Gabriela Moncau
05 de Junho de 2022
[NOTA DO WEBSITE: honrando o dia de hoje, do meio ambiente, é importante destacar que nos primeiros anos deste milênio foi criado o ministério de desenvolvimento agrário/MDA e liquidado logo após a ascensão de Temer. Por quê? Simplesmente porque este ministério estava com a missão de se envolver com a agricultura familiar, a agricultura ecológica, a integração deste tipo de alimento na merenda escolar e assim vai. Apresentava então à consciência nacional de que a produção de alimentos deixava de estar sob o jugo do ministério da agricultura que deveria ser denominado, na verdade, de ministério do agronegócio e commodities de exportação, indo para um espaço específico da verdadeira ‘cultura, de alimentos, no campo’. E com esta criação ficamos todos sabendo que o alimento que está na mesa de todos nós, 75% dele, vem da agricultura que o MDA agora cuidava. Mas foi muito perigosa este despertar de nossa consciência. Assim, a partir de Temer inclusive, cínica e criminosamente, a tal propaganda do ‘Agro é pop’, passa a incluir como ‘agronegócio’, toda a produção agrícola nacional. Seja a envenenada, elitista e exaltadora das transnacionais com seus ‘insumos modernos’ = venenos, adubos solúveis, máquinas e outros meios de aprisionamento do agricultor como também a verdadeira agricultura do alimento, do trabalhador rural, da terra cumprindo sua função social, da relação saudável ser humano/natureza. Sem dúvida, uma ação vergonhosa porque com isso passa a ludibriar o consumidor que, no seu desconhecimento geral, passa a acreditar que tudo o que se faz no campo é um processo de gerar saúde e vida para todos. E é isso que esta matéria desnuda. Esta manobra do poder econômico em detrimento da nossa saúde.]
Brasil troca cada vez mais áreas de plantio de alimentos pela produção de commodities para exportação
Um trabalhador rural alegre, operando um trator no meio da plantação. Uma família sorridente passando manteiga no pão ao sol da manhã. A cana de açúcar e uma narração dizendo como ela possibilita que os carros andem pelas ruas. A criação de ovelhas e depois vistosas roupas na vitrine do shopping.
“Agro é pop, agro é tech, agro é tudo”: o slogan das propagandas transmitidas desde 2016 pela rede Globo trazem a ideia de que o modelo do agronegócio fornece, basicamente, todas as coisas boas e necessárias da vida (nota do website: ressaltamos que depois de Temer tudo passa a ser ‘agro’, antes era realmente o destaque para o ‘agronegócio’ que chamamos de ‘agronecrócio’, ao unirmos esta agricultura a uma ação mortífera).
A “indústria” que, segundo o bordão da peça publicitária, é a “riqueza do Brasil” e que tem como base a produção e exportação de commodities (produtos em estado bruto, de origem agropecuária ou de extração mineral, usados como matéria prima para a fabricação de outros produtos), em especial a soja transgênica, só cresce em um país que vê sua população empobrecer (nota do website: sugerimos que vejam esta matéria, deste link porque vemos que a realidade poderia ser a exclusão definitiva da soja transgênica conforme a família Maggi, maiores plantadores do mundo, fazem em suas 35 fazendas).
Com um saldo de US$ 43,7 bilhões (cerca de R$ 210 bi) no acumulado do ano, as exportações do agronegócio brasileiro em abril de 2022, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), foram 81,6% maiores que o mesmo mês de 2019, 52,3% maiores que em 2020 e 14,9% que 2021.
Contraditoriamente, nesse mesmo período, entre 2019 e o fim de 2021, a população vivendo abaixo da linha da pobreza no Brasil saltou, segundo a FGV Social, de 23 para 28 milhões de pessoas.
Pior: enquanto o agronegócio infla em lucro e em área ocupada, sobem também os números da inflação, da fome, e da devastação ambiental no país. Segundo pesquisadores e ativistas ouvidos pelo Brasil de Fato, não é coincidência que tudo isso cresça junto.
Commodity não enche barriga
“O agronegócio não produz comida. Produz commodities”, sintetiza Kelli Maffort, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Citando o último Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), feito em 2017, Maffort ressalta que quem produz alimentos é a agricultura familiar e camponesa.
No Brasil, no entanto, a área de plantio de alimentos vem perdendo significativo espaço para as commodities.
“Na região sudoeste do estado de São Paulo houve um avanço significativo da soja sobre áreas que antigamente se dedicavam à produção de feijão. Então obviamente que isso vai representar uma diminuição de oferta de alimentos”, ilustra Kelli.
Tendo como base os dados do IBGE, o artigo Expropriação, violência e R-existência: uma geografia dos conflitos por terra no Brasil (2021) mostra que em 1988 o país dedicava 24,7% da sua área cultivada para arroz, feijão e mandioca. Em 2018, essa proporção despenca para 7,7% (nota do website: é seu o destaque em negrito).
Em contrapartida, salientam os autores Carlos Walter Porto-Gonçalves, Luiz Jardim Wanderley, Amanda Guarniere, Pedro Catanzaro da Rocha e Vinícius Martins, nesse período de 30 anos, as culturas voltadas para a exportação, que representavam 49,8% da área de cultivo do país, passaram a ocupar 78,3% dela (nota do website: negrito dado pelo site).
Arte: Brasil de Fato / Arte: Brasil de Fato
“Mais de 3/4 do total da área das lavouras temporárias e permanentes são de apenas três produtos: soja, cana e milho”, expõe o artigo, ao explicar que esses cultivos são voltados, primordialmente, para alimentar gado e produzir combustíveis fora do Brasil. “Se a função primeira da agricultura é a alimentação”, avaliam os autores, “o padrão da agricultura brasileira vem ignorando sua própria população”.
Para Sílvio Isoppo Porto, professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), “é incontestável a redução de área na produção de alimentos para o mercado interno”.
“Em decorrência da desestruturação de políticas e de sistemas de produção vinculados à agricultura familiar e camponesa, de cultivos diversificados, há uma transferência de área, principalmente para a soja”, aponta Porto, que é também diretor de Sistemas Alimentares e Agroecologia do Instituto Fome Zero.
A venda e o arrendamento de terras para o agronegócio se explicam, reflete Sílvio, pela falta de políticas que estimulem a produção de alimentos básicos e possivelmente também pelo envelhecimento da população rural. “Isso afeta diretamente a disponibilidade, o que por consequência agrava a situação de abastecimento do país”, salienta.
Escolha política
E a rota, pelo visto, segue nesse sentido. Até 2030 o Ministério da Agricultura prevê, por um lado, a redução de dois milhões de hectares para arroz, feijão e mandioca e, por outro, o avanço em 27% da área voltada para soja e milho, com a projeção de que até lá esses cultivos ocupem 70,8 milhões de hectares.
Mas nem é preciso consultar as projeções do Ministério da Agricultura para confirmar que esse processo faz parte de uma política estatal. “A produção de alimentos no Brasil está completamente abandonada”, avalia Maffort.
“Não tem programa melhor para enfrentar a fome do que o PAA [Programa de Aquisição de Alimentos], porque o governo compra a preço justo o alimento do agricultor e o direciona para quem está ligado a entidades sociais, nas periferias, quem está precisando de comida. No governo Bolsonaro o seu orçamento foi reduzido”, explica a dirigente do MST.
“Também o PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar], a lei obriga os municípios a destinarem 30% do investimento em alimentos da agricultura familiar, camponesa, indígena”, diz Kelli, “mas o governo federal faz de tudo para desidratar essa política e a obrigatoriedade. Há verdadeiras máfias por trás das merendas”.
Sílvio Porto argumenta que a redução das áreas de plantio de banana, batata, cebola e tomate na última década não se explica só pelo avanço da soja, mas por uma falta de estímulo estatal – como um consistente seguro agrícola em caso de perdas – que, em sua visão, vem desde 2005.
“De lá para cá, o crédito para o agronegócio cresce sistematicamente, assim como o volume de recursos aplicados pelo tesouro para fazer a equalização de juros”, diz Porto, ex-diretor da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Na lista de exemplos da opção política do governo em fomentar o modelo do agronegócio em detrimento da produção de alimentos saudáveis, Sílvio cita a alíquota zero para exportação; o desmantelamento das normas e fiscalizações ambientais que tem feito avançar o fogo, o desmatamento e a grilagem de terras; e a liberação de 1.529 novos agrotóxicos durante o governo Bolsonaro.
O professor também menciona a Lei Assis Carvalho (14.274/2021), que prevê um auxílio financeiro para agricultores familiares prejudicados pela pandemia de covid-19. “Até agora o governo não aportou nem um centavo”, critica.
O que isso tem a ver com a inflação
Um dos resultados imediatos da alta inflação é o aumento no custo médio da cesta básica / Foto: Annelize Tozetto
A alta no preço dos alimentos, que vem esvaziando o carrinho de supermercado de boa parte da população brasileira, se explica por uma combinação de fatores – que não são apenas, como vem bradando Jair Bolsonaro (PL), decorrentes da guerra na Ucrânia e da pandemia. A hegemonia do agronegócio é um deles.
Engenheiro agrônomo especializado em economia rural e engenharia de produção, Leonardo Melgarejo estabelece conexões entre o destino do que é produzido no Brasil, a desvalorização da moeda, a escassez de alimentos, a fome e a alta de preços no mercado interno.
“A terra é escassa. Se vier a ser utilizada com um tipo de lavoura, as outras opções serão descartadas. A redução na oferta de produtos como feijão, arroz e mandioca faz com que seus preços aumentem”, apresenta Melgarejo.
“O real se desvalorizando em relação ao dólar faz com que as exportações de soja e minérios sejam mais rentáveis e atraentes. Isso aumenta a busca por novas áreas de plantio e de mineração. Resulta no que estamos vendo”, constata Leonardo, que faz parte da coordenação do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos.
“Questão agrária e ambiental estão intrinsecamente ligadas”
Enquanto isso, no primeiro semestre de 2022, as queimadas no Pantanal, na Amazônia e no Cerrado não só continuaram, como já superam as de 2021. Conforme dados do Instituo Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), só no Pantanal os focos de incêndio cresceram 18,2% em relação ao ano passado. No Cerrado, subiram 20%.
O dossiê Agro é Fogo, lançado no fim do ano passado por uma rede de cerca de 30 movimentos e pastorais sociais, traz evidências de que boa parte dos grandes incêndios recentes no Brasil foram provocados por ações humanas e beneficiaram o agronegócio.
Imagens de satélite e cruzamento de dados como focos de calor e mapeamento de áreas atingidas mostram que, em 2020, o fogo no Mato Grosso começou em cinco fazendas de gado e, no Mato Grosso do Sul, em outros quatro latifúndios.
Para Diana Aguiar, professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o desmatamento e a grilagem de terras têm conexão intrínseca.
“Como sabemos, grilagem é um tipo de roubo de terras que do ponto de vista jurídico são públicas, as chamadas terras devolutas. Essas terras, em sua imensa maioria, ainda não foram regularmente destinadas para os regimes fundiários prioritários, que seriam, a titulação de territórios tradicionais, os assentamentos de reforma agrária e a regularização de pequenos agricultores posseiros ou a proteção ambiental”, explica Aguiar.
“Grileiros se aproveitam da leniência e inação do Estado, invadem terras públicas, desmatam e fraudam os registros de propriedade”, expõe Diana.
“É nessas terras – com frequência ocupadas por povos tradicionais, com a vegetação nativa e ricas em biodiversidade – onde se dá a maior parte dos conflitos no campo, em razão da pressão da expansão da fronteira agrícola para a produção de commodities”, resume.
“Titular os territórios e fazer a reforma agrária é, ao mesmo tempo, uma questão de direitos dos povos do campo e também é o melhor caminho para conter o desmatamento”, defende Diana Aguiar.
Em sua opinião, esse “problema estrutural mostra que a questão agrária e a questão ambiental estão intrinsecamente conectadas no Brasil”.
Edição: Rodrigo Durão Coelho