Devemos produzir mais alimentos hoje? Devemos produzir mais no futuro para uma população que aumenta? É inaceitável, do ponto de vista ético, subtrair do consumo humano uma fatia consistente de produtores alimentares desviando-a para a produção de biocombustíveis e de biogás. A terra seguramente nos agradecerá. A opinião é do médico e engenheiro agrônomo italiano Matteo Giannatasio, ex-professor de fisiologia vegetal da Universidade de Nápoles. O artigo foi publicado no jornal Corriere della Sera, 19-02-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/540031-uma-agricultura-sustentavel-para-alimentar-o-planeta-artigo-de-matteo-giannatasio
Eis o texto.
Na sua mensagem de vídeo para os participantes do evento “As ideias da Expo 2015”, o Papa Francisco disse que “há poucos temas sobre os quais se desembainharão tantos sofismas como o da fome; e poucos argumentos tão suscetíveis a serem manipulados pelos dados, pelas estatísticas…”.
São palavras que denunciam um costume que dura há muito tempo e que não diz respeito apenas à fome no mundo, mas também a outros temas ligados aos alimentos, como a produtividade agrícola e a sustentabilidade dos métodos de cultivo.
Devemos produzir mais alimentos hoje? Aqueles que têm interesse de que se consumam cada vez mais fertilizantes e pesticidas sintéticos, ou de que se recorram a plantas geneticamente modificadas, dizem que sim, porque ainda há 800 milhões de pessoas que passam fome.
É um verdadeiro sofisma, pois os dados da FAO (Food and Agriculture Organization) dizem que hoje se produz uma quantidade de alimentos que seria suficiente para nutrir todos os habitantes deste planeta, se não houvesse aqueles infelizes 30% de desperdício e se os países ricos tivessem comportamentos mais solidários em relação àqueles pobres.
Devemos produzir mais no futuro para uma população que aumenta? As previsões são de que, em 2050, será preciso alimentar nove bilhões de pessoas, isto é, 30% a mais do que a população atual. Os dados elaborados recentemente por especialistas nos dizem que, naquela época, a demanda global de alimentos poderia duplicar (Global food demand and the sustainable intensification of agriculture, Pnas 2011; www.pnas.org).
E, então, se deveria duplicar a produção com todos os problemas de sustentabilidade que podem derivar disso? Absolutamente não: bastará aumentá-la um pouco, se forem tomadas medidas desde já para evitar o desperdício de alimentos e para educar as pessoas a seguirem uma dieta alimentar equilibrada e sustentável, tendencialmente vegetariana como o da pirâmide alimentar.
Além disso, é inaceitável, do ponto de vista ético, subtrair do consumo humano uma fatia consistente de produtores alimentares desviando-a para a produção de biocombustíveis e de biogás. A terra seguramente nos agradecerá.
Depois, quanto à sustentabilidade da produção agrícola, sabe-se que o incremento de produtividade alcançado pela agricultura moderna (ou seja, convencional) foi obtido sem levar em conta a sustentabilidade. Hoje, discute-se aprofundadamente sobre como tornar a agricultura sustentável sem reduzir a produtividade, mas nunca se leva em consideração a opção da agricultura biológica, da qual a biodinâmica é uma forma peculiar (justamente neste dia 20, em Milão, abre as portas o seu 33º Congresso, em colaboração com a universidade Bocconi).
Porém, a pesquisa está provando que se trata de um método agrícola que é sustentável, e os resultados científicos recentes provam que, se forem feitas escolhas agronômicas corretas, a produtividade se aproxima da agricultura convencional.
No caso da agricultura de subsistência, ela também pode ser superior: demonstram isso estudos como Sustainability of organic food production: challenges and innovations (Proceedings of the nutrition society 2015) e Comparing the yields of organic and conventional agriculture (Nature, 2012).
O Papa Francisco encerrou a sua mensagem de vídeo recordando que os homens são “guardiões e não donos da terra”. Vale a pena assinalar que, para dominar a terra, a agricultura convencional usa armas como os inseticidas organofosforados, que têm a mesma matriz dos gases de nervos, e fertilizantes, como os nitratos, que também são a matéria-prima para fabricar explosivos (Cultivo da terras e qualidade dos alimentos; www.valorealimentare.it).
A propagação de tantas doenças degenerativas é a inevitável consequência do sofrimento desta terra escravizada.