Aumenta a campanha contra o glifosato em cultivos latino-americanos.

Após o pronunciamento da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre os efeitos “provavelmente cancerígenos” do glifosato, intensifica-se a campanha na América Latina para proibir, “antes que seja tarde”, esse herbicida, o mais vendido na região e usado maciçamente nos cultivos transgênicos.

 

Aumenta a campanha contra o glifosato em cultivos latino-americanos

 

por Fabiana Frayssinet, da IPS

A fumigação de cultivos ilícitos com glifosato prejudicou o ambiente da selva colombiana. Foto: Domínio público

Buenos Aires, Argentina, 9/4/2015 – Em uma publicação do dia 20 de março, os cientistas da Agência Internacional para Pesquisa sobre o Câncer, da OMS, incluíram o mais usado no mundo como “provável” causa da doença, como resultado de numerosos estudos. Com esse informe, organizações sociais e científicas latino-americanas consideram que os governos não têm mais desculpas para não intervir, depois de anos de investigação sobre o dano à saúde e ao ambiente do glifosato em níveis regional e mundial.

“Acreditamos que se deve aplicar o princípio de precaução, evitar continuar acumulando informação de pesquisas, e tomar decisões que não cheguem muito tarde”, afirmou à IPS Javier Souza, coordenador da Rede de Ação em Praguicidas e suas Alternativas na América Latina (Rap-AL). “Defendemos a proibição do glifosato que deveria começar no curto prazo com restrições à compra, suas aplicações e embalagens”, explicou Souza, também responsável pelo Centro de Estudos sobre Tecnologias Apropriadas da Argentina.

Carlos Vicente, dirigente da Grain, organização internacional que promove a atividade camponesa e a agricultura sustentável, recordou à IPS que o herbicida entrou no mercado em meados da década de 1970 e se estendeu maciçamente pelo Cone Sul americano, promovido pela corporação de biotecnologia Monsanto, dos Estados Unidos. “Seu crescimento sustentado se deve em grande parte aos cultivos transgênicos, geneticamente modificados para tolerar o glifosato, como a soja RR (Roundup Ready), introduzida na Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e em outros países”, explicou.

A soja transgênica ocupa 50 milhões de hectares na região e em seu cultivo são usados 600 milhões anuais do herbicida, assegurou Vicente. No total, segundo dados de Souza, há 83 milhões de hectares de cultivos transgênicos apenas na Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai. A publicação da OMS “é muito importante por demonstrar que, apesar das pressões da Monsanto, é possível pensar em uma ciência independente a serviço do bem comum e não dos interesses corporativos”, assegurou Vicente.

A Monsanto vende o glifosato com a marca Roundup, mas também é comercializado sob os nomes Cosmoflux, Baundap, Glyphogan, Panzer, Potenza, Rango, e em alguns setores camponeses é conhecido como “randal”.

Além dos cultivos transgênicos, esse herbicida é aplicado em setores da agricultura tradicional, para hortaliças, tabaco, frutas e monocultivos florestais de pinho ou de eucalipto, bem como em jardins e outras áreas urbanas ou em vias férreas. Mas na agricultura tradicional é aplicado após a germinação das sementes e antes de plantar, enquanto nos transgênicos se aplica durante a plantação, atuando de forma não seletiva e assim destruindo variedade de plantas e pastos, segundo a Rap-Al.

Os habitantes de Malvinas Argentinas, povoado da província de Córdoba, na Argentina, mantêm bloqueada desde 2013 a construção da fábrica de sementes de milho transgênico da corporação Monsanto, em uma longa mobilização contra alegados efeitos nocivos para a população e o ambiente. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS

 

“Essa chuva de glifosato impacta diretamente os ecossistemas, as comunidades, o solo e a água, com consequências que já não é possível esconder”, destacou Vicente. “Não podemos admitir mais o uso desses venenos porque destroem a biodiversidade, causando alterações climáticas, acabando com a fertilidade do solo, contaminando as águas e inclusive o ar. E, sobretudo, provocam mais doenças e câncer”, enfatizou à IPS o dirigente do Movimento dos Sem-Terra, do Brasil, João Pedro Stédile.

O argentino Rafael Lajmanovich, especialista em ecotoxicologia, da Universidade Nacional do Litoral, investigou amplamente o glifosato. “Embora não se referira à saúde ou carcinogênese humana, demonstra em modelos animais (embriões de anfíbios) que o glifosato é teratogênico, isto é, produz más-formações durante o desenvolvimento desses vertebrados”, destacou à IPS.

“Além disso, nesses modelos, comprovamos que ocorrem efeitos sobre a atividade de sistemas enzimáticos muito importantes (colinesterasas), o que indica certo grau de neurotoxidade”, acrescentou Lajmanovich, também integrante do governamental Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas.

Estudos epidemiológicos indicaram efeitos em comunidades afetadas por pulverizações de glifosato. “As principais afecções que cientistas e médicos rurais vinculam a essas aplicações se referem especificamente a doenças respiratórias, alergias, abortos espontâneos, aumento do caso de bebês com más-formações e maior incidência de doenças tumorais”, detalhou Lajmanovich.

Vicente, por sua vez, destacou que há pesquisas aplicadas em vários países latino-americanos, que vão na direção da OMS. Na Argentina, por exemplo, estudos realizados nas províncias de Rosário e Córdoba “testemunham claramente o aumento dos casos de câncer, que em certas situações chegam a triplicar ou quintuplicar a média nacional”.

Outro exemplo: na Colômbia, o informe Glifosato, Prontuário de Um Praguicida, elaborado pela Rap-AL, as fumigações com Roundup em grandes áreas para erradicar cultivos de coca e papoula causaram incidentes de envenenamento em mais de quatro mil pessoas e animais. Esse estudo inclui casos de intoxicação no Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai.

Souza criticou o fato de na América Latina o herbicida ser vendido sem restrições em lojas de forragens, agroquímicos, ferragens e comércios semelhantes, muitas vezes “fracionado e em embalagens de refrigerante”. Stédile, também integrante da organização internacional Via Camponesa, espera que essa região e também a Europa proíbam sua aplicação agrícola, como fez a Holanda.

Ele propôs como alternativa “uma produção agroecológica, que combine o conhecimento científico com a sabedoria milenar dos camponeses, para desenvolver cultivos sem uso de venenos, adequados a cada bioma”. Essa metodologia aumentou “a produtividade do solo e do trabalho, melhor do que as práticas que utilizam venenos”, afirmou.

Vicente reforçou que não se trata de substituir o glifosato por novos herbicidas, vários ainda mais tóxicos, “mas de mudar para um modelo de agricultura agroecológica de base camponesa, que se oriente para a soberania alimentar de nossos povos”.

Para Stédile, os governos sul-americanos mantêm o apoio à agricultura transgênica, apesar das evidências dos danos sanitários e ambientais, porque pensam que “o pode ajudar a economia aumentando as exportações decommodities (matérias-primas), contribuindo para o desequilíbrio de suas balanças comerciais”. Essa “ilusão das exportações” impede os governos de enfrentarem o que qualificou de “verdadeiro genocídio”, lamentou.

Vicente pediu que, agora que a OMS ratifica investigações regionais, isso “se reflita em medidas concretas” governamentais.

Em um comunicado a Monsanto criticou o informe dos cientistas da OMS como “ciência lixo” e pediu uma retificação do órgão, ao que os cientistas recordaram que sua indicação é que o glifosato é “provável” cancerígeno, e não dando isso como certo. A companhia considerou que é “incompatível” com décadas de “contínuos exames exaustivos de segurança” realizados sobre o glifosato por “autoridades reguladoras de líderes de todo o mundo, que o qualificaram de seguro para a saúde humana”.

Para Lajmanovich, a posição de uma empresa “não pode prevalecer sobre a de uma instituição internacional de reconhecido prestígio e reitora do cuidado da saúde mundial como a OMS”. Também recordou que a Monsanto considerava os informes da OMS como “boa ciência” quando apontavam que o glifosato era “inócuo”.

Consumo de glifosato no Cone Sul

O Brasil é, desde 2008, o maior consumidor mundial por pessoa de pesticidas e absorve 20% de sua demanda mundial. O glifosato representa quase 40% de suas aplicações.

A Argentina consumiu, em 2011, 238 milhões de litros de glifosato, aumento de 1.190% em relação a 1996, quando o país começou a produzir soja transgênica.

No Paraguai, sexto produtor mundial de soja transgênica, foram aplicados mais de 13 milhões de litros de glifosato em 2007.

No Uruguai, onde também avança esse cultivo transgênico, foram aplicados em 2012 pelo menos de 12 milhões de litros.

(Fonte: Grain)