Fruto transgênico de tomate desenvolvido pela botânica inglêsa Cathie Martin.
De Jennifer Kahn
- 20 de julho de 2021
[NOTA DO WEBSITE: longa matéria, importante de se conhecer. Traz o ‘outro lado’ daquilo que nós acreditamos que seja a verdadeira produção de alimentos. Somos os que consideramos que antes de investir nessas tecnologias excludentes e sofisticadas, colocar todo o recurso na ampliação do trabalho no campo. Deve, já, promover o retorno à terra das milhares de pessoas que foram induzidas ao êxodo rural com a falácia da industrialização. Os países periféricos ficarão cada vez com menos trabalho urbano com a digitalização e automação dos antigos trabalhos industriais que levaram, noutros tempos, milhares de agricultores a abandonarem a agricultura para viverem hoje nas favelas das grandes cidades. Estão sempre à espera de um ‘bico’ ou da porta da uberização do trabalho. E com o campo vazio de pessoas que poderiam fazer cultura no campo=agri-cultura, as terras ficaram disponíveis para então o negócio apoiado na ideologia de ‘mercado’, de capital e de exploração, permitindo que o agronegócio contaminasse toda a terra antes de produção de alimentos. Esse método nada mais é do que sinônimo de ‘necroprodução’, ou seja, se transfigura no miserável ‘agronecrócio’, onde todas as mortes são o foco. A morte do homem do campo, a morte do solo, a morte da semente, a morte da microvida e da macrovida, a morte da floresta e de todos os ambientes. E o veneno infecta tudo que dessa visão de mundo se produz. Alimento ser sinônimo de veneno, é um crime contra a humanindade. Mas aqui podemos inver tudo isso ao nos apoiarmos na mão humana vivendo com a produção natural, orgânica, ecológica de alimentos, local e feito por seres humanos, para que haja a grande economia tanto da poluição dos combustíveis fósseis com a expansão da saúde de cada um e todos. Acaba-se com o famigerado transporte a longas distâncias dos alimentos. Que na verdade não são alimentos já que muitos se transmutam nos famélicos ‘ultraprocessados’, plenos de substâncias nefastas e enganadoras. Por isso em muitos lugares são conhecidos como ‘junk food’, ‘comida lixo’. Mais do que transgenia, haver a transfiguração da Vida associada com a produção de alimentos. Assim acabando com a forme, a exclusão social, a pobreza e a miséria.].
Temores exagerados tornaram o público contra os alimentos geneticamente modificados. Mas os benefícios potenciais nunca foram maiores.
Em um dia frio de dezembro em Norwich, Inglaterra, Cathie Martin me encontrou em um laboratório dentro do John Innes Center, onde ela trabalha. Uma botânica inglesa, Martin passou quase duas décadas estudando tomates, e eu tinha viajado para vê-la por causa de um deles em particular: uma variedade roxa escura e lustrosa que é excepcionalmente rica em antioxidantes, com o dobro da quantidade encontrada nos mirtilos.
Aos 66 anos, Martin tem cabelo branco prateado, um queixo forte e olhos penetrantes que lhe conferem uma aparência ligeiramente etérea. Seu escritório, um pequeno cubículo próximo ao laboratório, está tão cheio de pastas e pilhas de papel que Martin tem que ficar em pé ao digitar em seu teclado de computador, que fica cercado por uma pilha de papéis como uma pedra que afundou até o fundo do um monte de neve. “É um desastre absoluto”, disse Martin, olhando em volta com ternura. “Disseram-me que os guardas de segurança trazem pessoas durante a excursão.” Na mesa, há uma base para bebidas com a foto de uma dona de casa atraente dos anos 1950 que diz: “Você diz tomate, eu digo [palavrão] você”.
Martin há muito se interessa de como as plantas produzem nutrientes benéficos. O tomate roxo é o primeiro que ela projetou com mais antocianina, um composto antiinflamatório natural. “Todas as plantas superiores têm um mecanismo para produzir antocianinas”, explicou Martin quando nos conhecemos. “O tomate também faz, nas folhas. Acabamos de colocar um interruptor que liga a produção de antocianina no fruto.” Martin observou que, embora existam outras variedades de tomate que parecem roxas, elas têm antocianinas apenas na pele, de modo que os benefícios à saúde são mínimos. “As pessoas dizem: Oh, já existem tomates roxos”, disse Martin. “Mas eles não têm esses níveis.”
A diferença é significativa. Quando ratos propensos ao câncer receberam tomates roxos de Martin como parte de sua dieta, eles viveram 30% mais do que ratos alimentados com a mesma quantidade de tomates comuns; eles também eram menos suscetíveis a doenças inflamatórias intestinais. Após a publicação do primeiro artigo de Martin mostrando os benefícios anticâncer de seus tomates, na revista acadêmica Nature Biotechnology em 2008, jornais e estações de televisão começaram a ligar. “A cobertura!” ela lembrou. “Dias e dias e dias e dias disso! Houve muita empolgação.
”Ela considerou disponibilizar o tomate nas lojas ou oferecê-lo online como suco. Mas como a planta continha um par de genes de um snapdragon – é isso que estimula os tomates a produzir mais antocianina – ela seria classificada como um organismo geneticamente modificado: um OGM.
Essa designação traz consigo uma série de obrigações, não apenas na Grã-Bretanha, mas nos Estados Unidos e em muitos outros países. Martin imaginou fazer o suco em pequena escala, mas apenas passar pelo processo de aprovação da FDA custaria um milhão de dólares. Adicionar a aprovação do USDA pode elevar ainda mais esse valor. (O suco de tomate é conhecido como um “produto GM” e é regulamentado pelo FDA Como um tomate tem sementes que podem germinar, ele é regulamentado tanto pelo FDA quanto pelo USDA) “Eu pensei: Isso é ridículo”, Martin me disse.
Martin acabou reunindo a documentação necessária, mas o processo e as revisões subsequentes levaram quase seis anos. “Nosso ‘modelo de negócios’ consiste em termos uma pequena empresa que não tem funcionários”, disse Martin com uma risada. “Claro, o FDA está acostumado com as organizações maiores” – conglomerados agrícolas globais como DowDuPont ou Syngenta – “então é aí que você começa um pequeno problema. Quando eles dizem: ‘Oh, queremos um pouco mais de dados sobre isso’, é fácil para uma empresa. Para mim – sou eu que tenho que fazer isso! E não posso simplesmente jogar dinheiro nisso.”
Martin admitiu que, como acadêmica, ela não estava tão focada em colocar o tomate no mercado como deveria. (Seu colega Jonathan Jones, um btânico, eventualmente interveio para ajudar.) Mas o processo também foi lento porque o tomate roxo, se aprovado, seria uma das poucas frutas ou vegetais OGM vendidos diretamente aos consumidores. Os outros incluem mamões Rainbow, que foram modificados para resistir ao vírus da mancha anelar; uma variedade de milho doce; algumas batatas russet; e Arctic Apples, que foram desenvolvidas no Canadá e resistem ao escurecimento.
Também pode ser a primeira coisa geneticamente modificada que as pessoas realmente desejam. Desde sua introdução em meados da década de 1990, os OGM permaneceram impopulares entre os consumidores, que os veem como ferramentas duvidosas da Big Ag, com impactos potencialmente sinistros nas pessoas e no meio ambiente. Martin talvez acerte alguma coisa quando descreve aqueles que mais se opõem aos OGMs como “os WWWs (nt.: em inglês – the well, wealthy and worried = os bem ricos e preocupados)”: o mesmo grupo de compradores de classe média alta que transformaram os alimentos orgânicos em uma indústria multibilionária (nt.: o que não é a realidade do Brasil com a existência das feiras de agricultores ecologistas, mesmo que nos supermercados o preço seja mais alto). “Se você é um WWW, o cálculo é que os transgênicos/OGMs parecem ruins, então vou apenas evitá-los”, disse ela. “Quero dizer, se você acha que pode haver um risco, e não há nenhum benefício para você, por que considerar isso?”
O tomate roxo talvez pudesse mudar esse cálculo. Ao contrário dos cultivos transgênicos comerciais – coisas como soja e canola – o tomate de Martin não foi projetado para lucro e seria cultivado em pequenos lotes, em vez de em milhões de hectares: essencialmente o oposto da agricultura industrial. Os genes adicionais que ele contém (do snapdragon, ele próprio um parente do tomate)(nt.: planta que entre nós, conforme pesquisa na internet, conhecemos com ‘boca-de-leão’ e não é da família Solanaceae, mas sendo do gênero Anthirrhinum a família botânica é da Plantageneae. Realmente até a Classe botânica são as mesmas, mas a partir da Ordem já não mais) atuam apenas para aumentar a produção de antocianina, um nutriente que o tomate já produz. Mais importante, as propriedades antiinflamatórias e anticâncer da fruta, que parecem consideráveis, são coisas que muitos de nós desejamos ativamente.
No entanto, o futuro do tomate roxo está longe de ser certo. “Há tanta bagagem em torno de qualquer coisa geneticamente modificada”, disse Martin. “Não estou tentando ganhar dinheiro. Estou preocupado com a saúde das pessoas! Mas, na cabeça das pessoas, é tudo Dr. Frankenstein tentando governar o mundo.” (nt.: realmente temos que honrar essa pesquisadora, no entanto não pode ser tão desconectada do mundo real que está muito além do seu laboratório. Os interesses das imensas e monopolistas corporações que dominam a transgenia, estão demonstrando estarem completamente longínquos dessa boa intenção, Lastimavelmente vivemos aqui fora é nesse mundo e não do dela).
Bobby Doherty para The New York Times
Nas três décadas desde que os cultivos transgênicos foram introduzidos, apenas um pequeno número foi desenvolvido e aprovado para venda, quase todos produtos feitos por grandes empresas agroquímicas como a Monsanto. No entanto, dentro dessas categorias, os OGMs assumiram grande parte do mercado. Aproximadamente 94% da soja cultivada nos Estados Unidos são geneticamente modificadas, assim como mais de 90% de todo o milho, canola e beterraba sacarina, cobrindo juntos cerca de quase 70 milhões de hectares de terras cultiváveis.
Ao mesmo tempo, a resistência aos alimentos OGMs/transgênicos apenas se tornou mais arraigada. O mercado de produtos certificados como não-OGM aumentou mais de 70 vezes desde 2010, de cerca de US $ 350 milhões naquele ano para US $ 26 bilhões em 2018. Existem agora mais de 55.000 produtos com o rótulo “Projeto certificado Não-OGM” em suas embalagens. Quase metade de todos os consumidores dos Estados Unidos dizem que tentam não comprar alimentos transgênicos, enquanto um estudo de Jennifer Kuzma, bioquímica que é diretora do Centro de Engenharia e Sociedade Genética da Universidade Estadual da Carolina do Norte, descobriu que os consumidores pagam até 20% por cento a mais para evitá-los .
Para muitos de nós, a rejeição aos OGMa é instintiva. “Para as pessoas que se sentem desconfortáveis com isso, a objeção é que não é algo que jamais aconteceria na natureza”, diz Alan Levinovitz, professor de religião e ciência na James Madison University. “Com a engenharia genética, há uma sensação de que estamos mexendo nos blocos de construção essenciais da realidade. Podemos nos sentir bem em reorganizar os genes, como a natureza faz, mas não nos sentimos confortáveis em misturá-los entre criaturas.”
Nossa desconfiança também pode resultar da maneira como os OGMs foram introduzidos. Quando a gigante do agronegócio Monsanto lançou sua primeira safra de transgênicos em 1996 – uma soja resistente a herbicidas – a empresa precisava de dinheiro. Ao adicionar um gene de uma bactéria, esperava criar safras resistentes ao glifosato, o ingrediente ativo de seu herbicida da marca registrada, Roundup, permitindo que os agricultores pulverizassem ervas daninhas livremente sem também matar a própria soja – algo que não era possível com herbicidas tradicionais.
Comercialmente, a ideia deu certo. Em 2003, as sementes de milho e soja Roundup Ready dominavam o mercado, e a Monsanto havia se tornado a maior produtora de sementes geneticamente modificadas, responsável por mais de 90% das safras transgênicas plantadas globalmente.
Mas o lançamento da empresa também alarmou e hostilizou os agricultores, que foram obrigados a assinar contratos restritivos para usar as sementes patenteadas, e que a Monsanto processou agressivamente. A certa altura, a empresa tinha uma equipe de 75 pessoas dedicada exclusivamente a investigar agricultores suspeitos de guardar sementes – uma prática tradicional em que as sementes da safra de um ano são guardadas para o plantio no ano seguinte – e processá-los sob a acusação de violação de propriedade intelectual. Grupos ambientalistas também estavam preocupados, por causa do uso vertiginoso do Roundup e do declínio abrupto da diversidade agrícola.
“Foi uma espécie de tempestade perfeita”, diz Mark Lynas, escritor e ativista ambientalista que protestou contra os OGM por mais de uma década. “Você tinha essa empresa que tinha feito a arma de guerra do Vietnam, o Agente Laranja e um dos poluidores mais terríveis os PCBs/Ascarel” – os dois ricos em dioxina, um tóxico ambiental que a EPA proibiu em 1979 – “que agora estava usando os transgênicos para intensificar as piores formas de monocultura. Só me lembro de sentir que tínhamos que parar com isso.”
Essa resistência foi agravada porque os primeiros transgênicos – que se concentravam principalmente na resistência a pragas e herbicidas – ofereciam poucos benefícios diretos ao consumidor. E uma vez que o sentimento público foi definido, provou-se difícil de mudar, mesmo quando produtos mais benéficos começaram a surgir. Um deles, o Golden Rice, foi feito em 1999 por dois pesquisadores universitários na esperança de combater a deficiência de vitamina A, uma doença simples, mas devastadora, que causa cegueira em milhões de pessoas na África e na Ásia anualmente, e que também pode ser fatal. Mas o projeto naufragou após protestos de ativistas anti-OGM nos Estados Unidos e na Europa, o que, por sua vez, alarmou governos e populações de países em desenvolvimento.
“Provavelmente, o mais furioso que já senti foi quando grupos anti-OGM destruíram campos de cultivo de Golden Rice nas Filipinas”, diz Lynas, que rejeitou publicamente sua oposição aos OGM em 2013. “Ver uma safra que tinha um potencial óbvio de salvar vidas arruinado – seria como grupos antivacinas invadindo um laboratório e destruindo um milhão de frascos da vacina Covid. ”
Nos últimos anos, muitos grupos ambientalistas também recuaram silenciosamente de sua oposição à medida que aumentavam as evidências de que os OGMs existentes são seguros para comer e não são intrinsecamente ruins para o meio ambiente. A introdução do milho Bt, que contém um gene do Bacillus thuringiensis, uma bactéria naturalmente resistente a insetos que os fazendeiros orgânicos pulverizam rotineiramente nas plantações, diminuiu o uso de inseticidas nas plantações em 35%. Uma berinjela Bt resistente a pragas tornou-se igualmente popular em Bangladesh, onde os agricultores também adotaram o “arroz autônomo”, uma variedade projetada para sobreviver sendo submersa por até 14 dias, em vez de apenas três. A cada ano, Bangladesh e Índia perdem cerca de quatro milhões de toneladas de arroz nas inundações – o suficiente para alimentar 30 milhões de pessoas – e desperdiçam um volume correspondente de agrotóxicos e herbicidas, que então penetram nas águas subterrâneas (nt.: nesse ponto a articulista concorda de que há uma poluição dos venenos nas águas e sendo muitos transgênicos conectados com os agrotóxicos, como ter um cultivo limpo e saudável para os consumidores?).
Na América do Norte, porém, esses benefícios podem parecer remotos em comparação com o que consideramos “comer naturalmente”. Isso é especialmente verdadeiro porque, para muitos de nós, os OGM e os danos da agricultura industrial (monoculturas, uso excessivo de agrotóxicos e herbicidas) permanecem inextricavelmente ligados. “Devido à forma como os OGM foram apresentados ao público – como um produto corporativo, com foco no lucro – toda a tecnologia foi manchada”, diz Lynas. “Na mente das pessoas, é ‘Engenharia genética igual a monocultura que igual a sistema alimentar comprometido’. Mas não tem que ser assim.” (nt.: se a pesquisadora inglesa reconhece que para um produto transgênico estar acessível precisa-se de muito dinheiro, estrutura operacional e dedicação, como se poderá ter uma ‘transgenia’ popular? E se tudo ficar mais como almeja a cientista inglesa, como se reconhecer a boa fé e a honestidade do produto feito longe do consumidor e em laboratórios distantes? Daí ser uma tecnologia que parece estar condicionada à boa fé e à empatia das imensas corporações.)
Bobby Doherty para The New York Times
A estufa onde Martin planta seus tomates é surpreendentemente modesta: uma construção pequena e um tanto suja cheia de plantas pernaltas em potes de plástico. Martin frequentemente tem vários projetos em andamento ao mesmo tempo e, enquanto me acompanhava pela fileira, ela apontou um tomate (não OGM) criado para ser rico em vitamina D; outro com altos níveis de resveratrol, o composto antioxidante do vinho tinto; e um que um pós-doutorado, Eugenio Butelli, está tentando modificar para produzir serotonina, um neurotransmissor usado em medicamentos antidepressivos. Quando perguntei se os tomates antidepressivos seriam os próximos, Martin deu de ombros. “Ele está jogando”, disse ela. “Muito do que fazemos é brincar.”
Mesmo se os tomates produtores de serotonina provassem ser possíveis, ela acrescentou, eles não seriam vendidos em supermercados, mas simplesmente adicionados à lista crescente de “produtos biológicos”: plantas ou bactérias que foram geneticamente modificadas para produzir o ingrediente ativo em medicamentos, incluindo aqueles para diabetes, câncer de mama e artrite. A própria Martin criou recentemente um tomate que produz levodopa, o principal medicamento para o tratamento da doença de Parkinson, na esperança de torná-lo mais acessível e tolerável. (A versão sintética da levodopa pode causar náuseas e outros efeitos colaterais, e também custa cerca de US $ 2 por dia – mais do que alguns pacientes, especialmente aqueles em países em desenvolvimento, podem pagar.)
Mais abaixo na linha estava o tomate roxo da próxima geração: uma variedade azul-escura chamada Indigo que Martin criou ao cruzar o tomate roxo com alto teor de antocianina com um amarelo rico em flavonóis, um composto antiinflamatório encontrado em coisas como couve e chá verde, tornando-o ainda mais rico em antioxidantes. O Indigo, que também é um OGM, é muito novo para ter sido avaliado quanto aos benefícios para a saúde, mas Martin tem esperança de que terá efeitos ainda mais robustos para a saúde do que o tomate roxo.
Depois de um pote, Martin parou em uma planta de tomate púrpura com um único cacho de frutas suculentas. “Tem um lindo”, disse Martin, pegando-o com cuidado e limpando algumas manchas brancas. “Curiosamente, os tomates com alto teor de antocianina também têm uma vida útil prolongada. Não temos certeza do porquê, mas eles parecem ser mais resistentes à infecção fúngica, que é o que causa o apodrecimento dos tomates”.
É claro que essas mudanças genéticas imprevistas podem afetar os dois lados. Em 1996, pesquisadores determinaram que a soja contendo um gene de uma castanha do Brasil poderia desencadear uma reação em alguém que fosse alérgico. (A soja era experimental e nunca destinada ao mercado.) Da mesma forma, em vez de durar mais, o tomate de Martin poderia ter se tornado farinhento ou mais amargo. Teoricamente, poderia até ter se tornado perigoso. Se Martin tivesse adicionado genes que aumentaram a produção de solanina – um produto químico tóxico produzido por plantas da família das Solanaceae, incluindo tomates e batatas – a fruta resultante poderia ter sido letal.
Para quem está se perguntando, eu experimentei os tomates roxo e índigo de Martin, e comê-los até agora não teve nenhum efeito alarmante, pelo menos que eu possa detectar. Mas é claro, não posso dizer com certeza. E se os produtos geneticamente modificados acabassem por ter consequências retardadas ou imprevisíveis para a nossa saúde? Algo que não podemos observar ou testar facilmente, ou talvez até detectar até que seja tarde demais?
O medo de tais efeitos imprevistos – o que Kuzma chama de “desconhecimento” – é talvez a maior preocupação dos consumidores quando se trata de OGMs. Afinal, as interações genéticas são notoriamente complexas. Adicionar um novo gene – ou simplesmente alterar a forma como um gene é regulado (ou seja, quão ativo ele é) – raramente afeta apenas uma coisa. Além disso, nossa compreensão dessas interações e de seus efeitos está em constante evolução. Megan Westgate, diretora executiva do Non-GMO Project, concorda com esse ponto. “Qualquer pessoa que conheça genética sabe que há muitas coisas que não entendemos”, diz Westgate. “Estamos sempre descobrindo coisas novas ou descobrindo que coisas em que acreditamos não estão realmente certas”. Charles Benbrook, diretor executivo da Heartland Health Research Alliance, também observa que quaisquer impactos potenciais de OGM na saúde seria mais forte em alimentos integrais – produtos que consumimos crus, não processados e em grandes quantidades – do que em ingredientes como xarope de milho.
“Para a maioria das pessoas, a ansiedade em torno dos OGMs é quase totalmente desvinculada de uma compreensão do que está acontecendo em nível científico”.
Apesar disso, os geneticistas de plantas tendem a não se preocupar excessivamente com os riscos dos OGM, desde que as modificações sejam feitas com algum cuidado. Como um relatório de 2016 da National Academy of Sciences descobriu que os OGMs eram geralmente seguros, embora permitisse que impactos menores fossem teoricamente possíveis. Fred Gould, professor de agricultura que foi presidente do comitê que preparou o relatório de 600 páginas, observou que as mudanças genéticas que alteram uma via metabólica – o processo celular que transforma elementos bioquímicos em um determinado nutriente ou composto, como as antocianinas no tomate de Martin – eram especialmente importantes para estudar porque podiam causar efeitos em cascata.
Gould comparou esses caminhos ao encanamento de uma casa. Se uma edição genética desligar um cano – digamos, um que gere um composto amargo – os blocos de construção desse composto começarão a fluir para outro lugar, da mesma forma que um cano bloqueado forçará a água para os canais vizinhos. Os resultados desse redirecionamento, Gould me disse, são mal compreendidos. “Os precursores químicos extras acabam produzindo mais de outra coisa?” Perguntou Gould. “Ou eles apenas permanecem como precursores? Para algumas vias, os biólogos vegetais sabem a resposta. Mas em outros casos, não.”
Mas ele também observou que esse problema não era exclusivo dos transgenicos. Anos atrás, por exemplo, os fazendeiros cruzavam pepinos para reduzir a quantidade de cucurbitacina (um composto amargo que repele os ácaros) na casca. Mas, como esses pepinos foram feitos com cruzamentos convencionais, os produtores não eram obrigados a sequenciar o genoma da nova variedade, ou mesmo a olhar para seu perfil nutricional e de toxicidade, como fariam com algo geneticamente modificado. “Nunca perguntamos a um criador convencional: ‘Ei, quando você desliga a produção de cucurbitacina por cruzamento, algo mais é produzido?’”, Acrescentou Gould. “Ou os níveis de outros compostos importantes aumentam ou diminuem?”
Gould enfatizou que muitas modificações genéticas nos alimentos são triviais e extremamente improváveis de terem qualquer efeito mensurável nas pessoas. E mesmo os efeitos das mudanças precursoras seriam, em sua maioria, leves. “Quer dizer, já mudamos todas essas coisas com a criação convencional e até agora estamos indo bem”, acrescentou. “Fazendo a mesma mudança com a engenharia genética – realmente não há diferença.”
Bobby Doherty para The New York Times
Se não consideramos esses tipos de distinções muito reconfortantes, em parte porque nossa preocupação extravagante com os transgênicos reflete algo mais fundamental: o fato de que a maioria de nós não entende realmente como os genes funcionam. Como vários cientistas com quem conversei apontaram, um gene é apenas um conjunto estreito de instruções biológicas, muitas das quais aparecem em uma ampla gama de espécies. O gene snapdragon no tomate de Martin, por exemplo, é conhecido como um fator de transcrição: essencialmente, uma espécie de botão de volume que regula quanto de algo um determinado gene irá produzir. Esse algo pode ser antocianina, ou pode ser uma toxina perigosa, mas o botão em si não é o problema, nem é o processo pelo qual foi adicionado. “Para a maioria das pessoas, a ansiedade em torno dos transgênicos é quase totalmente desvinculado de uma compreensão do que está acontecendo em nível científico”, diz Levinovitz. “Mas isso na verdade torna a ansiedade mais difícil de lidar, ao invés de mais fácil.”
Isso é particularmente verdadeiro em relação aos alimentos. Quer as pessoas realmente entendam de onde vêm suas frutas e vegetais, diz Levinovitz, nós pensamos que sim – e ficamos perturbados quando isso muda. O termo filosófico para isso é opacidade epistêmica. “Quando você imagina que sabe como algo funciona, ou de onde vem, isso é reconfortante”, acrescentou. “Então, quando você ouve que uma maçã foi geneticamente modificada, é como, o que isso significa? É alienante.”
Para muitos consumidores, observa Levinovitz, a palavra “natural” se tornou uma heurística: um atalho mental para decidir se algo é bom ou seguro. “Ouvimos isso o tempo todo, e muitas vezes é verdade. Por que temos dor crônica? Porque não deveríamos ficar sentados em uma mesa por horas. Por que a tartaruga marinha não se reproduz? Por causa da luz artificial que introduzimos nas praias. Não é uma visão muito consistente”- existem todos os tipos de coisas não naturais com as quais ninguém se preocupa, como Netflix e encanamento interno -“ mas tornou-se uma espécie de abreviatura para este mundo que sentimos que perdemos.”
Na prática, é claro, quase tudo que cultivamos e comemos hoje teve seu DNA amplamente alterado. Por milênios, fazendeiros, descobrindo que uma versão de uma planta – geralmente um mutante genético aleatório – era mais resistente, ou mais doce, ou tinha sementes menores, a cruzavam com outra que, digamos, produzisse mais frutos, na esperança de obter os dois benefícios. Mas o processo foi lento. Simplesmente mudar a cor de um tomate de vermelho para amarelo enquanto preserva suas outras características pode levar anos de cruzamento. E os tomates são um dos casos mais fáceis. A introdução de até mesmo uma pequena mudança em uma cereja por meio do cruzamento, me disseram, pode levar até 150 anos.
Para quem se preocupa com os transgênicos, essa lentidão é reconfortante. “Há uma sensação de que, sim, essas coisas foram alteradas”, observou Levinovitz. “Mas eles foram alterados há muito tempo, da mesma forma que a natureza altera as coisas.”
No entanto, a maneira como a natureza altera as coisas também é profundamente aleatória. Às vezes, uma planta adquire uma característica em detrimento de outra. Às vezes, realmente fica pior. O mesmo é verdadeiro para o cruzamento agrícola. Não apenas não há como controlar quais genes são mantidos e quais são perdidos; o processo também tende a introduzir mudanças indesejadas. O termo técnico para isso é “arrasto de ligação”: todos os genes não intencionais e desconhecidos que são puxados durante a polinização cruzada, como peixes em uma rede. Os produtores comerciais de frutas silvestres passaram décadas tentando criar uma versão domesticada da framboesa preta por meio de cruzamentos, mas nunca tiveram sucesso: as frutas sem espinhos tiveram um sabor pior ou quase não produziram frutos, ou desenvolveram outros problemas. É também por isso que atender às necessidades da agricultura moderna – o cultivo de produtos que podem ser enviados a longas distâncias e retidos na loja e em casa por mais de alguns dias – pode resultar em tomates com gosto de papelão ou morangos que não são tão doces como costumavam ser. “Com o melhoramento convencional, você basicamente apenas embaralha o deck genético”, disse-me o executivo agrícola Tom Adams. “Você nunca vai carregar apenas o gene que deseja.”
Nos últimos anos, ferramentas de engenharia genética como o CRISPR ofereceram uma maneira de contornar essa imprecisão, tornando possível identificar quais genes controlam quais características – coisas como cor, robustez, doçura – e mudar apenas essas. “É muito mais preciso”, diz Andrew Allan, biólogo vegetal da Universidade de Auckland. “Em vez de rolar os dados, você está mudando apenas o que deseja mudar. E você pode fazer isso em uma geração em vez de 10 ou 20.”
No ano passado, o USDA (nt.: equivalente ao Ministério da Agricultura no Brasil) determinou que as plantas que passaram por edições cisgênicas simples – alterações no próprio DNA da planta, do tipo que teoricamente poderiam ser criadas por anos de cruzamentos tradicionais – não estariam sujeitas à mesma regulamentação que outros transgênicos e algumas pessoas estão argumentando que é hora de reconsiderar como eles também sejam regulamentados, especialmente quando se trata de pequenos produtores como o tomate de Martin. Do ponto de vista regulatório, destacou Allan, todos são tratados da mesma forma, independentemente da modificação e da escala. “Quer você seja uma empresa que deseja plantar milhares de hectares de milho resistente a pragas ou alguém que fez um pequeno tomate adorável que poderia salvar vidas, é tudo o mesmo processo”, disse ele. Allan observou que seu projeto atual, a maçã vermelha, contém um único gene retirado de uma maçã silvestre que aumenta seus antioxidantes. “É uma mudança de risco extremamente baixo”, disse ele. “Estamos literalmente pegando um gene de um tipo de maçã e colocando em outro. Mas ainda é, comprovadamente, um transgênico”.
A política é em parte um resquício dos primeiros dias da engenharia genética, quando menos se sabia sobre o processo e seus efeitos. Mas tem persistido, em parte por causa da poderosa campanha anti-transgênicos. Eric Ward, co-presidente-executivo da empresa de tecnologia agrícola AgBiome, descreveu a situação como “presa em um ciclo fechado”. Ele continuou: “As pessoas pensam: Bem, se você tem esse sistema regulatório realmente rígido, deve ser muito perigoso. Portanto, torna-se auto-reforçador.”
Para Martin, isso criou um estranho empecilho. As mercearias têm medo de vender algo como um tomate geneticamente modificado porque temem que os consumidores o rejeitem. Produtores e empresas têm medo de investir em um pelo mesmo motivo. A engenharia genética, observa Ward, tornou-se muito mais acessível desde que as primeiras safras transgênicas foram introduzidas na década de 1990. “Mas se transformou em algo que apenas meia dúzia de empresas no mundo pode se dar ao luxo de fazer, porque elas precisam passar por todo esse material regulatório”. Ele fez uma pausa. “É irônico. Os primeiros ativistas que se opuseram aos OGMs o fizeram porque não confiavam no grande agronegócio. Mas o resultado agora é que apenas as grandes empresas podem se dar ao luxo de fazer isso. ”
Bobby Doherty para The New York Times
Poucos dias antes de viajar para Norwich, juntei-me a Martin na Royal Society em Londres para a conferência Future Food, uma série de palestras sobre engenharia genética na agricultura. Lá conheci Haven Baker, fundador de uma empresa chamada Pairwise, que começou a criar frutas e vegetais que são geneticamente editados, mas não transênico. “Não acho que podemos mudar a opinião das pessoas sobre eles”, disse Baker. “Mas a edição de genes é uma folha em branco. E talvez então eles serão capazes de seguir.”
Em sua palestra, Baker observou que existem centenas de tipos de frutas silvestres no mundo. Mas entre aqueles que comumente chamamos de frutas vermelhas, comemos apenas quatro: morangos, framboesas, mirtilos e amoras. Há uma razão pela qual as outras variedades raramente chegam até nós. Às vezes, a fruta apodrece alguns dias após a colheita (amoras silvestres) ou a planta produz frutos por apenas algumas semanas no verão (amoras silvestres). Às vezes, a planta não produz muitos frutos ou é muito espinhosa ou extensa para que os frutos sejam colhidos sem muito trabalho. Como Joel Reiner, um horticultor da Pairwise, diria mais tarde: “As frutas vermelhas sempre têm alguma falha trágica”.
Framboesas pretas, uma fruta que a Pairwise espera levar ao mercado, costumava ser amplamente cultivada na América do Norte, até que um vírus as dizimou. (As framboesas vermelhas que comemos agora vieram originalmente da Turquia.) A versão revivida, que estará em testes de campo em 2024, foi projetada para ser sem espinhos e sem sementes, enquanto mantém o sabor doce característico da fruta.
Mais recentemente, a empresa iniciou um projeto semelhante com vegetais. Baker diz que subestimamos a mediocridade da maioria dos produtos de mercearia, que tende a ser insípido e também oferece pouca novidade. Além disso, a maioria dos vegetais simplesmente não é muito atraente, especialmente em comparação com alimentos processados. Os vegetais dão trabalho para preparar, variam em qualidade e podem ser amargos ou amadeirados. Eles também são perecíveis, muitas vezes estragando antes de começarmos a cozinhá-los. “Especialmente se você está com um orçamento limitado, você odeia a ideia de desperdiçar comida”, observou Megan Thomas, uma das colegas de Baker. “Você compra comida processada, pode colocar no freezer ou na despensa por oito meses e não se preocupar com isso.”
Essas desvantagens afetaram nossa dieta. Apenas 10% dos americanos comem frutas e vegetais, conforme recomendado pelos Estados Unidos, e os adolescentes comem ainda menos. E não é porque o padrão é particularmente alto: em um ano inteiro, o americano médio consome apenas algumas cabeças de brócolis. “Então, como podemos mudar isso?” Baker perguntou. “As pessoas já sabem que devem comer vegetais. Eles simplesmente não estão fazendo isso. Mas se pudermos usar a edição de genes para tornar os brócolis um pouco menos amargos, talvez as pessoas – e especialmente as crianças – comam mais e, portanto, recebam mais fibras e mais vitaminas. O que pode fazer diferença em sua saúde a longo prazo. ”
Pouco depois da conferência, voei para a Carolina do Norte para me encontrar com Baker e seu cofundador, Tom Adams. Antes de iniciar a Pairwise, Baker e Adams trabalharam cada um em grandes empresas que investiram em plantações de transgênicos: Adams na Monsanto e Baker na Simplot, onde supervisionou o desenvolvimento de uma batata que produz menos acrilamida, um carcinógeno, quando frita. (Monsanto, que agora é propriedade da Bayer, forneceu parte do financiamento inicial para Pairwise e mantém a opção de comercializar qualquer inovação em safras em linha, embora não em produtos de consumo.)
O escritório da empresa fica em uma antiga fábrica têxtil que também abriga um estúdio de ioga, um estúdio de tatuagem e vários estúdios de arte. Quando eu apareci em fevereiro de 2020, a área estava se recuperando de uma tempestade de inverno que trouxe neve e gelo preto. Dentro das estufas, porém, estava quente e úmido. “É um ótimo lugar para trabalhar no inverno”, disse Reiner, que cuida das plantas da empresa. “No verão pode ficar difícil.”
Antecipando minha visita, Reiner preparou amostras do “projeto de verduras de superalimento” da empresa, que ele descreveu como a criação de “algo que é essencialmente alface, mas mais saudável”. Baker observou que os americanos que tentam comer bem frequentemente pedem saladas, mas cerca de metade delas são feitas com alface americana ou alface romana, que têm poucos nutrientes e poucas fibras. “Se essas folhas vazias pudessem ser trocadas por uma verde saudável, seria um grande impulso nutricional”, disse ele. O problema é que ninguém gosta realmente do sabor de verduras saudáveis. “Você quer adivinhar qual porcentagem do mercado de folhas verdes é de couve?” Baker perguntou em um ponto. “Pelo que podemos reunir, é cerca de 6,5%. E a questão é que a couve é conhecida por ser extremamente boa para você. É muito rico em fibras e micronutrientes: vitaminas e minerais. Mas as pessoas não gostam de comer.
Em teoria, a edição de genes pode mudar isso. A alternativa inicial da alface, a mostarda, são da mesma família da couve, explicou Reiner, e têm melhor valor nutricional. Mas eles são extremamente pungentes, uma característica que a empresa espera minimizar. Para a degustação, Reiner apresentou duas variedades de folhas de mostarda modificadas geneticamente. A primeira era linda: uma folha verde-escura com veios vermelhos, como uma acelga em miniatura. A versão editada tinha um sabor extremamente suave – perfeito para salada – mas quando Reiner conversou com pesquisadores de consumo, eles reclamaram que as folhas estavam muito vermelhas. (“É normal ter um pouco de vermelho, como algumas folhas de alfaces”, explicou Reiner. “Mas as pessoas esperam que a maior parte do que vêem no saco seja verde.”)
A segunda variedade era mais reconhecível: uma folha grande, com babados, verde claro, que lembrava as folhas de mostarda que eu freqüentemente compro – e depois deixo de comer – no mercado dos fazendeiros. Essa versão também era extremamente, quase intragável, forte. Apenas mordiscar a ponta de uma folha limpou meus seios da face como comer wasabi. “O composto que você está experimentando é chamado de isotiocianato de alila”, disse Reiner enquanto eu enxugava meus olhos lacrimejantes. “Não é feito até que você mastigue. A planta contém a enzima e o composto que a converte – mas os mantém separados. Quando você mastiga, eles se combinam para fazer algo com gosto de raiz-forte. É por isso que você tem aquele pequeno atraso quando você morde pela primeira vez, antes que acerte você.”
Em comparação, a versão geneticamente editada era deliciosa, embora quase irreconhecível: suave ao ponto da doçura, com uma textura agradável e elástica. Também tem a vantagem de se parecer mais com alface romana e, com seu tamanho maior e mais babados, faz um trabalho melhor, como diz Reiner, de “encher o prato”. Parecia algo que eu comeria feliz, e nos meses após a degustação, enquanto eu me esforçava para comer minhas saladas habituais, me peguei ansioso pelo dia em que poderia comprar as folhas de mostarda da Pairwise. Gostei da ideia de obter toda aquela nutrição extra – as vitaminas, as fibras – sem a pungência punitiva. Mas também me vi preocupada. Se eu me acostumasse a comer verduras que foram geneticamente modificadas para serem mais suaves, perderia minha tolerância para as mais funk, como rapini amargo ou rabanetes apimentados? Em que ponto eu não gostaria de comer até mesmo as verduras locais do mercado dos fazendeiros?
Depois da palestra de Baker na conferência Future Food, um membro da platéia expressou a mesma preocupação: Ele estava apavorado, disse ele, com a perspectiva de usar a engenharia genética para “mudar o que é natural apenas para atender ao gosto das pessoas”. Em vez de dobrar o mundo natural ao nosso paladar, não deveríamos estar nos adaptando ao mundo? Eu fiz esta pergunta para Heather Hudson, que supervisiona os projetos de vegetais da Pairwise. Hudson sorriu severamente. Modificar o gosto das pessoas, disse ela, é extremamente difícil. Um indivíduo pode controlá-lo, treinando seu paladar para apreciar, digamos, a leve amargura do radicchio, mas, como estratégia de saúde pública, é essencialmente inútil. “Na verdade, comecei na área de nutrição, esperando mudar a forma como as pessoas comiam”, continuou Hudson. “Mas mudar o comportamento das pessoas é difícil.”
Essa desconexão é algo em que Baker também pensou. Com frutas vermelhas, Baker observou: “As pessoas definitivamente gostam mais delas quando são mais doces. Eles não querem frutas vermelhas, elas querem frutas doces!” Do ponto de vista das compras, acrescentou ele, as frutas vermelhas competem com o “açúcar barato”: balas e biscoitos. “Então, você pergunta, deveríamos ao menos editar essas frutas para torná-las mais doces? Então, tornamos essas frutas saudáveis mais parecidas com doces?” Ele balançou a cabeça. “Mas o outro lado é que não nos vejo fazendo progresso com frutas e vegetais se não os tornarmos mais palatáveis em algum nível.”
Para todas as inovações da Pairwise, há um limite significativo de quanto uma planta pode ser alterada sem torná-la um transgênico. Culturas resistentes a insetos, como milho Bt e berinjela, por exemplo, dependem de um gene de uma bactéria; nenhuma das plantas tem um gene capaz de desempenhar a mesma função. Mesmo o tomate roxo de Martin teria sido mais difícil de fazer sem o uso do fator de transcrição dos snapdragons – embora teoricamente fosse possível. Em geral, é fácil impedir o funcionamento de um gene existente, mas muito mais difícil usar a edição de genes para adicionar uma nova característica ou função.
Se as frutas e vegetais da Pairwise tiverem sucesso com os consumidores, quase certamente abrirão as portas para outros produtos feitos por meio de vários tipos de engenharia genética. Mas fazer com que os clientes confiem que esses produtos sejam seguros requer aumentar a confiança em como eles são regulamentados. “Para um transgênico, você gostaria de perguntar: há algo nisso que seja tóxico? Existem novas proteínas ou qualquer outra coisa potencialmente alergênica?” Lynas diz. “E você faria uma análise composicional. É material básico de segurança alimentar, realmente.” Gould e seus coautores no relatório da National Academy of Sciences sugeriram uma alternativa mais meticulosa: os pesquisadores comparariam os perfis químicos e nutricionais de uma fruta ou vegetal geneticamente modificado com as variedades existentes que já estamos comendo. “Agora temos tecnologias que permitem verificar milhares de características, para ver se algo mudou”, disse Gould. “Por que não usá-los para verificar se, você sabe, o teor de vitamina C na laranja que você fez diminuiu ou permaneceu o mesmo?”
“Já mudamos todas essas coisas com a criação convencional e até agora estamos indo bem. Fazendo a mesma mudança com a engenharia genética – realmente não há diferença.”
Se esse tipo de comparação se tornar padrão, eles poderão determinar, em nível molecular, se há uma diferença mensurável entre os tomates e as maçãs que já estamos comendo e a versão geneticamente modificada. Paradoxalmente, essas comparações também podem revelar o quanto a criação comum já fez para criar as mesmas mudanças que tememos que os transgênicos introduzam: diminuir o valor nutricional de um vegetal, digamos, ou aumentar um alérgeno ou alterar invisivelmente a composição bioquímica de uma planta de maneira que pode afetar nossa saúde a longo prazo. Por outro lado, eles podem mostrar que eles são tão seguros, se não mais seguros, do que os alimentos que foram alterados de forma mais convencional.
Fornecer tais salvaguardas para frutas e vegetais transgênicos deve ser reconfortante. Mas assim como alguém que desconfia de vacinas tende a persistir nessa crença mesmo quando apresentado com abundantes evidências de segurança e eficácia, aqueles que não confiam em transgênicos dificilmente mudarão de opinião até que haja um motivo urgente. Um fator possivelmente persuasivo é a mudança climática. Como observa Allan, a população global só está aumentando: em 2050, ela terá aumentado em dois bilhões e todas essas pessoas precisam ser alimentadas. “Então, de onde virá essa comida extra?” Allan diz. “Não pode vir de usar mais terra, porque se usarmos mais terra, teremos que desmatar mais e a temperatura sobe ainda mais. Então, o que realmente precisamos é de mais produtividade. E isso, com toda probabilidade, exigirá transgênicos,”
Outros acreditam que os adotaremos apenas quando a alternativa for perder algo que valorizamos. Por anos, a indústria de citros da Flórida foi atormentada pelo “esverdeamento dos cítricos”, uma doença bacteriana que atualmente está sendo controlada – com sucesso limitado – por antibióticos e agrotóxicos. “Se se trata de comprar suco de laranja transgênico, ou não comprar suco de laranja, o que você vai escolher?” o produtor Harry Klee me disse. “É a mesma coisa que aconteceu com o mamão no Havaí. Em algum momento, o consumidor terá que decidir o que realmente importa para ele.”
Uma dessas coisas pode ser a própria biodiversidade que os transgêenicos ajudaram a diminuir. À medida que a agricultura se industrializou, a diversidade genética encolheu profundamente, com monoculturas (ou um número limitado de variedades resistentes) substituindo o que antes era uma cornucópia de variedades selvagens. Um estudo descobriu que antes mesmo deles serem introduzidos, perdemos 93% da diversidade genética em nossas frutas e vegetais. No início dos anos 1900, os fazendeiros de Iowa cultivavam regularmente melancias Chelsea de polpa rosa, que eram conhecidas por serem intensamente doces, mas agora praticamente desapareceram porque são delicadas demais para serem transportadas. Os damascos Blenheim, outrora amplamente cultivados na Califórnia, têm um sabor sublime de mel e uma pele delicada com manchas vermelhas, mas também se machucam facilmente e amadurecem de dentro para fora, confundindo os consumidores. Como resultado, os damascos Blenheim frescos agora são quase impossíveis de encontrar, embora, como disse o escritor de culinária Russ Parsons, eles sejam o damasco que “lembra o gosto daquela fruta”.
A engenharia genética e os transgênicos poderiam ajudar a desfazer essas perdas, restaurando variedades raras e delicadas de herança que antes eram abundantes, mas agora praticamente desapareceram. Uma visão atraente é que os pequenos produtores e acadêmicos descubram que modificação minúscula tornaria essa variedade de damascos um pouco mais duráveis, preservando tudo o mais sobre a textura e o sabor. Embora o damasco provavelmente nunca seja resistente ou controlável o suficiente para a produção em massa, ele pode se tornar resistente o suficiente para permitir que pequenos produtores plantem um pomar que seja sustentável.
Não são apenas as frutas mais frágeis que estamos perdendo – ou podemos perder em breve. As cerejas, por exemplo, são altamente sensíveis à chuva e geadas, um problema que as torna especialmente vulneráveis às mudanças climáticas. Elas também são extremamente sazonais, amadurecendo de uma só vez em apenas algumas semanas, em vez de crescerem o ano todo. Diante da escassez de mão de obra e da redução dos lucros, alguns produtores começaram a falar em converter seus pomares de cereja em maçãs, que se mantêm melhor e são menos arriscadas. Para evitar que isso aconteça, Hudson sugeriu que as cerejas poderiam ser mais fáceis de colher e talvez cultivadas o ano todo, como mirtilos (que até recentemente também eram altamente sazonais). “Isso significa que o agricultor obtém estabilidade e os trabalhadores obtêm estabilidade”, acrescentou.
Mas é improvável que vejamos esses tipos de projetos enquanto os transgênicos continuarem sendo produtos exclusivos de empresas agroquímicas globais. Embora um pesquisador de uma faculdade de agricultura possa estar interessado em trazer de volta aquela variedade de damasco – ou criar um novo e maravilhoso tomate antioxidante – a recompensa financeira é inexistente. “Imagine que você é uma grande empresa”, diz Ward, o presidente-executivo da AgBiome. “Você pode colocar um dólar em uma característica de controle de insetos na soja e trazer de 10 a 15 bilhões de dólares. Ou você pode colocar um dólar em um tomate mais saudável que, no pico, pode valer alguns milhões de dólares. É um cálculo financeiro muito simples.”
Há alguns sinais de que o futuro da produção de transgênicos sob medida em pequena escala já pode ter começado. No final de abril, Cathie Martin me disse que o USDA havia atualizado recentemente seus regulamentos para permitir que mais plantas transgênicas sejam cultivadas ao ar livre, sem um teste de campo de três anos ou em estufas hermeticamente fechadas. (As exceções são plantas ou organismos com potencial para ser uma praga, patógeno ou erva daninha). Na esteira dessa mudança, Martin e Jones estão planejando disponibilizar o tomate roxo primeiro para os jardineiros domésticos, que poderiam cultivá-lo a partir de sementes como logo na próxima primavera – bem antes de o tomate cultivado comercialmente chegar aos supermercados. (A aprovação do USDA é esperada para dezembro.) Atualmente, eles estão testando seis variedades diferentes, para encontrar a mais saborosa. “Quando desenvolvemos o tomate roxo pela primeira vez, eram os jardineiros caseiros que estavam mais interessados nele,” Martin observou. “E com a jardinagem doméstica, é um sistema opcional. Depende de você se você deseja cultivá-lo.”
Foi uma ideia intrigante. Meses antes, enquanto navegava em um site chamado The Garden Professors, percebi que uma jardineira doméstica chamada Janet Chennault postou uma consulta perguntando onde ela poderia comprar sementes transgênicas. Outros se perguntaram a mesma coisa. “Eu adoraria experimentar algumas sementes de vegetais transgênicos em minha horta”, disse uma mulher chamada Lorrie Delehanty.
Depois de algumas pesquisas, consegui localizar Delehanty, que havia se aposentado recentemente e estava morando em Charlottesville, Virgínia. Por telefone, ela se descreveu como tendo “um pequeno quintal minúsculo no meio da cidade” que ela e seu marido tinham trabalhou duro para se apropriar, plantando amoras-pretas ao longo da cerca e criando um santuário de pássaros ao redor da horta. Ela estava interessada em sementes transgênicas, disse ela, porque fazia suas próprias conservas e congelamento, “e estou sempre procurando cultivar algo diferente”.
Quando perguntei que tipo de coisa ela estava procurando, Delehanty ficou animada. “Algo com o sabor doce e fumegante de pimenta-escorpião sem o calor estridente”, ela começou. “Também batatas que resistem à crosta bacteriana. Estou farto de ficar com crostas de batatas. O tomate roxo – eu tentaria isso em um piscar de olhos.” Ela fez uma pausa. “Ah, e amoras maiores!”
Jennifer Kahn é redatora colaboradora da revista e diretora do programa de narrativa da Escola de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade da Califórnia, em Berkeley.
Levon Biss é um fotógrafo britânico conhecido por suas imagens extremamente ampliadas de assuntos naturais, como insetos e sementes.
Bobby Doherty é um fotógrafo que mora no Brooklyn e se dedica à fotografia de natureza morta em estúdio. Seu primeiro livro, “Seabird”, é uma coleção de momentos observados de 2014 a 2018.
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, agosto de 2021.