima-se que cerca de um quarto das espécies conhecidas – pouco mais de dois milhões foram descritas – são dependentes do solo. “Para mim, este estudo carece de micróbios e fungos, que também são extremamente importantes, observa Marc-André Selosse, especialista em microbiologia do solo. Também carece de uma figura cativante, que permita comunicar ao público sobre o declínio desta biodiversidade.” A métrica utilizada para este tipo de metanálise não permite chegar a uma queda percentual global na abundância ou na diversidade, sendo as consequências dos pesticidas muito variáveis ​​consoante a dose ou a concentração.

Uma minhoca, França, em 2007. FRÉDÉRIC NEVOIT / BIOSPHOTO

Os resultados deste trabalho, por outro lado, mostram que os agrotóxicos têm um efeito maior na diversidade do que na abundância de espécies, e que os diferentes grupos de organismos estudados são afetados de maneira semelhante, independentemente do seu tamanho. Eles também apontam que o uso de uma única substância de amplo espectro ou a aplicação combinada de várias substâncias, de uma só vez ou durante a estação de crescimento, é mais prejudicial à vida selvagem do que uma única substância direcionada.

Revise o processo de aprovação

“As aplicações de neonicotinóides (nt.; agrotóxicos sintéticos que tentam simular os efeitos da nicotina presente naturalmente no tabaco), por exemplo, só resultaram em reduções significativas quando combinadas com outros agrotóxicos”, escrevem os autores do artigo. Esta é uma descoberta alarmante, pois misturas de agrotóxicos são frequentemente encontradas em solos agrícolas. Um estudo recente realizado por pesquisadores franceses destaca a presença generalizada de produtos fitossanitários em terras agrícolas: em cerca de cinquenta locais na França, 98% contêm pelo menos uma substância ativa e 83% pelo menos três substâncias, sendo a média de quinze moléculas diferentes detectadas.

Léa Beaumelle e seus coautores acreditam que as conclusões de seu estudo devem ter “fortes implicações” para a agricultura e recomendam a redução do uso de agrotóxicos, seu número, a frequência de aplicações, bem como a revisão do processo de aprovação e comercialização desses produtos para melhor levar em conta o coquetel e os efeitos a longo prazo. Em 15 de junho, o tribunal administrativo de Paris pode condenar o Estado por responsabilidade por suas falhas em termos de avaliação de risco (nt. aqui está a decisão de 16.06 sobre essa acusação do estado quanto à poluição do ar, sendo uma situação totalmente inédita e transformadora feita por Paris) e autorização de agrotóxicos, e por não ter respeitado os objetivos a que se propôs em termos de redução do uso desses produtos, como parte dos planos Ecophyto.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, junho de 2023.