Fungicida é aplicado em plantação de soja no Paraná . Imagem: Dirceu Portugal – 23.jan.2021 /Fotoarena/Folhapress
Eduardo Militão, UOL, em Brasília
06/05/2022
Um agrotóxico banido na Europa e nos Estados Unidos por suspeita de causar câncer e malformação de fetos seguirá sendo usado no Brasil por tempo indeterminado. A diretoria da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) adiou, na semana passada, a decisão de banir ou liberar o uso do carbendazim nas lavouras do país.
No início deste ano, um estudo de técnicos da Anvisa já havia recomendado que o agrotóxico deixasse de ser vendido e aplicado nas lavouras do Brasil. Segundo eles, o produto é tóxico mesmo em pequenas quantidades.
Desde 2012, o suco de laranja que o Brasil vende para os Estados Unidos não possui carbendazim, para evitar vetos às exportações. A diretoria da Anvisa começou a julgamento do uso do agrotóxico em fevereiro deste ano. Porém, em 27 de abril, decidiu prorrogar, por quatro votos a um, a discussão sobre o efeito tóxico do produto. Antes de bater o martelo, o colegiado quer consultar o Ministério da Agricultura e o Ibama (Instituto Nacional de Recursos Naturais e Renováveis). Não há prazo para resposta dos órgãos.
No entanto, um dos diretores da agência, Alex Campos, disse ao UOL que ele e os colegas colocarão “energia” no processo para que os retornos ocorram em 30 dias, prazo final da TPS (tomada pública de subsídios), na qual são consultados especialistas, além de outros órgãos, para mais informações técnicas.
Se os órgãos quedarem inertes, seguiremos com os dados colhidos e com as questões suscitadas na deliberação aprovada pela diretoria colegiada”. Alex Campos, diretor da Anvisa.
A assessoria da Anvisa disse que a decisão sobre o agrotóxico ainda não foi tomada e que segue as “boas práticas de sua atuação”. O órgão regulador destacou que é preciso complementar o trabalho dos técnicos da agência, escrito num documento chamado AIR (Análise de Impacto Regulatório).
20 empresas fabricam fungicida
O carbendazim é um ingrediente ativo de várias marcas de fungicidas. São produtos para matar fungos em lavouras como soja, um dos motores do agronegócio nacional, algodão e frutas — de acordo com a própria bula do produto, combate a fungos deve ser feito com o uso de produtos diferentes na mesma plantação.
O fungicida está dentro de 41 marcas de defensivos fabricados por 20 empresas no país, de acordo com banco de dados do Ministério da Agricultura. O Sindiveg (Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Vegetal) foi procurado pelo UOL, mas a assessoria da entidade afirmou apenas que ela “não se manifesta sobre ingredientes ativos específicos”.
Reunidos em uma força-tarefa, os fabricantes de defensivos pediram medidas que, na prática, adiariam a análise do Anvisa. A agência atendeu duas reivindicações dos empresários (veja mais abaixo).
Produto induz toxicidade em óvulos, diz diretora
Em dezembro de 2019, a Anvisa iniciou um processo para reavaliar se alguns agrotóxicos poderiam continuar em uso no Brasil. O carbendazim é um deles. No início deste ano, técnicos da agência concluíram uma análise de impacto regulatório na qual foi recomendado que o produto deva ser banido do país. Foi o primeiro parecer do órgão para reavaliação toxicológica, segundo informou a assessoria da Anvisa à reportagem.
Essa avaliação dos técnicos da agência sobre a necessidade de proibir o defensivo agrícola foi endossada pela relatora do processo na Anvisa, a diretora Cristiane Jourdan. “Constatou-se que o carbendazim possui aspectos toxicológicos proibitivos de registro, sem possibilidade de se estabelecer um limiar de dose seguro para exposição”, escreveu ela, que é médica e advogada, em seu voto em 23 de fevereiro (leia a íntegra da parte 1 e da parte 2 do voto da diretora).
As principais consequências […] foram a possível indução de mutações nos óvulos e espermatozoides, possível toxicidade para os espermatozoides e óvulos e possível indução de malformações fetais de seres humanos”. Cristiane Jourdan, diretora da Anvisa.
Em fevereiro, os diretores da agência Meiruze Freitas e Alex Campos pediram vista (mais tempo para estudar o caso). No início de abril, os diretores chegaram a fazer uma reunião interna sobre os procedimentos da continuidade do julgamento. Foi sugerida a apresentação de um funcionário do corpo técnico para falar por três minutos sobre o carbendazim.
Mas os diretores rejeitaram a ideia. Um deles, por exemplo, entendeu que a apresentação técnica poderia mostrar uma espécie de divisão entre os diretores, segundo apurou o UOL.
Empresas pedem, e Anvisa atende duas reivindicações
Depois da primeira parte do julgamento, as empresas que fabricam o defensivo se mobilizaram. Uma força-tarefa para defender a continuidade do uso do carbendazim se reuniu com o Ministério da Agricultura e perguntou se o órgão havia se manifestado no processo, de acordo com informações da empresa Adama. Os empresários se reuniram com a própria Anvisa e fizeram três pedidos.
Eles pediram uma consulta pública, a complementação do estudo técnico AIR e a análise do Ministério da Agricultura e do Ibama. Os empresários negam que tenham pedido o adiamento da discussão pela agência. “Tanto a Adama quanto a Força-Tarefa que a representa nunca fizeram qualquer solicitação sobre isso”, informou a assessoria da Adama ao UOL. No julgamento de 28 de abril, seguindo o voto de Alex Campos, a maioria dos diretores decidiu complementar o estudo técnico AIR e ouvir o ministério e o Ibama.
Procuradas, as empresas FMC Química, UPL Insumos, Nortox, Sumitomo e Helm Mercantil, que também fabricam o carbendazim, não prestaram esclarecimentos até a publicação desta reportagem.
Tema provoca debates “acalorados”, diz diretor
Em 27 de abril, os diretores Alex Campos e Meiruze retomaram o julgamento na Anvisa, cerca de dois meses depois do início da votação. O voto de Campos foi para aguardar mais tempo e pedir informações ao Ministério da Agricultura e ao Ibama. Segundo ele, o tema é “complexo” e provoca “debates acalorados”.
O diretor da Anvisa disse que, caso o carbendazim seja proibido, é preciso avaliar os prazos de retirada dos produtos das prateleiras das lojas agropecuárias. Advogado, ele destacou as consequências legais da decisão.
Não se vislumbra possibilidade de garantir a utilização dos estoques remanescentes sob pena de sujeição a sanções de naturezas civil, administrativa e criminal, motivo pelo qual é indispensável que o prazo de banimento total do produto seja amplamente discutido com todos os atores” Alex Campos, diretor da Anvisa.
Em seu voto (leia a íntegra), Campos dá 30 dias para ser feita tomada pública de subsídios técnicos. Enquanto isso, espera-se que o Ibama e o Ministério da Agricultura se manifestem, embora sem prazo para isso. Campos disse que, se os órgãos ficarem “inertes”, a agência tomará a decisão com as informações disponíveis. Os diretores Meiruze, Romison Mota e o presidente da agência, Antonio Barra Torres, seguiram o voto de Campos. Cristiane Jourdan votou contra. Veja a reunião da Anvisa sobre o carbendazim, a partir dos 50 minutos:
Proibido na Europa, produto é vendido em lojas por R$ 922
O carbendazim é proibido na Europa desde 2010. Em 2011, os Estados Unidos encontraram uma quantidade do fungicida banido em terras norte-americanas em um lote de suco de laranja importado do Brasil. A reportagem do UOL encontrou um galão de 20 litros do defensivo por R$ 922 em uma loja agropecuária na periferia de Brasília. Essa quantidade de fungicida pode ser usada, por exemplo, em uma área de 20 campos de futebol de soja para evitar o mofo branco nas plantas.
Além das produções de laranja e soja, o agrotóxico é usado em culturas ou no tratamento de sementes de feijão, arroz, maçã, milho, algodão e trigo. A agência ambiental dos Estados Unidos (Usepa) “classificou o carbendazim como possível carcinogênico humano, com base nos tumores hepáticos observados em camundongos fêmea”, de acordo com um relatório da Anvisa. A agência descreveu ainda que a autoridade para segurança alimentar da Europa (EFSA) “provocou aberrações cromossômicas numéricas”.
Defensivo é “muito poluente”, dizem pesquisadores
Além dos problemas à saúde humana, o carbendazim causa danos ao meio ambiente. Um banco de dados do Ministério da Agricultura classificou o ingrediente como produto muito perigoso ao meio ambiente” ao mesmo tempo em que o entendeu como “improvável de causar dano agudo” à saúde. Quatro pesquisadores do Instituto de Química do campus da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, no interior paulista, observaram que o uso do carbendazim é “intenso” nas lavouras. “Esse fungicida tornou-se poluente muito persistente no solo e na água”, escreveram os doutores em química Cláudia Breda Coutinho, Andressa Galli, Luiz Henrique Mazo e Sérgio Spínola Machado, em estudo de 2006.
A Anvisa disse que o processo acontece de maneira normal e conforme os melhores procedimentos. “A agência reitera que o processo de reavaliação do carbendazim está seguindo as diretrizes vigentes de boas práticas regulatórias e que não houve, até o momento, discussão quanto ao mérito da análise técnica referente à reavaliação toxicológica”, afirmou a assessoria.
“A atuação da Anvisa segue pautada em sua missão de proteção e promoção da saúde da população”
Nota da Anvisa Câmara aprovou ‘pacote do veneno’
Apelidado de “pacote do veneno” por parlamentares de oposição ao governo Bolsonaro e alvo de críticas de ambientalistas, um projeto de lei que afrouxa normas de controle sobre agrotóxicos e autoriza a produção de pesticidas genéricos no Brasil foi aprovado em fevereiro na Câmara dos Deputados. O projeto, que teve origem no Senado e que passou 20 anos em tramitação, está de volta à Casa à espera da votação dos senadores. A iniciativa foi recebida com preocupação nas instituições europeias. A deputada Anna Cavazzini, parlamentar do Partido Verde e presidente do Comitê sobre Mercado Interno e Proteção do Consumidor do Parlamento Europeu, por exemplo, criticou a medida em fevereiro passado. Segundo ela, o pacote dificultará um acordo da Europa com o Mercosul.