A morte de línguas indígenas e o conhecimento medicinal em risco

Crédito: Cámara-Leret e Bascompte/PNAS

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Gabriela Leite

18/11/2021

Se mais de dois mil idiomas desaparecerem até o fim do século, como se teme, perecerão com eles culturas milenares e repositórios de enorme sabedoria botânica. Poucos países serão tão prejudicados como o Brasil

Além de reduzir a , a destruição de biomas pode produzir algo irreparável: a extinção das línguas que descreveram as plantas e das culturas que descobriram suas utilidades farmacêuticas. Uma reportagem da revista Pesquisa Fapesp expõe a complexidade dessa perda, a partir de um estudo que mapeou línguas indígenas na Amazônia, América do Norte e Nova Guiné e fez um cruzamento dos dados com levantamentos de plantas medicinais dessas regiões. Cerca de 30% das 7 mil línguas faladas hoje no mundo estão ameaçadas de desaparição até o fim do século – e, com elas, milênios de conhecimento.

Segundo a pesquisa, realizada no departamento de biologia da Universidade de Zurique, na Suíça, ao menos três em cada quatro usos medicinais de plantas estão presentes em apenas uma língua – e apenas 6% das espécies de plantas foram analisadas cientificamente, ainda hoje. Em outras palavras, fontes de enorme sabedoria medicinal, passadas por curandeiros e pajés por gerações, podem se esgotar em poucas décadas.

E há mostras de que o Brasil poderia ser grande produtor de novos medicamentos, a partir de sua biodiversidade. É o que sugere o documentário “Nem santas nem do diabo: O potencial inexplorado das plantas medicinais” (2019), produzido pela Unifesp. O campo de pesquisa é a etnofarmacologia, que estuda como determinadas culturas utilizam diversas substâncias em seus rituais religiosos e em seus contextos de cura.

“A etnofarmacologia lida com um material bruto que vem da sabedoria popular” explica, no vídeo, o dr. Elisaldo Carlini, médico e professor da Unifesp, pioneiro nos estudos com cannabis para o tratamento de convulsões, falecido no ano passado. “Na farmacologia, de um modo geral, cerca de 60% dos medicamentos que usamos, que são aprovados, são produzidos dessa maneira. Não pensar que o Brasil tem ainda milhares de plantas que podem ser utilizadas é uma coisa de acampamento, não é coisa de um país.”

Para Eliana Rodrigues, coordenadora do Centro de Estudos Etnobotânicos e Etnofarmacológicos da Unifesp, “O Brasil deveria ser um centro de descoberta de novas drogas. Nós temos tanto a biodiversidade, quanto a ciência, quanto a tecnologia para desenvolver novos fitoterápicos.” O problema, não custa relembrar, está no desmonte da ciência brasileira, na falta de financiamento e na falta de visão do que poderia ser uma indústria nacional de fármacos. E estamos perdendo tempo: em algumas décadas, a sabedoria indígena poderá se esvair.