A influência do poder econômico da mineração na Amazônia

Mina Buritirama, no Pará (Wikimedia Commons)

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Dário Bossi

20 de janeiro de 2024

A exploração mineral corresponde a quase 75% da pauta de exportação do Pará. Fica evidente a influência do poder econômico da mineração sobre as decisões políticas do estado e do país.

A mineração está entre as causas dos impactos socioambientais mais graves na Amazônia, com 45.065 concessões mineradoras em operação ou aguardando aprovação, das quais 21.536 se sobrepõem às áreas protegidas e terras indígenas. 

O Programa Grande Carajás, lançado a partir dos anos 1970, quando a empresa Vale era ainda estatal, é um caso emblemático da aliança entre o Estado e o grande capital mineiro; este megaempreendimento envolve o Projeto Ferro Carajás (Parauapebas e Canaã, no coração da Amazônia paraense, hospedam a maior mina de ferro a céu aberto do mundo), o Projeto Trombetas (MRN), a Albrás-Alunorte (Barcarena), a Alumar (São Luís) e a Usina Hidrelétrica de Tucuruí. A exploração mineral corresponde a quase 75% da pauta de exportação do estado do Pará; fica evidente a influência do da mineração sobre as decisões políticas do estado e do país.  

É o que definimos de “economia de enclave”, um modelo dominante imposto a uma imensa região, reduzindo a diversificação e o investimento em economias locais autossustentadas. Este modelo implica uma forte concentração de poder (monopólio) e permite a extração de minério com baixos custos e altos lucros. Na Amazônia brasileira, as maiores beneficiadas são as empresas Vale, Norsky Hidro e Alcoa. Outra grave ameaça é a implantação da mina de ouro da companhia canadense Belo Sun, na Volta Grande do Xingu: depois do impacto da usina hidrelétrica de Belo Monte, este empreendimento provocaria consequências catastróficas na bacia do rio Xingu. Recentemente, a companhia processou lideranças e militantes dos movimentos socioambientais, num claro intento de intimidação e enfraquecimento da resistência.  

Para a extração e transporte de ferro, bauxita, cobre, níquel, estanho, zinco e ouro na Amazônia é necessária uma infraestrutura de amplo impacto ambiental, interligando os sistemas das minas, ferrovias, rodovias, hidrovias e portos, em função da exportação.  

A Amazônia está se tornando a fronteira de expansão mais consistente da mineração empresarial e ilegal. Entre 2005 e 2015, a mineração causou o desmatamento de 1,2 milhão de hectares na Amazônia brasileira, quer dizer cerca de 9% da perda total da floresta amazônica durante o período. Assim como já acenamos aos impactos “sistêmicos” da mineração, por causa de toda a infraestrutura de escoamento e exportação, deve-se considerar também o chamado “efeito derrame” da produção mineral e agrária, com implicações e mudanças nas normas e procedimentos ambientais, desmonte de instituições de regulação, deslocamento populacional e acelerada concentração demográfica, perda de capacidade de subsistência econômica, social e cultural das populações tradicionais e diferentes graus de contaminação e degradação ambiental

GARIMPO ILEGAL 

Outro enorme desafio para a Amazônia, cada vez mais difícil de se controlar e reprimir, é o garimpo ilegal de ouro. Estima-se que existam 453 focos de mineração ilegal na Amazônia brasileira, e mais de 2500 por toda a bacia amazônica. 

Os impactos do garimpo nas bacias hidrográficas e nos territórios são tão fortes que, mesmo se fossem interrompidas agora todas as atividades, precisaria pelo menos de 30-40 anos para rios e terras degradadas se recuperarem.  

Associadas ao garimpo, estão diversas outras atividades ilegais na floresta, como a exploração da madeira, invasões de terra, a pecuária nas bordas etc.  

A expansão do garimpo está diretamente vinculada ao fortalecimento do narcotráfico na Amazônia, particularmente pela facilidade de lavagem de dinheiro. Num Equador cada vez mais marcado pela violência, por exemplo, o crime organizado, ligado aos grandes cartéis internacionais de drogas, controla 20 minas ilegais de ouro, extorque 30 minas de empresas privadas, cobra entre 300 e 900 dólares a cada pessoa que busque trabalhar num garimpo, controla 40 grupos de mineiros ilegais e lucra cerca de 3,6 milhões de dólares por mês. Há evidências de conexão das máfias das drogas com o poder estatal, em particular com o poder judiciário, conforme as investigações do caso Metástasis, que revela o câncer da corrupção pública pelo narcotráfico. 

ENERGIA “LIMPA” 

Outro enorme desafio é a expansão da mineração em função do crescimento do agronegócio e das chamadas “transições minero-energéticas”, frente à crise climática.  

A “limpeza” da energia consiste na falta de emissões de carbono para a sua produção; porém, veículos elétricos e turbinas eólicas exigem seis vezes mais minerais do que os modelos tradicionais. A participação das tecnologias de energia limpa na demanda total aumentará significativamente nas próximas duas décadas, ultrapassando 40% para cobre e elementos de terras raras, 60-70% para níquel e cobalto, e quase 90% para lítio [1]. A extração dos minerais necessários para este modelo de transição está causando impactos ambientais e sociais incalculáveis em vários territórios. 

Finalmente, ao lado destas inovações na mineração em função da transição energética, convivem opções indefensáveis pela continuidade da extração de combustíveis fósseis, no País e particularmente na Amazônia Legal, como os projetos petroleiros na Margem Equatorial, no oceano logo em frente à foz do Rio Amazonas, ou os projetos de fratura hidráulica para extração de gás (fracking), no Maranhão. O plano energético do Brasil busca aumentar o petróleo e o gás em 63% e 124%, respectivamente, entre 2022 e 2032; a administração atual afirmou querer transformar o Brasil no quarto maior produtor de petróleo do mundo [2]. 

Tudo isso, obviamente amplifica os conflitos, a violência nos territórios e também a perseguição, criminalização e as ameaças de morte contra lideranças e comunidades que tentam defender seus modos e prioridades de vida frente aos grandes projetos, ou à invasão do garimpo. Num recente estudo da Rede Igrejas e Mineração, ainda a ser publicado, foram sistematizados 121 conflitos provocados pela mineração no regional Norte2 da CNBB (PA), 86 no Norte 1 (parte do AM e RR), 20 no Noroeste (AC, RO e parte do AM), 37 no Oeste 2 (MT) e 25 no Nordeste 5 (MA). 

Dário Bossi é integrante do MCCJ, Rede Igrejas e Mineração e da Repam.  

[1] The Role of Critical Minerals in Clean Energy Transitions – World Energy Outlook Special Report (International Energy Agency, 2021), pag. 5. 

[2] https://www.ihu.unisinos.br/635813-lula-e-petro-o-que-na-politica-une-a-floresta-que-o-petroleo-nao-separe