Enquanto o povo Munduruku realiza a autodemarcação da Terra Indígena Sawré Muybu, ameaçada pela construção do complexo do Tapajós, decisão do TRF vem na contramão e dificulta ainda mais o processo de demarcação do local.
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A reportagem é publicada por Greenpeace, 13-11-2014.
Empunhando foices, facões e aparelhos de GPS, guerreiros Mundurukus limpam uma estreita faixa de floresta, no extremo norte da Terra Indígena Sawré Muybu, demarcando por conta própria o limite de suas terras.
No ato de tornar aparente a linha imaginária que delimita o seu território de mais de 178 mil hectares, os Mundurukus tentam escapar da invisibilidade que lhes tem sido imposta pelo governo – uma forma de pedir não só o reconhecimento de sua existência, mas também de seus direitos.
A TI Sawré Muybu poderá ser alagada caso a usina hidrelétrica São Luiz do Tapajós, a primeira do Complexo, cujo leilão está previsto para o ano que vem – com potência de 8.040 MW -, torne-se realidade. A demarcação, que se arrasta há mais de 13 anos e foi paralisada no ano passado, seria uma forma de garantir a sua proteção e impedir que isso aconteça. De acordo com o Artigo 231 da Constituição Federal, é vedada a remoção de grupos indígenas de suas terras, salvo em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, e garantindo o retorno imediato logo que cesse o risco.
A luta entre a anta e o jabuti
“Nós não vamos sair”, diz o cacique Juarez Saw Munduruku, da aldeia Sawré Muybu, contando uma estória da cosmologia de seu povo em que um pequeno jabuti vence uma enorme anta, que simboliza o governo impondo a construção da obra e desrespeitando os que moram ali. Assim Juarez pede apoio à luta pela proteção do rio: “A anta é grande, mas, juntos, podemos derrotá-la”, afirma ele.
O complexo do Tapajós prevê cinco hidrelétricas na região, cuja soma da área dos reservatórios ultrapassa o tamanho da cidade de São Paulo. Mas, no lugar de uma selva de pedras, a área a ser coberta pela água é rica em biodiversidade e abriga uma das principais porções de floresta intacta do país, com unidades de conservação, terras indígenas e diversas espécies ameaçadas de extinção. Isso sem falar nos povos indígenas e ribeirinhos que vivem no local.
Após análise do Estudo de Componente indígena que integra o Estudo de Impacto Ambiental da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, servidores públicos da Funai concluíram pela inviabilidade do empreendimento, visto que a obra incidiria sobre terra indígena em processo de regularização.
Mas a decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, de sustar o parecer da Justiça de Itaituba que obrigava a Funai a publicar o relatório que confirma a ocupação tradicional pelos índios, vem mostrar que as dificuldades que os Munduruku enfrentarão estão só começando. O documento que está parado, pronto desde 2013, é considerado fundamental ao processo da demarcação.
“Para garantir a construção dessas hidrelétricas, o governo vem ignorando sistematicamente a Constituição e negando aos Munduruku o direito de terem seu território demarcado. O Brasil pode deixar de construir grandes hidrelétricas na Amazônia diversificando a matriz de energia e investindo em fontes como energia eólica, solar e biomassa” afirma Danicley de Aguiar, da Campanha da Amazônia do Greenpeace.
A demora na demarcação da terra indígena só aprofunda os problemas causados pela invasão da Sawré Muybu, como explica o cacique Munduruku: “Decidimos fazer isso porque somos ameaçados, tanto por madeireiros, garimpeiros, como pela barragem que está se aproximando”, diz ele. “O relatório afirma que pertence a nós e o governo sabe disso”.
O governo sabe, mas passa por cima
Os 12 mil Munduruku que vivem ao longo das margens do Tapajós são os povos originários dessa região, e, portanto, segundo a Constituição brasileira, têm direito a ela. Para eles, Sawré Muybu é muito mais que um simples pedaço de chão. É lá que eles têm a base de sua cultura e obtém alimentos por meio da caça, da pesca e do roçado. O Rio Tapajós é tão importante que, na cosmologia, faz parte até da história da própria criação desse povo.
Mas, para o governo federal, que ignora a diversidade dos “Brasis” que compõem o mapa do país, os Mundurukus só se tornam visíveis quando protestam pelos seus direitos e o Tapajós é apenas mais um lugar a ser transformado em um imenso canteiro de obras para a construção do próximo megaprojeto de grandes hidrelétricas na Amazônia após Belo Monte.
Em recente entrevista à BBC Brasil, o Ministro Chefe da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, afirmou que o governo não abrirá mão do empreendimento.
Veja entrevista em que o cacique Juarez Munduruku fala sobre a autodemarcação.