Agrotóxico: ‘Parkinson é uma doença provocada pelo homem’

Bas Bloem, médico holandês. Ilustrações de Laura Scott para POLITICO

https://www.politico.eu/article/bas-bloem-parkinsons-pesticides-mptp-glyphosate-paraquat/

BARTOSZ BRZEZIŃSKI, em Nijmegen, Holanda

14 abr 2025

[Nota do Website: Esta matéria, infelizmente, somente confirma o que a ciência vem gradativamente demonstrando com relação às moléculas artificiais. Agora estamos efetivamente vivendo e convivendo com a fundamentação paradigmática da química artificial: ser contrária a todas as manifestações naturais e consequentes, da vida dos seres vivos. Isso vai desde a tentativa ilusória e arrogante de controlar os processos naturais de decomposição e de transformações das relações interespécies até a tentativa de contornar os equívocos da produção agrícola, por exemplo. Como? Ao pretensiosamente chamar-se de ‘daninhas’ ou de ‘pestes’, organismos que só se expandem de forma exponencial por erros tecnológicos do supremacismo antropocêntrico de determinadas culturas humanas. Nas florestas que existem, ocorrem os avanços além do processo natural de convivência além dos limites de qualquer espécie? Ou, ao contrário, há uma processo de nascimento, morte e integração, de tal forma harmônica que elas estão aí há milênios sem nunca se extinguirem, a não ser pela brutalidade humana? E mais, vivem povos nelas e de forma integrada se associam a elas e convivem há séculos. Mas a ideologia do controle e da vigilância de uns sobre muitos, o que fomentou o aparecimento de doutrinas como o capitalismo, é que está levando todas as formas de vida a um abismo insondável. Será que não chegou a hora de sermos mais humildes, reconhecermos que nos equivocamos e nos aproximarmos das forças da chamada ‘natureza’ e em vez de lutarmos contra elas, nos associarmos a toda sua exuberância, diversidade e grandeza, para vivermos em harmonia com e no Planeta?].

A supervisão deficiente de agrotóxicos na Europa pode estar alimentando uma epidemia silenciosa, alerta o neurologista holandês Bas Bloem. Sua luta por reformas o coloca contra a indústria, os órgãos reguladores — e o tempo.

No verão de 1982, sete usuários de heroína foram internados em um hospital da Califórnia, paralisados ​​e mudos. Eles estavam na faixa dos 20 anos, saudáveis ​​— até que uma droga sintética que haviam fabricado em laboratórios improvisados ​​os deixou congelados dentro de seus próprios corpos. Os médicos rapidamente descobriram a causa: MPTP, um contaminante neurotóxico que havia destruído uma parte pequena, mas crucial, do cérebro, a substância negra, que controla os movimentos.

Os pacientes desenvolveram sintomas de Parkinson em estágio avançado quase da noite para o dia.

Os casos chocaram os neurologistas. Até então, acreditava-se que o Parkinson era uma doença do envelhecimento, com origens lentas e misteriosas. Mas aqui estava a prova de que uma única substância química poderia reproduzir o mesmo resultado devastador. E ainda mais perturbador: o MPTP revelou-se quimicamente semelhante ao paraquate, um herbicida amplamente utilizado que, durante décadas, foi pulverizado em fazendas nos Estados Unidos e na Europa.

Embora a medicação tenha ajudado alguns a recuperar os movimentos, o dano foi permanente — os sete pacientes nunca se recuperaram totalmente.

Para um jovem médico holandês chamado Bas Bloem, a história se tornaria marcante. Em 1989, logo após concluir a faculdade de medicina, Bloem viajou para os Estados Unidos para trabalhar com William Langston, o neurologista que havia descoberto a ligação entre a MPTP e o Parkinson. O que ele viu lá reformulou sua compreensão da doença — e de suas causas.

“Foi como um raio”, conta Bloem. “Uma única substância química havia replicado toda a doença. O Parkinson não era apenas azar. Podia ser causado.”

A criação de uma doença provocada pelo homem

Hoje, aos 58 anos, Bloem lidera uma clínica e equipe de pesquisa reconhecidas mundialmente em sua base no Centro Médico Universitário Radboud, em Nijmegen, uma cidade medieval holandesa perto da fronteira com a Alemanha. A equipe trata centenas de pacientes todos os anos, enquanto a equipe é pioneira em estudos sobre diagnóstico precoce e prevenção.

O corredor em frente ao consultório de Bloem não estava agitado na minha visita recente, mas lotado — pacientes se movimentando lenta e deliberadamente, alguns com andadores, outros com o braço de um cuidador sob o seu. Um está curvado para a frente, num arrastar de pés rígido e deliberado; outro para silenciosamente perto da escada, com o rosto relaxado, não ausente — apenas suspenso, como se cada gesto tivesse se tornado custoso demais.

Nos dias de maior movimento, a clínica atende mais de 60 pacientes. “E mais estão chegando”, diz Bloem.

A presença de Bloem é carismática e cinética: alto — pouco mais de 2 metros, diz ele com um sorriso —, com o hábito de andar enquanto fala, e um jaleco branco forrado com canetas coloridas. Seu longo cabelo grisalho está penteado para trás, com alguns fios escapando enquanto ele anda pela sala. Pacientes pintam retratos dele, escrevem poemas sobre ele. Sua equipe o chama de “o médico que nunca para de se mover”.

Ao contrário de muitos pesquisadores de sua estatura, Bloem não fica nos bastidores. Ele palestra em conferências internacionais, presta consultoria a formuladores de políticas e expõe seus argumentos ao público e ao mundo científico.

Seu trabalho abrange tanto o cuidado quanto a causa — desde a promoção do movimento e do tratamento personalizado até o alerta sobre o que pode estar desencadeando a doença. Além de seu foco em exercícios e prevenção, ele se tornou uma das vozes mais expressivas sobre os fatores ambientais que influenciam o Parkinson — e o que ele vê como uma crescente incapacidade de confrontar seu impacto a longo prazo no cérebro humano.

O Parkinson é uma doença causada pelo homem” (nt.: destaque em negrito dado pela tradução para se entender o que representam os agrotóxicos na sociedade atual!), diz ele. “E a tragédia é que nem estamos tentando preveni-la.”

Quando o cirurgião inglês James Parkinson descreveu pela primeira vez a “paralisia trêmula” em 1817, ela foi considerada uma curiosidade médica — uma aflição rara de homens idosos. Dois séculos depois, a doença de Parkinson mais que dobrou globalmente nos últimos 20 anos e espera-se que dobre novamente nos próximos 20 (nt.: mais uma síndrome que como o autismo, também está associada à química sintética que se usa na agricultura). É agora uma das doenças neurológicas que mais cresce no mundo, superando o AVC e a esclerose múltipla. A doença causa a morte progressiva dos neurônios produtores de dopamina e gradualmente rouba das pessoas o movimento, a fala e, eventualmente, a cognição. Não há cura.

A idade e a predisposição genética desempenham um papel. Mas Bloem e a comunidade neurológica em geral argumentam que esses dois fatores, por si só, não explicam o aumento acentuado de casos. Em um artigo de 2024, coautorado com o neurologista americano Ray Dorsey, Bloem escreveu que o Parkinson é “predominantemente uma doença ambiental” — uma condição moldada menos pela genética e mais pela exposição prolongada a substâncias tóxicas como poluição do ar, solventes industriais e, acima de tudo, AGROTÓXICOS (nt.: letras em caixa alta e em negrito são destaques da tradução, PARA QUE TODOS POSSAM COMPREENDER O QUE É O AGRONEGÓCIO E AS MAZELAS DE TODA A ORDEM QUE GERA!).

Taxa de Prevalência de Parkinsonhttps://datawrapper.dwcdn.net/FwPkh/1

A maioria dos pacientes que passam pela clínica de Bloem não são agricultores, mas muitos vivem em áreas rurais onde o uso de agrotóxicos é generalizado. Com o tempo, ele começou a notar um padrão: o Parkinson parecia surgir com mais frequência em regiões dominadas pela agricultura intensiva (nt.: novamente destaque da tradução para trazer outro significado para monoculturas, commodities, etc.).

“O Parkinson era uma doença muito rara até o início do século XX”, diz Bloem. “Depois, com a revolução agrícola, a revolução química e a explosão do uso de agrotóxicos, as taxas começaram a subir.”

A Europa, para seu crédito, agiu com base em parte da ciência. O paraquat — o herbicida quimicamente semelhante ao MPTP — foi finalmente proibido em 2007, embora somente depois que a Suécia processou a Comissão Europeia por ignorar as evidências de sua neurotoxicidade. Outros agrotóxicos com ligações conhecidas ao Parkinson, como a rotenona (nt.: esse é o princípio ativo natural que ocorre em plantas leguminosas tanto na América do Sul como no sul da Ásia e na Austrália. Usado como inseticida e para matar peixes. Muito empregado entre os povos originários na Amazônia. Não tem uso corriqueiro na agricultura, eventualmente nos cultivos orgânicos. Se injetado reproduz os mesmos sintomas do Parkinson) e o maneb (nt.: esse é um fungicida conhecido também como mancozeb -maneb com zinco- e a marca comercial mais conhecida é o Dithane. A molécula era da corporação consorciada entre a Dow e a DuPont. Mas em 2015, esse novo conglomerado DowDuPont, passa para a nova Corteva que absorve toda a parte da agroquímica. Mas em 2024, a formulação comercial é transferida para a nova transnacional dos venenos agrícolas indiana UPL. Para se ter uma ideia da monstruosidade dessa realidade, no Brasil são 91 produtos comerciais que têm a molécula mancozeb!), não são mais aprovados.

Mas esse não é o caso em outros lugares. O paraquat ainda é fabricado no Reino Unido e na China, pulverizado em fazendas nos Estados Unidos, Nova Zelândia e Austrália, e exportado para partes da África e América Latina — regiões onde as taxas de Parkinson estão aumentando acentuadamente.

Outrora o segundo herbicida mais vendido no mundo — depois do glifosato — o paraquat ajudou a gerar grandes lucros para sua fabricante, a Syngenta, empresa suíça (nt.: agora, desde 2015, é da empresa estatal química) de capital chinês. Mas seu auge comercial já passou há muito tempo, e o produto químico agora representa apenas uma pequena fração dos negócios totais da empresa. Nos EUA, a Syngenta enfrenta milhares de processos judiciais de pessoas que alegam que o produto químico lhes causou Parkinson. Casos semelhantes estão avançando no Canadá.

A Syngenta negou consistentemente qualquer ligação entre o paraquat e o Parkinson, apontando para revisões regulatórias nos EUA, Austrália e Japão que não encontraram evidências de causalidade. 

Paraquat banido pelo mundohttps://datawrapper.dwcdn.net/ysVeT/2

A empresa informou ao POLITICO que as comparações com o MPTP têm sido repetidamente contestadas, citando uma revisão australiana de 2024 que concluiu que o paraquat não atua pelo mesmo mecanismo neurotóxico. Há fortes evidências, afirmou a empresa em uma resposta por escrito com mais de três páginas, de que o paraquat não causa efeitos neurotóxicos pelas vias mais relevantes para a exposição humana — ingestão, contato com a pele ou inalação.

“O paraquat é seguro quando usado conforme as instruções”, disse a Syngenta.

Ainda assim, para Bloem, nem mesmo as proibições da Europa são motivo de conforto.

“Os produtos químicos que proibimos? Esses eram os mais óbvios”, diz Bloem. “O que estamos usando agora pode ser tão perigoso quanto. Simplesmente não fizemos as perguntas certas.”

Uma Europa química que não pode abandonar

Entre os produtos químicos ainda em uso, nenhum atraiu mais atenção — ou sobreviveu a mais batalhas judiciais — do que o glifosato.

É o herbicida mais utilizado no planeta. É possível encontrar vestígios dele em terras agrícolas, florestas, rios, gotas de chuva e até mesmo nas copas das árvores nas profundezas das reservas naturais da Europa. Está presente na poeira doméstica, na ração animal e em produtos de supermercado. Em um estudo nos EUA, foi encontrado em 80% das amostras de urina coletadas do público em geral.

Durante anos, o glifosato, vendido sob a marca Roundup, esteve no centro de uma tempestade jurídica e regulatória internacional. Nos Estados Unidos, a Bayer — que adquiriu a Monsanto, fabricante original do Roundup — pagou mais de US$ 10 bilhões para encerrar processos judiciais que vinculavam o glifosato ao linfoma não-Hodgkin. 

O glifosato está sem patente e é fabricado por inúmeras empresas em todo o mundo. Mas na Bayer continua sendo seu produto mais vendido, atingindo uma estimativa de € 2,6 bilhões em vendas relacionadas ao glifosato em 2024, mesmo com a concorrência de mercado e as pressões legais reduzindo os lucros.

Na Europa, lobistas dos setores agrícola e químico têm lutado arduamente para preservar seu uso, alertando que a proibição do glifosato devastaria a produtividade agrícola. As autoridades nacionais permanecem divididas. A França tentou eliminá-lo gradualmente. A Alemanha prometeu uma proibição total — mas nunca cumpriu.

Em 2023 — apesar das crescentes preocupações, das lacunas nos dados de segurança e da pressão política — a União Europeia reautorizou-o por mais 10 anos.

Embora a maior parte do debate em torno do glifosato tenha se concentrado no câncer, alguns estudos encontraram possíveis ligações com danos reprodutivos, distúrbios do desenvolvimento, ser disruptor endócrino e até mesmo com câncer infantil.

O glifosato nunca foi definitivamente associado ao Parkinson. A Bayer declarou ao POLITICO, em resposta por escrito, que nenhuma revisão regulatória jamais concluiu que qualquer um de seus produtos esteja associado à doença, e citou o Estudo de Saúde Agrícola, sediado nos EUA, que acompanhou quase 40.000 aplicadores de agrotóxicos e não encontrou associação estatisticamente significativa entre o glifosato e a doença. A Bayer afirmou que o glifosato é um dos herbicidas mais estudados do mundo, sem que nenhum órgão regulador o tenha identificado como neurotóxico ou cancerígeno (nt.: para quem tiver interesse, nosso website tem muitíssimos materiais tratando exatamente disso sobre o glifosato e sugerimos que vejam o documentário: ‘Glifosato – povos e campos envenenados‘ – pode ter legendas em todos os idiomas, inclusive português).

Mas Bloem argumenta que a ausência de uma ligação comprovada diz mais sobre como regulamos o risco do que sobre o quão seguro o produto químico realmente é.

Ao contrário do paraquat, que causa estresse oxidativo imediato e tem sido associado ao Parkinson em estudos laboratoriais e epidemiológicos, os potenciais danos do glifosato são mais indiretos — atuando por meio de inflamação, perturbação do microbioma ou disfunção mitocondrial, mecanismos que contribuem para a morte de neurônios produtores de dopamina. Mas isso os torna mais difíceis de detectar em testes toxicológicos tradicionais e mais fáceis de descartar (nt.: destaque dado pela tradução, para demonstrar como a toxicologia tradicional não mais consegue detectar o quão tóxicos são as moléculas sintéticas, diferentemente das naturais como Paracelsus, lá na Idade Média pensou: veneno e medicamento tudo estava na dose)

“O problema não é que não sabemos nada”, diz Bloem. “É que não estamos medindo o tipo de dano que o Parkinson causa.”

Em resposta, a Bayer apontou o paraquat como um dos dois únicos produtos químicos agrícolas que estudos relacionaram diretamente ao desenvolvimento da doença de Parkinson — embora a Syngenta, sua fabricante, afirme que não há nenhuma conexão comprovada.

O atual quadro de avaliação de agrotóxicos da União Europeia/UE, como o de muitos outros sistemas regulatórios, concentra-se principalmente na toxicidade aguda — sinais de envenenamento a curto prazo, como convulsões, danos súbitos a órgãos ou morte. Os fabricantes apresentam dados de segurança, muitos deles baseados em estudos com animais que buscam alterações comportamentais visíveis. Mas, ao contrário dos usuários de heroína na Califórnia, que foram expostos a uma toxina excepcionalmente potente, o Parkinson não se manifesta com sintomas dramáticos a curto prazo. Ele se instala à medida que os neurônios morrem, muitas vezes ao longo de décadas.

“Esperamos que um rato ande de forma estranha”, diz Bloem. “Mas, no Parkinson, o dano já está feito quando os sintomas aparecem.”

Os testes regulatórios também isolam substâncias químicas individuais, raramente examinando como elas interagem no mundo real. Mas um estudo de 2020 no Japão mostrou o quão perigosa essa suposição pode ser. Quando roedores foram expostos a glifosato e MPTP — o mesmo composto que mimetizou o Parkinson nos casos de heroína na Califórnia — a combinação causou uma perda de células cerebrais significativamente maior do que qualquer uma das substâncias isoladamente.

“Esse é o cenário de pesadelo”, diz Bloem. “E não estamos fazendo testes para isso.”

Mesmo quando existem dados, eles nem sempre chegam aos órgãos reguladores. Documentos internos da empresa divulgados em tribunal sugerem que a Syngenta sabia há décadas que o paraquat poderia causar danos ao cérebro — uma acusação que a empresa nega, insistindo que não há relação comprovada.

Mais recentemente, a Bayer e a Syngenta foram criticadas por não terem compartilhado estudos de toxicidade cerebral com as autoridades da UE no passado — dados que haviam divulgado aos órgãos reguladores dos EUA. Em um caso, a Syngenta não divulgou estudos sobre o agrotóxico abamectina. A Comissão e as agências de alimentos e produtos químicos da UE consideraram isso uma violação clara. Bloem vê um problema mais profundo. “Por que deveríamos presumir que essas empresas são as melhores administradoras da saúde pública?”, questionou. “Elas estão lucrando bilhões com esses produtos químicos.” 

A Syngenta afirmou que nenhum dos estudos retidos estava relacionado à doença de Parkinson e que, desde então, apresentou todos os estudos exigidos pelas regras de transparência da UE. A empresa acrescentou que está “totalmente alinhada com os novos requisitos de divulgação de dados de segurança”.

Alguns governos já estão respondendo às ligações entre Parkinson e agricultura. França, Itália e Alemanha agora reconhecem oficialmente o Parkinson como uma possível doença ocupacional ligada à exposição a agrotóxico (nt.: ou seja, agora que as pessoas estão nessa situação deplorável e irreversível, está se ‘pensando’ o que fazer. Crime corporativo!) — uma medida que dá direito a indenização a alguns trabalhadores rurais afetados. Mas mesmo esse reconhecimento, argumenta Bloem, não forçou o sistema mais amplo a se adaptar.

Onde a ciência termina, a política começa

A desconfiança de Bloem leva diretamente às instituições destinadas a proteger a saúde pública — e a pessoas como Bernhard Url, o homem que passou a última década comandando uma das mais importantes entre elas. 

Url é o diretor executivo cessante da Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar, ou EFSA — o órgão de fiscalização científica da UE para riscos alimentares e químicos, com sede em Parma, Itália. A agência já foi alvo de críticas no passado por sua dependência de estudos submetidos por empresas. Url não nega essa estrutura, mas afirma que o processo agora é mais transparente e cientificamente rigoroso.

Conheci Url durante uma visita a Bruxelas, durante seus últimos meses como diretor executivo da EFSA. Austríaco de nacionalidade e veterinário de formação, ele fala com precisão, escolhendo as palavras com cuidado. Se Bloem é cinético e aparentemente urgente, Url é mais reservado — um cientista que ainda opera dentro da máquina que Bloem quer reformar.

Ainda assim, Url não contestou o cerne da crítica. “Há áreas que ainda não levamos em consideração”, disse-me, apontando para a ciência emergente em torno da disrupção do microbioma, sinergia química e exposição crônica a baixas doses. Ele não mencionou o Parkinson, mas as implicações eram claras. “Estamos tentando recuperar o atraso”, admitiu.

Parte do problema, sugeriu ele, é estrutural. A agência depende de um sistema construído em torno de métodos predefinidos e dados fornecidos pela indústria. “Avaliamos o risco com base no que nos é dado e no que a estrutura nos permite avaliar”, disse Url. “Mas a ciência evolui mais rápido do que a legislação. Essa é sempre a tensão.”

A EFSA também trabalha sob restrições que sua contraparte farmacêutica, a Agência Europeia de Medicamentos, não tem. “A EMA distribui dinheiro para agências nacionais”, disse Url. “Nós não. Há menos integração, menos trabalho compartilhado. Dependemos de especialistas voluntários dos Estados-membros. Não estamos no mesmo patamar.”

Url não pareceu na defensiva. Na verdade, soou como alguém que luta contra a gravidade institucional há muito tempo. Ele descreveu a EFSA como uma agência encarregada de avaliar um sistema alimentar que vale trilhões — mas que trabalha com recursos científicos limitados e dentro de um modelo regulatório que nunca foi projetado para capturar os riscos de doenças crônicas como o Parkinson.

“Não recebemos o apoio necessário para nos coordenarmos em toda a Europa”, disse ele. “Comparado à importância econômica de toda a indústria agroalimentar… é migalhas.”

Mas ele traçou uma linha clara quando se tratava de responsabilidade. “A questão do que é suficientemente seguro — isso não cabe a nós responder”, disse ele. “É uma decisão política.” A EFSA pode sinalizar um risco. Cabe aos governos decidir se esse risco é aceitável.

Foi uma maneira cuidadosa de dizer o que Bloem havia dito de forma mais direta: a ciência pode iluminar o caminho, mas a política escolhe onde — e se — trilhá-lo. E em um sistema alimentar moldado por interesses poderosos, essa escolha raramente é feita no vácuo.

“Há lacunas”, disse Url, “e nós já dissemos isso”.

Mas lacunas na ciência nem sempre levam à ação. Principalmente quando o custo da precaução é visto como uma ameaça econômica.

O médico que não diminui o ritmo

As evidências de campo estão se tornando cada vez mais difíceis de ignorar. Na França, um estudo nacional constatou que as taxas de Parkinson eram significativamente maiores em regiões vinícolas que dependem fortemente de fungicidas.

Outro estudo constatou que áreas com maior uso de agrotóxicos agrícolas — frequentemente medido pelos gastos regionais — tendem a apresentar taxas mais altas de Parkinson, sugerindo uma relação dose-resposta. No Canadá e nos EUA, os mapas de focos de Parkinson acompanham de perto as áreas de agricultura intensiva.

A Holanda ainda não produziu dados comparáveis. Mas Bloem acredita que é apenas uma questão de tempo.

“Se mapeássemos o Parkinson aqui, encontraríamos os mesmos padrões”, diz ele. “Só que ainda não investigamos.”

De fato, os primeiros sinais já estão surgindo. A Holanda, conhecida por ter uma das maiores taxas de uso de agrotóxicos da Europa, registrou um aumento de 30% nos casos de Parkinson na última década — um aumento mais lento do que em outras regiões do mundo, mas ainda assim notável, diz Bloem. Em regiões agrícolas como Betuwe, no curso inferior do rio Reno, fisioterapeutas relataram surtos locais impressionantes. Uma vila perto de Arnhem contabilizou mais de uma dúzia de casos.

“Não conheço um único agricultor que esteja fazendo algo errado de propósito”, diz Bloem. “Eles estão apenas seguindo as regras. O problema é que as regras estão erradas.”

Para Bloem, reverter a epidemia significa mudar a mentalidade regulatória de reação para prevenção. Isso significa exigir estudos de neurotoxicidade de longo prazo, testar combinações químicas, levar em conta a exposição no mundo real, a predisposição genética e o tipo de dano cerebral causado pelo Parkinson — e, principalmente, fazer com que os fabricantes provem a segurança, em vez de os cientistas terem que provar os danos.

“Não proibimos paraquedas depois que eles rebentam”, diz Bloem. “Mas é isso que fazemos com produtos químicos. Esperamos até que as pessoas fiquem doentes.”

Sua equipe também estuda intervenções focadas na prevenção — incluindo exercícios, dieta e redução do estresse — em pessoas já diagnosticadas com Parkinson, em um dos ensaios mais abrangentes do gênero. Ainda assim, Bloem é realista quanto aos limites da ação individual.

“Não é possível se livrar da exposição a agrotóxicos apenas com exercícios”, diz ele. “Precisamos de uma mudança a montante.”

Bloem já viu isso antes — o mesmo padrão se repetindo em câmera lenta. “Amianto”, diz ele, “chumbo na gasolina. Tabaco. Todas as vezes, agimos décadas depois que o dano já estava feito.” A ciência existia. As evidências se acumulavam. Mas a decisão de intervir sempre tardava. “Não é que não saibamos o suficiente”, acrescenta. “É que o sistema não foi construído para ouvir quando as respostas são inconvenientes.”

A clínica ficou silenciosa. A maioria dos funcionários já foi embora, os corredores estão silenciosos. Bloem junta suas coisas, mas ainda não terminou. Mais um telefonema para fazer — algo que ele atenderá, como sempre, enquanto caminha. Quando nos levantamos para ir para o corredor, ele para.

“Se não consertarmos isso agora”, ele diz, “vamos olhar para trás daqui a 50 anos e perguntar: ‘O que diabos estávamos pensando?’”

Ele coloca um par de fones de ouvido pretos, acena em despedida e se vira em direção à saída. Lá fora, ele já atravessa o campus de Radboud a passos largos, conversando no ar frio da noite — ainda se movimentando, ainda fazendo ligações, ainda tentando forçar um sistema teimoso a mudar.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, junho de 2025