
O Puy de Dôme e, em seu cume, o Observatório Global de Física de Clermont-Ferrand, 22 de julho de 2025. ALEX/PRESSE SPORTS
20 set 2025
[Nota do Website: A última afirmação do pesquisador é profundamente triste e revoltante! O que viemos fazendo com nosso belo Planeta? E dizemos isso não só sobre os agrotóxicos, mas sobre todas as moléculas sintéticas que nos dominam e invadem nossas vidas e nossos ambientes. A pergunta é: por que não temos um mínimo de humanidade e com simplicidade reconhecermos que erramos ao pretendermos ‘sobrepujar’ aquilo que arrogante e estupidamente achamos que haveriam ‘erros’ na natureza e por isso deveríamos ‘corrigir’ esses pretensos equívocos da Vida?].
Até 140 toneladas de substâncias ativas, algumas das quais proibidas, estão dissolvidas nas nuvens sobre a França continental, de acordo com um estudo franco-italiano. Ecossistemas distantes da atividade humana estão expostos a essas moléculas por meio da precipitação.
As nuvens estão se revelando um reservatório de agrotóxicos muito maior do que o esperado, e todos os dias, grandes quantidades de substâncias ativas (herbicidas, inseticidas, fungicidas) são precipitadas na Terra com a chuva. Em um estudo a ser publicado na edição de outubro da revista Environmental Science & Technology, uma equipe franco-italiana estimou, pela primeira vez, a quantidade de substâncias ativas (herbicidas, inseticidas, fungicidas e seus metabólitos) presentes nas nuvens que circulam sobre a França metropolitana.
“Quando comecei este projeto, esperava encontrar apenas alguns quilos“, diz Angelica Bianco, pesquisadora do Laboratório de Meteorologia Física (CNRS/Centre National de la Recherche Scientifique, Universidade de Clermont-Auvergne), primeira autora deste trabalho. No final, os resultados são muito diferentes: dependendo da cobertura de nuvens no momento, entre 6 e 140 toneladas de agrotóxicos circulam no céu francês. E que, portanto, podem ser distribuídas por longas distâncias no meio ambiente.
Os autores buscaram cerca de 450 substâncias em seis amostras de nuvens coletadas em diferentes estações do ano no cume do cerro Puy de Dôme, a uma altitude de cerca de 1.500 metros, utilizando as instalações do Observatório de Física Global de Clermont-Ferrand. Pouco mais de trinta moléculas foram detectadas em pelo menos uma amostra. “Um dos pontos mais alarmantes desses resultados é que, em pelo menos um terço das amostras, a concentração total de agrotóxicos é superior ao limite de qualidade para água potável “, explica a Sra. Bianco — ou 0,5 microgramas por litro (µg/l) para a soma das substâncias identificadas. A pesquisadora enfatiza que esses resultados provavelmente subestimam a realidade, já que o glifosato, o agrotóxico/herbicida mais utilizado na França e no mundo, não foi detectado nas amostras.
Fortes variações dependendo das estações
Este fenômeno é conhecido há muito tempo por meio de análises de águas pluviais. Medições realizadas em Estrasburgo em 2002 e 2003 mostraram, por exemplo, que certas moléculas (diuron, atrazina, etc.) foram encontradas na precipitação em concentrações mais de dez vezes superiores a esse valor limite. No caso da atrazina (nt.: para se saber que molécula é essa acessar o link), os níveis foram, por vezes, até duas a três vezes superiores ao valor máximo (2 µg/l), ou seja, além do limite que indica um risco à saúde dos consumidores!
No entanto, essas medições variaram muito dependendo da estação do ano e da pulverização praticada na área. “De nossa parte, tomamos o cuidado de realizar nossas medições de forma a excluir a contaminação devido ao transporte local de massas de ar das áreas agrícolas vizinhas“, explica a Sra. Bianco. “Os agrotóxicos que medimos estão, na verdade, circulando na troposfera” Ao extrapolar esses dados para a quantidade de nuvens na baixa troposfera acima do território nacional, os autores calculam que até 140 toneladas de substâncias ativas estão dissolvidas ali.
Entre as substâncias encontradas, várias são proibidas, algumas há muito tempo. Como a atrazina, herbicida proibido na Europa em 2003, ou o carbendazim, fungicida retirado do mercado em 2008. Da mesma forma, inseticidas como fipronil e permetrina, também proibidos há muito tempo, foram encontrados nas amostras. “A presença dessas substâncias proibidas na Europa pode ser explicada pelo possível transporte de longa distância em nuvens, de regiões onde ainda são utilizadas“, diz a Sra. Bianco. “Também pode ser devido a usos ilegais na Europa ou mesmo à recirculação na atmosfera por meio de práticas de irrigação, quando a água é bombeada de aquíferos onde algumas dessas moléculas se acumularam.”
“Métodos de ponta”
Gerhard Lammel (Instituto Max Planck de Química, Alemanha, e Universidade Masaryk, República Tcheca), autor de um trabalho seminal sobre o tema, considera este estudo “muito interessante e relevante para a compreensão do destino dos agrotóxicos na atmosfera” . “É o primeiro a abordar o ciclo de agrotóxicos nas nuvens usando métodos de ponta“, afirma o pesquisador alemão. ” Esta pesquisa pode inspirar e estimular novos estudos sobre o destino atmosférico e a distribuição em larga escala de agrotóxicos, bem como seus impactos ecológicos.”

Atualmente, os potenciais efeitos nocivos dessas substâncias longe de seus locais de uso não são considerados nos procedimentos oficiais de avaliação de risco. E por um bom motivo, observa Lammel: “O transporte de agrotóxicos por longas distâncias e sua deposição em ecossistemas distantes não são esperados de acordo com os critérios aplicados pelos procedimentos de autorização atuais na Europa.” Como não é esperado que ocorra, o fenômeno recebeu pouca atenção até agora, embora ocorra.
“Com a movimentação das nuvens e a distância percorrida, produtos proibidos na Europa devido à sua toxicidade ainda chegam até nós de países onde ainda são autorizados”, acrescenta a ecologista Ségolène Humann-Guilleminot (Universidade Radboud, Nijmegen, Holanda), coautora de um trabalho que mostra a presença generalizada de neonicotinoides na Suíça , inclusive em áreas que nunca foram tratadas. “O problema é global”, resume a pesquisadora.
Agrotóxicos particularmente nocivos
A deposição regular de pequenas doses de misturas deles por precipitação em ecossistemas distantes de qualquer atividade humana ainda é um ponto cego na ecotoxicologia. O trabalho da Sra. Bianco e seus coautores abre, portanto, novos caminhos de pesquisa para explicar o colapso na abundância de insetos nas regiões mais remotas. Na Groenlândia, por exemplo, um trabalho publicado em 2017 na revista Ecography destaca um declínio catastrófico na abundância de 16 espécies locais de moscas nos últimos anos: suas populações caíram aproximadamente 80% entre 1996 e 2014 (nt.: onde andam as efemérides que abundavam nos nossos faróis e para-brisas, nas noites de verão?).
Em geral, esses declínios são, por padrão, atribuídos ao aquecimento global, mas, como observa o biólogo Dave Goulson (Universidade de Sussex), autor de vários trabalhos sobre biologia e ecologia de insetos polinizadores, “a questão está no centro de muitos debates“. E a demonstração de que esses ambientes estão, na realidade, expostos a pesticidas particularmente nocivos à fauna de insetos pode reordenar as cartas do debate.
“As evidências de declínios significativos nas populações de insetos em áreas onde não se utilizam agrotóxicos, como as florestas tropicais de Porto Rico e Costa Rica e reservas naturais na Alemanha, são particularmente intrigantes“, afirma o pesquisador britânico. “Este novo estudo se soma ao crescente conjunto de evidências de que os agrotóxicos se espalham pela atmosfera e caem como chuva ou neve a centenas, senão milhares, de quilômetros de onde foram utilizados. Nosso belo planeta está agora banhado por um coquetel de venenos.”
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, setembro de 2025