“Os novos comerciantes da dúvida” foi lançado esta semana. Imagem: Divulgação/Changing MArkets Foundation
19 de julho de 2024
[NOTA DO WEBSITE: Situação dramática que mostra como os fundamentos do capitalismo desviaram-se para um autoritarismo indigno e cruel já que o que é defendido sempre é o capital, nunca a população. Assim, tornamo-nos, os consumidores, os grandes sustentáculos das megacorporações que estão, sorrateira e mesmo explicitamente, subvertendo sua função primeva que era a de criar condições dos alimentos poderem estar mais acessíveis à população, de maneira saudável e barata. No entanto, o que está acontecendo é exatamente o contrário. Estão nos ‘usando’ como meios de enriquecerem mais e mais e com produtos cada vez mais artificiais e de baixíssima qualidade nutricional. Não se poderia considerá-las como praticantes de crime corporativo?].
Trabalho de organização europeia analisou 22 das maiores empresas de carne e laticínios em quatro continentes.
Relatório divulgado esta semana pela organização holandesa Changing Markets Foundation revela o que seriam as principais práticas empregadas sistematicamente pelos gigantes mundiais da carne e dos laticínios que resultam em distração, atraso e inviabilização do enfrentamento da crise climática. Intitulado “Os novos comerciantes da dúvida”, o trabalho analisou as ações de 22 das maiores empresas de carne e laticínios do mundo – incluindo a brasileira JBS – em quatro continentes.
Segundo o relatório, o setor tem inviabilizado ações climáticas significativas a nível global por meio de lobby junto a políticos, investimentos maciços em publicidade para públicos mais jovens e uso de ciência enganosa para minimizar o impacto que suas atividades têm nas emissões de metano e disseminar falsas alegações climáticas.
Documentos obtidos via leis de acesso à informação revelam, por exemplo, o extraordinário acesso que o setor tem a políticos. Somente na última década, representantes da indústria da carne e laticínios tiveram mais de 600 reuniões de alto nível com a Comissão Europeia.
“Memorandos internos revelam como o principal grupo europeu da indústria láctea celebrou a manutenção do metano fora da legislação sobre qualidade do ar e está a preparar-se para mantê-lo assim nas próximas revisões da lei previstas para 2025”, diz trecho do relatório.
Fazendo uma comparação às táticas usadas pelas indústrias do tabaco e dos combustíveis fósseis, o relatório também revela que as grandes empresas do setor empregam táticas como a intimidação e o medo sobre consumidores e pequenos agricultores, ao alegarem que leis mais restritivas, por exemplo, implicariam em prejuízos para tais públicos.
A pesquisa envolveu mais de 15 investigadores especializados e jornalistas de investigação e decorreu entre fevereiro de 2023 e junho de 2024.
A investigação mostra que as grandes indústrias do setor estão especialmente preocupadas com as gerações mais jovens, que consomem menos carne e laticínios do que as gerações anteriores. Elas visam, diz o documento, a “Geração Z” (nascidos entre 1995 e 2010) com campanhas publicitárias enganosas no TikTok e no Instagram, promovendo falsamente a carne e os laticínios como escolhas sustentáveis e mais saudáveis em países de alto consumo como os EUA e o Reino Unido, contra as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Os sistemas alimentares contribuem para aproximadamente um terço das emissões globais, sendo 60% provenientes da pecuária – a maior fonte de metano produzido pelo homem. No entanto, apenas 15 das 22 grandes empresas de carne e laticínios têm uma meta de emissões líquidas zero e nenhuma cumpre as normas da ONU. A Danone é a única empresa com uma meta específica de metano.
“Tivemos as Grandes Indústrias do Tabaco, tivemos as Grandes Petrolíferas, agora temos as Grandes Carnes e Laticínios. ‘Os novos comerciantes da dúvida’ é uma exposição impressionante das táticas das grandes empresas de carne e laticínios. O relatório descreve exemplos específicos e flagrantes de campanhas de desinformação, greenwashing e interferência política. Esclarece como a indústria manipula o preço e os tipos de alimentos que comemos”, diz o pesquisador Paul Behrens, Professor Associado de Mudanças Ambientais na Universidade de Leiden, na Holanda.