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(Foto em destaque da página do Bonus Eventus no LinkedIn.
Carey Gillam, Margot Gibbs e Elena Debre
10 fev 2025
[NOTA DO WEBSITE: Matéria que mostra como as corporações ligadas à Big Farm e às petroagroquímicas agem para desacreditarem, desmerecerem e inclusive desabonarem todos aqueles que ousam questionar e mesmo comprovarem que seus produtos são maléficos e prejudiciais a todas as formas de vida. Vergonhoso que elas usem esse artifício amoral para tentarem demonstrar que seus venenos são indispensáveis, imprescindíveis e até inócuos tanto para a saúde como para a produção de alimentos. Mais um subterfúgio empregado a peso de dinheiro para continuarem ludibriando a sociedade global].
Uma empresa norte-americana que estava secretamente traçando perfis de centenas de defensores da alimentação e da saúde ambiental em um portal privado interrompeu as operações devido à reação generalizada após suas ações, foram expostas pelo The New Lede em suas práticas pouco éticas, em colaboração com o Lighthouse Reports e outros parceiros de mídia.
A empresa de St. Louis, Mo, v-Fluence, está fechando o serviço, que ela chamou de “wiki de stakeholders”, que apresentava detalhes pessoais sobre mais de 500 defensores ambientais, cientistas, políticos e outros vistos como oponentes aos agrotóxicos e culturas geneticamente modificadas (GM). Entre os visados estava Robert F. Kennedy Jr., a escolha controversa do presidente Trump para Secretário de Saúde e Serviços Humanos.
Os perfis frequentemente forneciam informações depreciativas sobre os oponentes do setor e incluíam endereços residenciais, números de telefone e detalhes sobre membros da família, incluindo crianças.
Os perfis foram fornecidos a membros de um portal da web somente para convidados, onde a v-Fluence também ofereceu uma variedade de outras informações para sua lista de mais de 1.000 membros. A associação incluía funcionários de agências regulatórias e políticas dos EUA, executivos das maiores empresas agroquímicas do mundo e seus lobistas, acadêmicos e outros.
O perfil foi parte de um esforço para minimizar os perigos dos agrotóxicos, desacreditar oponentes e minar a formulação de políticas internacionais, de acordo com registros judiciais, e-mails e outros documentos, obtidos pela redação sem fins lucrativos Lighthouse Reports. A Lighthouse colaborou com The New Lede, The Guardian , Le Monde, Africa Uncensored, Australian Broadcasting Corporation e outros parceiros de mídia internacionais na publicação da investigação em setembro de 2024.
As notícias sobre o perfil e o portal privado, geraram indignação e ameaças de litígio por parte de algumas das pessoas e organizações perfiladas.
O professor pesquisador de Londres, Michael Antoniou, que foi perfilado no portal com informações depreciativas sobre sua vida pessoal e de membros da família, disse temer que as ações para remover os perfis possam ser “muito pouco e tarde demais”.
“Aqueles de nós que foram perfilados ainda não sabem quem acessou as informações e como elas foram usadas”, ele disse. “Isso nos atrapalhou em nossas carreiras ou fechou portas que de outra forma poderiam estar abertas para nós? O fato de que a V-Fluence e as indústrias que ela atende recorreram a esses métodos desonestos mostra que eles não conseguiram vencer no nível da ciência.”
A V-Fluence não apenas eliminou o perfil, mas também fez “cortes significativos de pessoal” na esteira da exposição pública, de acordo com Jay Byrne, o ex-executivo de relações públicas da Monsanto que fundou e lidera a v-Fluence. Byrne culpou as dificuldades da empresa pelos “custos crescentes do assédio contínuo de litigantes e ativistas à nossa equipe, parceiros e clientes com ameaças e falsas representações…”
Ele disse que os artigos publicados sobre o perfil da empresa e o portal privado eram parte de uma “campanha de difamação” baseada em “representações falsas e enganosas” que “não eram apoiadas por nenhum fato ou evidência”.
Para piorar os problemas da empresa, vários patrocinadores corporativos e organizações do setor cancelaram contratos com a v-Fluence, de acordo com uma publicação para profissionais da agricultura.
“Reunião de informações”
Desde seu lançamento em 2001, a v-Fluence tem trabalhado com os maiores fabricantes de agrotóxicos do mundo e fornecido serviços autodescritos que incluem “coleta de informações”, “mineração de dados proprietários” e “comunicações de risco”.
Um cliente de mais de 20 anos é a Syngenta, uma empresa estatal chinesa (nt.: empresa que os suíços se desfizeram quando começou a ficar claro os produtos que a corporação produz e como estavam começando a mostrar que venenos letais eles são) que está sendo processada por milhares de pessoas nos EUA e Canadá que alegam que desenvolveram a doença cerebral incurável Parkinson por usar os herbicidas paraquat da Syngenta. O primeiro teste nos EUA está programado para começar em março. Vários outros estão programados para os meses seguintes.
Byrne e v-Fluence são nomeados como co-réus em um dos casos contra a Syngenta. Eles são acusados de ajudá-la a suprimir informações sobre os riscos de que o paraquat da empresa poderia causar a doença de Parkinson e de ajudar a “neutralizar” seus críticos. (A Syngenta nega que haja uma ligação causal comprovada entre o paraquat e o Parkinson.) Byrne contesta as alegações no processo.
A v-Fluence, que também tinha a antiga Monsanto Co. como cliente, garantiu algum financiamento do governo dos EUA como parte de um contrato com uma terceira parte. Registros de gastos públicos mostram que a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID) contratou uma organização não governamental separada que gerencia uma iniciativa governamental para promover culturas transgênicas em nações africanas e asiáticas.
Essa organização, o Instituto Internacional de Pesquisa em Política Alimentar (IFPRI), pagou à v-Fluence um pouco mais de US$ 400.000, aproximadamente entre 2013 e 2019, por serviços que incluíam o enfrentamento de críticas às “abordagens agrícolas modernas” na África e na Ásia.
O “portal de rede social privada” criado pela v-Fluence era parte do contrato e deveria fornecer, entre outras coisas, “suporte tático” para esforços de ganhar aceitação para as culturas transgênicas. A empresa chamou a plataforma de “Bonus Eventus”, nomeada em homenagem ao deus romano da agricultura cujo nome se traduz como “bom resultado”.
Um contrato separado assinado pelo Departamento de Agricultura dos EUA nos últimos meses do primeiro mandato do presidente Donald Trump também forneceu aos funcionários do governo acesso ao portal, incluindo os “documentos de histórico das partes interessadas” sobre cientistas e ativistas que a v-Fluence diz ter removido.
O perfil de Kennedy o descreveu como “um litigante ativista antivacinas, anti-transgênicos e anti-agrotóxicos que defende várias alegações de conspiração em matéria de saúde e meio ambiente”.
Questões legais
Após as operações se tornarem públicas em artigos do The New Lede, do The Guardian e de parceiros de mídia, a v-Fluence contratou um escritório de advocacia para conduzir uma revisão independente sobre se o perfil pode ou não ter violado o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) da União Europeia. O regulamento tem como objetivo proteger o direito de um indivíduo sobre a coleta e o uso de seus dados pessoais.
A análise descobriu que a v-Fluence “não estava sujeita ao GDPR”, mas recomendou que ela lidasse com “dados pessoais da UE consistentes com os requisitos do GDPR no caso de o Regulamento ser considerado aplicável”, disse a empresa em uma declaração. Uma das recomendações foi remover os perfis, reconheceu a empresa.
A v-Fluence continuará a “oferecer pesquisas às partes interessadas com diretrizes atualizadas para evitar futuras interpretações errôneas do nosso produto de trabalho”, de acordo com a declaração da empresa.
Wendy Wagner, professora de direito na Universidade do Texas com experiência na regulamentação de substâncias tóxicas, disse que parecia haver poucos motivos para manter esse banco de dados, além de ser usado para assediar oponentes.“Estou bastante familiarizado com o assédio corporativo de cientistas que produzem pesquisas indesejadas, e às vezes isso inclui desenterrar informações pessoais sobre o cientista para fazer seu trabalho parecer menos confiável”, disse Wagner. “Mas não encontrei o uso de bancos de dados maiores que rastreiam detalhes pessoais de vários críticos de uma corporação (incluindo cientistas e jornalistas independentes). É difícil ver a relevância de detalhes pessoais sem o uso como assédio.”
(As jornalistas do Lighthouse Margot Gibbs e Elena DeBre foram coautoras deste artigo.)
(Este artigo foi publicado em parceria com o The Guardian.)
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, fevereiro de 2025