Agência Fapesp – Há outros tipos de ameaças à conservação da Amazônia, além do desmatamento, que ocorrem em pequena escala e em áreas de várzea da região – como a extração inadequada de madeira e o manejo inapropriado de recursos pesqueiros –, que podem gerar transformações tão importantes na floresta nas próximas décadas quanto as queimadas.
http://envolverde.com.br/noticias/ameacas-amazonia-vao-alem-queimadas/
Esses fenômenos, contudo, são menos perceptíveis e não são facilmente detectáveis na paisagem por imagens aéreas, como são as próprias queimadas, por acontecerem no interior da floresta e fora do chamado “Arco do desmatamento amazônico” (região de borda do bioma que corresponde ao sul e ao leste da Amazônia Legal e abrange todos os estados da região Norte, mais Mato Grosso e uma parte do Maranhão). Por isso, podem passar despercebidos e não merecer a mesma atenção recebida pelos desmatamentos pelos órgãos fiscalizadores.
O alerta foi feito por Hélder Queiroz, pesquisador do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), durante o sétimo encontro do Ciclo de Conferências 2013 do BIOTA-FAPESP Educação, realizado no dia 19 de setembro em São Paulo.
“A diminuição do desmatamento é, sem dúvida, muito importante para a conservação da Amazônia, mas ele não representa a única ameaça ao bioma”, afirmou Queiroz.
“Também há um grupo grande de ameaças, composto por transformações de habitat em pequena escala realizadas exatamente da mesma forma nos últimos 50 anos e de difícil detecção, mas que geram mudanças importantes na composição e na estrutura da floresta e cujos efeitos serão prolongados por muitas décadas”, estimou.
A extração inadequada de madeira da Floresta Amazônica, por exemplo, pode alterar o número de espécies de animais que vivem em uma determinada área da selva. Isso porque, de acordo com o pesquisador, algumas espécies de árvore cuja madeira tem grande valor comercial – e, por isso, são mais visadas – também podem ser importantes para alimentação da fauna.
A retirada dessas espécies de árvore de forma desordenada pode alterar a composição florística e, consequentemente, de espécies de animais de uma área da floresta, ressaltou Queiroz.
“A abertura de pequenas clareiras para remoção específica dessas espécies de madeira não é detectada pelas imagens de satélite porque, geralmente, elas têm poucos metros quadrados”, disse Queiroz.
“Ao final de três décadas, todas as espécies dessas árvores e, consequentemente, a fauna que dependia delas podem desaparecer da região”, alertou.
Pesca e caça inadequadas
Outra ameaça que está se tornando um problema na Amazônia, de acordo com o pesquisador, é a pesca desordenada da piracatinga (Calophysus macropterus) – espécie de peixe sem escama, apreciada para consumo, conhecida popularmente como “urubu d´água”, por ser carnívora e se alimentar de restos de peixe e outros animais.
Para a pesca do peixe na região amazônica está sendo utilizada como isca a carne de jacaré e de boto cor-de-rosa. Por causa disso, o número de botos cor-de-rosa – também conhecidos como botos-vermelhos (Inia geofrrensis) – diminuiu em diversas regiões da Amazônia, indicam dados de monitoramento da espécie na região da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) de Mamirauá fornecidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
“A carcaça de um jacaré ou de boto cor-de-rosa vale, no máximo, R$ 100,00 na região amazônica e gera aproximadamente entre 200 e 300 quilos dessa espécie de peixe”, disse Queiroz.
“Além de uma crise pesqueira, esse problema representa um sistema de valoração da biodiversidade que está profundamente desequilibrado”, avaliou.
Já em terra, segundo o pesquisador, a caça desordenada de determinadas espécies de animais tem resultado no surgimento do que alguns autores denominaram no início da década de 1990 de “florestas vazias” – áreas de floresta em pé, mas nas quais as principais espécies de animais responsáveis pela reprodução, polinização e dispersão de sementes desaparecem em razão da caça desenfreada.
“A expressão cunhada para esse fenômeno – ‘florestas vazias’ – é romântica, mas o problema é preocupante e os efeitos dele são só percebidos ao longo de décadas”, avaliou Queiroz. “Os aviões ou satélites utilizados para monitoramento também não conseguem identificar essas regiões de floresta cujas árvores estão em pé, mas nas quais as espécies de animais estão sendo intensamente caçadas”, afirmou.
Florestas alagadas
Em geral, a maior parte dessas ameaças “imperceptíveis” ocorre nas chamadas florestas alagadas ou de várzea – que representam quase um quarto de toda a extensão da Amazônia, ressaltou o pesquisador.
Submetidas ao regime de alagamento diário, sazonal ou imprevisível – de acordo com o regime de chuvas –, essas regiões de baixas altitudes são alagadas por águas brancas, de origem andina, escoadas, principalmente, pelos rios Solimões e Madeira.
Como são muito produtivos – por suas águas receberem grandes cargas de nutrientes e sedimentos –, os recursos naturais das florestas de várzea da Amazônia são abundantes. Por isso, são densamente ocupadas desde o período pré-colombiano.
“Praticamente 75% da população amazônica [cerca de 8 milhões de pessoas] está diretamente inserida nesses ambientes de várzea ou em suas proximidades, vivendo, trabalhando e transformando essas regiões”, disse Queiroz.
“Isso significa que esses ambientes são mais ameaçados do que os localizados no ‘arco do desmatamento’, porque recebem maior impacto diário das populações, ainda que não sejam detectados na paisagem, como o desmatamento”, comparou.
Justamente por terem grande densidade populacional, é difícil criar Áreas Prioritárias para Conservação (Arpa) nessas regiões de floresta alagada, contou Queiroz. “Existem poucas áreas protegidas e muitas propostas de criação de Arpas em florestas alagadas da Amazônia”, afirmou.
Algumas delas são as RDS de Mamirauá e Amanã, que, juntas, somam quase 3,5 milhões de hectares da Amazônia.
Criada no início dos anos de 1980 com intuito de proteger o macaco uacari- branco (Cacajao calvus), a Reserva de Mamirauá começou a ser gerida no final dos anos 1990 pelo Instituto Mamirauá, que tem o objetivo de realizar pesquisa de conservação da biodiversidade.
Os pesquisadores da instituição fazem pesquisas voltadas principalmente para o manejo sustentável dos recursos naturais. E, mais recentemente, começaram a desenvolver tecnologias sociais voltadas ao tratamento de água e ao saneamento ambiental, entre outras finalidades.
“Desde 2010 estamos expandindo nossas ações. Atualmente elas atingem 150 mil pessoas. Mas esperamos chegar, nos próximos anos, 1,5 milhão de pessoas”, contou Queiroz.
Redução do desmatamento
O evento na Fapesp também contou com a participação de Maria Lucia Absy, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Em sua palestra, Absy destacou a queda das taxas anuais de desflorestamento da Amazônia Legal, que, no total, caíram 84% no período de 2004 a 2012, segundo dados do Projeto Prodes, do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama).
“As ações de fiscalização e redução dos índices de desmatamento da Amazônia contam com o suporte fundamental dessa ferramenta e do Deter [Sistema de Detecção do Desmatamento do Tempo Real, realizado pelo Inpe]”, ressaltou.
“Não é que seja errado desmatar uma área – desde que não seja grande – para fins produtivos. O errado é fazer isso aleatoriamente, sem metodologia e técnicas de manejo florestal”, avaliou Absy.
O próximo encontro do Ciclo de Conferências 2013 do Biota Educação será realizado no dia 24 de outubro, quando será abordado o tema “Ambientes marinhos e costeiros”.
Finalizando o ciclo, em 21 de novembro, o tema será “Biodiversidade em Ambientes Antrópicos – Urbanos e Rurais”.
Organizado pelo Programa de Pesquisa em Caracterização, Conservação, Recuperação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo (BIOTA-FAPESP), o Ciclo de Conferências 2013 tem o objetivo de contribuir para o aperfeiçoamento do ensino de ciência.
* Publicado originalmente no site Agência Fapesp.
Por trás do desmatamento da Amazônia
http://envolverde.com.br/noticias/tras-desmatamento-amazonia/
por Elton Alisson, da Agência Fapesp
Agência Fapesp – O consumo interno do Brasil e as exportações de soja, carne bovina e outros produtos primários provenientes da Amazônia são responsáveis por mais da metade das taxas de desmatamento e, consequentemente, das emissões de gases de efeito estufa (GEE) registradas pelo bioma.
A avaliação é de um estudo realizado por pesquisadores da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), da Universidade de São Paulo (USP), no âmbito de um Projeto Temático, realizado no Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
Os resultados do estudo foram apresentados no dia 12 de setembro durante a 1ª Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais (Conclima), realizada pela Fapesp em parceria com a Rede Brasileira de Pesquisa e Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima) e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC), em São Paulo.
“Mais da metade das emissões de GEE da Amazônia acontecem por conta da demanda de consumo fora da região, para abastecimento interno do país ou para exportação”, disse Joaquim José Martins Guilhoto, professor da FEA e um dos pesquisadores participantes do projeto.
De acordo com dados apresentados pelo pesquisador, obtidos do segundo Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa – publicado no final de 2010, abrangendo o período de 1990 a 2005 –, em 2005 o Brasil emitiu mais de 2,1 gigatoneladas de CO2 equivalente. A Amazônia contribui com mais de 50% das emissões de GEE do país.
A fim de identificar e entender os fatores econômicos causadores do desmatamento e, por conseguinte, das emissões de GEE na Amazônia naquele ano, os pesquisadores fizeram um mapeamento das emissões diretas por atividade produtiva separando a Região Amazônica do restante do Brasil e calcularam a parcela de contribuição de cada um na emissão de CO2 equivalente, assim como a participação das exportações.
Os cálculos revelaram que as exportações diretas da Amazônia são responsáveis por 16,98% das emissões de GEE da região. Já as exportações do resto do país são responsáveis por mais 6,29% das emissões da Amazônia, uma vez que há produtos provenientes da região que são processados e exportados por outros estados brasileiros.
O consumo interno, por sua vez, responde por 46,13% das emissões amazônicas, sendo 30,01% pelo consumo no restante do país e 16,12% pelo consumo dentro da própria Região Amazônica, aponta o estudo.
“A soma desses percentuais demonstra que mais de 50% das emissões de GEE da Amazônia ocorrem por conta do consumo de bens produzidos na região, mas consumidos fora dela”, afirmou Guilhoto. “Essa constatação indica que os fatores externos são mais importantes para explicar as emissões de GEE pela Amazônia.”
Segundo o estudo, a pecuária, a produção de soja e de outros produtos agropecuários são os setores produtivos que mais contribuem para as emissões de GEE pela Amazônia. Mas, além deles, há outros setores econômicos, como o de mobiliário, entre outros, que são fortemente dependentes de insumos produzidos na região.
“Os dados obtidos no estudo mostram que, de modo geral, apesar de haver uma dependência muito maior da Amazônia pelos insumos produzidos pelo resto do Brasil, a pouca dependência que o resto do Brasil tem do bioma se dá em insumos fortemente relacionados com a emissão de GEE na região”, resumiu Guilhoto.
Redução do desmatamento
Em outro estudo também realizado por pesquisadores da FEA, no âmbito do Projeto Temático, constatou-se que entre 2002 e 2009 houve uma grande expansão da área de produção agropecuária brasileira e, ao mesmo tempo, uma redução drástica das taxas de desmatamento da Amazônia.
A cana-de-açúcar, a soja e o milho responderam por 95% da expansão líquida da área colhida entre 2002 e 2009, enquanto o rebanho bovino teve um acréscimo de 26 milhões de cabeças de gado. Nesse mesmo período a Amazônia registrou uma queda de 79% do desmatamento.
A fim de investigar os principais vetores do desmatamento no país, uma vez que boa parte dos eventos de expansão agropecuária ocorre fora da Amazônia, os pesquisadores fizeram um estudo usando análises espaciais integradas do território brasileiro, incluindo os seis biomas do país.
Para isso, utilizaram dados sobre desmatamento obtidos do Projeto Prodes, do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), além de imagens georreferenciadas obtidas dos satélites Landsat, da agência espacial americana Nasa.
O estudo revelou que, no período de 2002 a 2009, foram desmatados 12,062 milhões de hectares da Amazônia, 10,015 milhões de hectares do Cerrado, 1,846 milhão de hectares Caatinga, 447 mil hectares do Pantanal, 375 mil hectares da Mata Atlântica e 257 mil hectares do Pampa.
“A soma desses números indica que o Brasil desmatou em sete anos o equivalente ao Estado de São Paulo mais o Triângulo Mineiro ou uma Grã-Bretanha”, calculou Rafael Feltran-Barbieri, pesquisador da FEA e um dos autores do estudo.
De acordo com o pesquisador, uma das principais conclusões do estudo foi que os outros biomas estão funcionando como uma espécie de “amortecedor” do desmatamento da Amazônia.
“Quando consideramos a expansão agropecuária do Brasil como um todo, vemos que boa parte da redução das taxas de desmatamento da Amazônia se deve ao fato de que os outros biomas estão sofrendo essas consequências [registrando aumento no desmatamento]”, afirmou.
Outra conclusão do estudo é de que há um impacto espacial sinérgico dos vetores do desmatamento no Brasil, uma vez que a expansão das diversas atividades agropecuárias – como o cultivo da cana e da soja ou a criação de gado – ocorre de forma concomitante e disputa território.
No caso da cana-de-açúcar, uma das constatações foi que, no período de 2002 a 2009, a cultura passou a ocupar áreas desmatadas por outras atividades agropecuárias, embora ela própria não tenha vocação para desmatar.
“Estamos percebendo que existe uma formação quase complementar entre as expansões [nos diferentes biomas] e isso faz com que os efeitos de desmatamento sejam altamente correlacionados”, disse Feltran-Barbieri.
“Essa constatação leva à conclusão de que, se o Brasil pretende assumir uma posição de fato responsável em relação às mudanças climáticas – e disso depende a agropecuária –, é preciso fazer planejamento estratégico do território, porque o planejamento setorial não está dando conta de compreender esses efeitos sinérgicos”, avaliou.
* Publicado originalmente no site Agência Fapesp.