Campo de milho tratado com Roundup, em Piacé (Sarthe), em abril de 2021. JEAN-FRANCOIS MONIER / AFP
22 de março de 2023
Um estudo prospectivo do Instituto Nacional de Pesquisa em Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente propõe vários cenários. Mas os autores enfatizam que todos exigem políticas públicas “fortes e coordenadas”.
Em que condições a agricultura europeia poderia prescindir de agrotóxicos químicos até 2050?
Fonte de especulação e controvérsia desde a publicação em 2020 da estratégia europeia “Farm to Fork” (nt.: mais ou menos, ‘Produção Natural’) – que visa uma redução acentuada de insumos sintéticos até 2030 – a questão está no centro de um estudo prospectivo conduzido pelo National Research Institute for Agriculture, Food and Environment (INRAE/Institut National de Recherche pour Agriculture, Alementation e Environnement), e voltou, terça-feira, 21 de março, durante simpósio realizado em Paris.
Para responder, o Inrae realizou um exercício sem precedentes, combinando o trabalho de avaliação coletiva de especialistas com as contribuições de mais de 140 especialistas europeus, cientistas e partes interessadas (ONGs, agricultores, empresas agroalimentares, etc.). De um modo geral, é possível uma eliminação completa dos agrotóxicos químicos, sem reduzir drasticamente a produção agrícola e sem impactar a balança comercial da União Europeia (UE), ao mesmo tempo em que amortece o ônus climático da agricultura e restaura a biodiversidade. No entanto, tal transformação não envolveria apenas o mundo agrícola, mas todos os atores dos sistemas alimentares, dos produtores aos consumidores, incluindo empresas e poderes públicos.
No preâmbulo, o agrônomo Olivier Mora, pesquisador do Inrae e coordenador do estudo, lembrou que as políticas de redução do uso de agrotóxicos na Europa tiveram até agora pouco ou nenhum efeito. Entre 2011 e 2021, as quantidades totais de produtos fitofarmacêuticos aplicadas nos campos europeus mantiveram-se estáveis, cerca de 350.000 toneladas por ano. Uma utilização que “compromete a sustentabilidade dos sistemas agrícolas”, especifica o resumo do estudo, que provoca um rápido desaparecimento da biodiversidade (insetos, aves, fauna insetívora, etc.) e uma variedade de patologias (problemas cognitivos, mal de Parkinson, leucemia infantil, linfomas, câncer de próstata, etc.).
Reduza o consumo de produtos de origem animal
Os autores construíram três cenários que provavelmente tirarão a agricultura européia de seu vício em produtos químicos em meados do século. A primeira (batizada de “Mercado Global”) estende algumas das tendências atuais em termos de industrialização e financeirização da agricultura. Neste cenário, “as normas do mercado internacional garantem que os produtos alimentares provêm da agricultura sem agrotóxicos químicos”, graças à inclusão de normas de produção nos acordos comerciais entre a UE e os seus parceiros.
Fazendas muito especializadas estão substituindo os serviços oferecidos pela química, pelo uso de variedades de plantas resistentes a pragas e patógenos, bem como uma variedade de novas tecnologias, algumas das quais ainda não desenvolvidas: bioestimulantes que promovem a imunidade das culturas contra bioagressores, sistemas de observação de parcelas por sensores, “robôs companheiros” e “robôs de enxame” capazes de fornecer “tratamento individualizado” a cada planta no campo, etc.
Além da retirada de agrotóxicos químicos, o segundo cenário é baseado na promoção de dietas mais saudáveis. A terceira acrescenta a reconstrução de paisagens agrícolas diversificadas nos territórios. Esses dois outros cenários dependem menos de novas tecnologias do que de técnicas agronômicas conhecidas (rotação de culturas, uso de insetos auxiliares, etc.) e uma realocação de cadeias alimentares. Ambos envolvem uma redução no consumo de produtos de origem animal (carne, ovos, laticínios): um terço a menos em relação ao nível de 2010 para o primeiro, mais de dois terços a menos para o outro.
“Melhorar a Soberania Alimentar”
“Comparativamente a 2010, a produção doméstica europeia de calorias varia de – 5% a + 12% em 2050, dependendo dos cenários e do pressuposto de rendimentos”, especifica o relatório. Exceto por um detalhe importante: enquanto no primeiro cenário a UE seria, como em 2010, importadora líquida de calorias, nos outros dois cenários fortaleceria sua soberania alimentar, tornando-se exportadora. Uma margem de manobra que seria possibilitada pela queda do consumo de produtos de origem animal, portanto das superfícies destinadas à criação.
Com isso, nos dois últimos cenários, as áreas de pastagens permanentes cairiam acentuadamente, de 28% para 51% – os espaços assim liberados poderiam se transformar em áreas de vegetação arbustiva ou floresta. “Além de permitir a transição para uma agricultura sem agrotóxicos, os três cenários poderiam melhorar o balanço das emissões de gases de efeito estufa. da biodiversidade e do estado geral dos ecossistemas”, conclui a síntese do INRAE. Os dois cenários mais “agroecológicos” poderão, de resto, “contribuir para melhorar a soberania alimentar, a nutrição e a saúde das populações na Europa”.
Em todos os cenários, os autores enfatizam a necessidade de políticas públicas “fortes e articuladas”, promovendo informação ao consumidor, novos acordos comerciais, novos rótulos e certificações de produtos, apoio ao produtor rural, transformação da política agrícola municipal (PAC/politique agricole commune), etc.
No entanto, o caso começou mal: em muitos Estados-Membros, incluindo a França, a afetação dos atuais subsídios europeus da PAC (2023-2027) favorece fortemente os sistemas agrícolas que consomem mais agrotóxicos.
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, abril de 2023.