Autismo, gestantes, agrotóxicos, cosméticos e plásticos. Segundo estudo canadense, a quantidade de substâncias ligadas ao autismo é maior do que imaginada.
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O TEA é um distúrbio de desenvolvimento complexo que envolve diversos fatores, sendo que a genética desempenha um papel crucial. De acordo com Dorota Crawford, professora da Faculdade de Cinesiologia e Ciências da Saúde da Universidade de York, no Canadá, os estudos mostram que alguns compostos químicos encontrados em produtos do dia a dia, como rímel, detergente e embalagens, interrompem a produção de uma molécula de lipídio chamada prostaglandina E2 (PGE2), importante para o desenvolvimento e o funcionamento cerebral. Por isso, a exposição a essas substâncias poderia aumentar o risco de a criança ter autismo.
Crawford diz que a intenção não é provocar pânico nas gestantes ou em mulheres que desejam engravidar, mas ajudá-las a evitar fatores de risco. “Nosso objetivo é que fiquem mais vigilantes e, especialmente no primeiro trimestre da gravidez, evitem se expor a produtos químicos como cosméticos e cremes que colocam no corpo sem saber que estão cheios de compostos que podem prejudicar o feto”, diz. A especialista recomenda a leitura de rótulos antes de comprar ou utilizar algum produto.
Alguns desses compostos são mais fáceis de identificar e já foram associados anteriormente a problemas neurológicos – caso dos pesticidas DDTs, reconhecidamente perigosos à saúde de animais e humanos e banidos de diversos países, incluindo o Brasil, por estarem relacionados a cânceres e outras doenças. Metais pesados, como mercúrio e chumbo, descartados no ambiente como resíduo industrial, também têm forte associação com distúrbios do desenvolvimento, algo identificado há muito tempo.
A maior dificuldade, porém, é detectar os compostos perigosos ao feto nas classes de cosméticos e bens de consumo, pois a maioria das pessoas não tem qualquer familiaridade com os nomes. “Produtos que usamos no dia a dia potencialmente contêm químicos que se acumulam no nosso organismo dentro dos tecidos de gordura. Eles se tornaram uma preocupação para a saúde humana. Muitos conseguem entrar na corrente sanguínea através da pele e por outras barreiras protetivas entre a mãe gestante e o feto”, afirma Crawford.
Alguns dos bens de consumo que podem conter químicos perigosos incluem lubrificantes, retardantes de chamas, embalagens plásticas, materiais de construção, produtos de beleza e higiene, entre outros. “Um uso persistente desses produtos pode levar à absorção e à bioacumulação de certos compostos no corpo”, ressalta. A especialista recomenda prestar atenção aos seguintes nomes: hidrocarbonetos halogenados aromáticos (HAHs), bifenilos policlorados (PCBs), éteres bifenilos polibromados (PBDEs) — esses dois últimos, exemplos de HAHs.
Também deve-se ficar de olho em produtos que contêm ftalato de dietila, um composto sintético utilizado em plásticos e encontrados em PVC, brinquedos infantis, embalagens, cosméticos, cremes, loções e fragrâncias. “Os ftalatos são usados amplamente para embalagens de alimentos. Nos Estados Unidos, há grandes concentrações desses compostos em carnes, óleos de cozinha e iogurtes”, afirma Crawford.
Barreira frágil
A pesquisadora da Universidade de York explica que, uma vez no corpo da gestante, esses químicos podem chegar ao cérebro em desenvolvimento, ao ultrapassar a barreira sangue-cérebro que, no feto, ainda está se maturando. Essa fina camada física filtra seletivamente as substâncias que circulam na corrente sanguínea, impedindo que alcancem o sistema nervoso central. Da mesma forma, a barreira placental permite a passagem de nutrientes para o feto, mas evita que compostos perigosos cheguem a ele. Contudo, é somente após a 10ª semana de gestação que essas estruturas estão maduras. “Por isso, o início da gestação é o período mais vulnerável, de maior risco em relação a substâncias químicas”, indica Christine T. Wong, pesquisadora de neurociências da Universidade de York e principal autora do artigo.
De acordo com Philip Landrigan, um dos maiores especialistas mundiais em pesquisas sobre influência ambiental na saúde infantil, a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos indica que 3% de todos os distúrbios neurocomportamentais pediátricos, como autismo e transtorno de deficit de atenção, estão associados à exposição a toxinas. Outros 25% estariam ligados à interação entre fatores ambientais e genética. “Nós sabemos que há substâncias químicas fortemente associadas aos problemas do desenvolvimento cerebral. Contudo, não compreendemos ainda muito bem como isso acontece”, observa.
Segundo o professor de medicina preventiva da Faculdade de Medicina de Monte Sinai, nos Estados Unidos, os cientistas estão trabalhando para entender melhor o papel dessas toxinas nos distúrbios do neurodesenvolvimento. “O que sabemos é que um número alto de químicos de ampla utilização não foi avaliado ainda sobre seu potencial de toxidade, e isso nos preocupa bastante. O conhecimento das causas ambientais nos distúrbios do desenvolvimento neural é criticamente importante porque pode torná-los preveníveis”, afirma Landrigan.