Uma área amazônica desmatada e queimada, em Humaitá, Brasil, em 16 de setembro de 2022. MICHAEL DANTAS / AFP
27 de janeiro de 2023
Em duas revisões de literatura publicadas quinta-feira na “Science”, cerca de cinquenta pesquisadores alertam para o impacto das atividades humanas que é tal que todas as espécies, povos e ecossistemas amazônicos não podem se adaptar a ela.
A floresta amazônica está gravemente doente e, com ela, todo o planeta. Em duas revisões de literatura publicadas na quinta-feira, 26 de janeiro, na Science , cerca de cinquenta pesquisadores internacionais alertam para as rápidas e profundas mudanças que ocorrem nos pulmões da Terra devido à pressão das atividades humanas. Ao causar o desmatamento acelerado e a degradação dessa região, eles ameaçam o clima, a biodiversidade, o bem-estar das populações locais e, de maneira mais ampla, a humanidade.
Estendendo-se por nove países (principalmente o Brasil), a floresta amazônica está entre os ecossistemas mais vitais do planeta. É o lar de quase um terço das espécies conhecidas na Terra, incluindo 390 bilhões de árvores, e ajuda a manter os ciclos globais de carbono e água. Ao mesmo tempo, é particularmente vulnerável: 17% da floresta original foi destruída e 9% severamente degradada, ou seja, 26% afetada, segundo o primeiro estudo.
Em destaque: o desmatamento, causado por atividades agrícolas e industriais – atingiu níveis recordes no Brasil no mandato (2019-2023) de Jair Bolsonaro – e; as mudanças climáticas, também causadas por atividades humanas. Essa destruição dos ecossistemas amazônicos está ocorrendo em um ritmo sem precedentes, centenas ou até milhares de vezes mais rápido do que qualquer fenômeno climático ou geológico natural do passado, alerta o estudo, com números de apoio.
Futuro emissor líquido de CO2
A aceleração é tanta que todas as espécies, povos e ecossistemas amazônicos não conseguem se adaptar a ela. Com isso, a Amazônia se aproxima de um ponto de inflexão irreversível, onde faixas inteiras de florestas serão permanentemente transformadas em savanas – relatórios anteriores mostraram que esse ponto sem volta já foi atingido em algumas áreas, no sul e leste do bacia.
Depois de milhões de anos funcionando como um poderoso sumidouro de carbono, a Amazônia logo deve se transformar em um emissor líquido de CO2. Tanto porque as florestas liberam carbono quando são destruídas, degradadas ou queimadas, mas também porque, sendo menos densas em árvores, podem sequestrar menos.
“Sabemos das medidas a serem tomadas com urgência.É uma questão de vontade política”, diz o cientista James Albert.
As consequências para o clima são vertiginosas: a liberação de todo o carbono contido nas florestas e solos amazônicos (cerca de 180 bilhões de toneladas) aumentaria a concentração de CO 2 na atmosfera o suficiente para elevar a temperatura global em mais de um grau, alerta James Albert, primeiro autor do estudo e professor de ecologia da Universidade de Louisiana, Lafayette. Menos árvores significam também menos chuvas, solos mais áridos, secas mais regulares e severas, o que por sua vez levará a incêndios florestais mais devastadores, numa espécie de círculo vicioso.
“Sabemos das medidas a serem tomadas com urgência para frear a destruição da Amazônia: desencorajar as atividades que destroem as árvores, incentivar as que as replantam e limitar as mudanças climáticas, ao abandonar os combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás ”, diz o pesquisador . O destino da Amazônia, mas também da humanidade, está em nossas mãos. É uma questão de vontade política.»
Quatro grandes impactos
A segunda revisão da literatura enfoca outra ameaça menos estudada que o desmatamento: a degradação florestal, definida como uma alteração prejudicial nas condições da cobertura florestal que afeta suas funções vitais. Segundo cientistas, 2,5 milhões de quilômetros quadrados de floresta amazônica (cerca de 38% de todas as florestas remanescentes da região) foram degradados entre 2001 e 2018 por quatro grandes impactos: incêndios, secas extremas (períodos mais frequentes e mais longos devido às mudanças climáticas) , fragmentação de habitat (nas bordas de áreas desmatadas) e exploração madeireira.
A degradação florestal leva a emissões de carbono semelhantes às causadas pelo desmatamento (até 200 milhões de toneladas por ano), bem como a uma perda equivalente de biodiversidade. Também provoca uma redução na evapotranspiração das árvores – até 34% menos – durante a estação seca.
As projeções para 2050 indicam que esses quatro distúrbios continuarão sendo uma grande ameaça e uma fonte significativa de emissões de carbono, independentemente das trajetórias de desmatamento.
“Quanto mais as florestas são degradadas, mais suscetíveis ficam aos efeitos das mudanças climáticas, sejam secas ou queimadas, num efeito bumerangue ”, diz Plinio Sist, diretor da unidade de Florestas e Sociedades do Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o desenvolvimento, que não participaram dos estudos.
Nesse sentido, os autores defendem a complementação das políticas contra o desmatamento com medidas contra a degradação dos ecossistemas amazônicos. Eles citam, por exemplo, a luta contra a extração ilegal de madeira e o apoio financeiro a agricultores e criadores para incentivá-los a parar de fazer queimadas para dar lugar a pastagens ou plantações.
“Hoje, a floresta é explorada duas vezes mais do que pode se regenerar naturalmente ”, acrescenta Plinio Sist. Trata-se, portanto, de retirar menos árvores, com menos frequência, restaurar a cobertura e desenvolver plantações com várias espécies, para reduzir a pressão sobre florestas muito antigas.»
Audrey Garric
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, janeiro de 2023.