A crise do plástico finalmente ganha status de emergência

https://www.wired.com/story/plastic-pollution-emergency-united-nations

MATT SIMON

16 DE MAIO DE 2023

A poluição plástica custa ao mundo até US$ 600 bilhões por ano. Um novo relatório da ONU fornece um roteiro para ações drásticas.

A RELAÇÃO DA HUMANIDADE COM o plástico não está apenas quebrado – mostra ser um absurdo. Agora estamos produzindo 340 milhões de toneladas por ano – um número abolutamente mais impressionante quando se considera que o material é ultraleve por design. Menos de 10% disso é reciclado, enquanto o restante acaba em aterros sanitários, vaza para o meio ambiente ou é queimado. E essa relação disfuncional está piorando exponencialmente, já que a produção de plástico pode triplicar até 2060. 

O problema é enorme, desmoralizante e ostensivamente impossível de consertar. Mas hoje o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) está lançando um relatório urgente sobre os extraordinários custos ambientais e humanos da poluição plástica, juntamente com um roteiro para o mundo agir. Com várias estratégias trabalhando em conjunto – como cortes de produção e mais reutilização de produtos plásticos – o relatório conclui que a humanidade pode reduzir essa poluição em 80% até 2040. O roteiro chega apenas algumas semanas antes da segunda rodada de negociações para um tratado internacional sobre os plásticos, que cientistas e grupos antipoluição esperam que resulte em um  limite significativo em sua produção.

O relatório enfatiza o preço devastador do vício de nossa civilização em plástico, “particularmente quando se trata de seus custos em relação à saúde humana – distúrbios endócrinos, deficiências cognitivas, cânceres”, diz Steven Stone, vice-diretor da Divisão de Indústria e Economia do PNUMA. e um dos principais autores do relatório. “Quando você soma isso com os custos de limpeza da poluição plástica, fica numa faixa entre US$ 300 bilhões e US$ 600 bilhões por ano. Este relatório é uma mensagem de esperança – não estamos condenados a arcar com todos esses custos.” Na verdade, observa o relatório, com ações contra a poluição plástica, poderemos evitar US$ 4,5 trilhões em custos até 2040.

Este roteiro se baseia em outro alarmante que o PNUMA divulgou no início deste mês, que descobriu que dos 13.000 produtos químicos conhecidos associados aos plásticos e sua produção, pelo menos 3.200 têm uma ou mais propriedades perigosas preocupantes. Dez grupos desses produtos químicos são de grande preocupação, como PFAS e ftalatos. De particular toxicidade é uma ampla gama de produtos químicos em plásticos com propriedades de desregulamento endócrino, que causam  curto-circuito no sistema hormonal mesmo em doses muito baixas, levando à  obesidade,  câncer, e outras doenças. “Existem esses custos que vão se manifestar na saúde humana, na destruição ambiental, na poluição do lixo marinho”, diz Stone. “São custos que recaem sobre todos. Mas o consumidor de plástico não aceita pagamento por isso, nem o produtor. Então, isso é uma enorme falha de mercado.”

O plástico é, no final das contas, um material altamente tóxico que se infiltra em todos os aspectos de nossa vida diária. O objetivo acima de todos os outros deve ser parar de fabricar tanto material, então o novo roteiro exige a eliminação de plásticos desnecessários, como os descartáveis. Mas o desafio é que o plástico continua absurdamente barato de produzir – seus muitos custos externos que se danem (nt.: SEMPRE LEMBRANDO DE QUE TODO O PROCESSO É SUBSIDIADO, O QUE PERMITE QUE SE TORNE -ILUSORIAMENTE- BARATO NO BOLSO DO CONSUMIDOR, MAS QUE TODOS PAGAM PELOS FAVORES GOVERNAMENTAIS).

“Este roteiro está indo na direção certa, mas deve ir muito além para conter a produção de novos plásticos”, diz Dianna Cohen, CEO e cofundadora da Plastic Pollution Coalition. “Estamos felizes em ver uma ênfase na redução e reutilização, que são elementos-chave das soluções para a poluição plástica, pois essas ações podem nos ajudar a diminuir a produção de plástico mais rapidamente. O que está faltando no relatório é exigir que as entidades industriais/corporativas que produzem itens materiais parem de fabricar plástico de combustível fóssil mais tóxico, ponto final.”

Além de reduzir a produção, argumenta o relatório, o mundo deve melhorar os sistemas de , que sozinhos poderiam reduzir a poluição plástica em 20% até 2040. Mas a reciclagem em sua forma atual é problemática por vários motivos. Por um lado, a taxa de reciclagem nos Estados Unidos agora é de apenas 5% dos resíduos plásticos. Os Estados Unidos e outras nações desenvolvidas há muito enviam milhões e milhões de quilos de lixo plástico que não podem reciclar de forma lucrativa para países em desenvolvimento, onde garrafas, sacolas e embalagens são frequentemente queimadas em fossas abertas ou escapam para o meio ambiente. 

Uma questão central é que, ao longo dos anos, os produtos de plástico se tornaram muito mais complicados e, portanto, muito menos recicláveis: hoje em dia, as embalagens de alimentos podem ter camadas de diferentes polímeros ou um produto pode ser meio plástico, meio papel. “Ao concordar e, em seguida, impor regras de design que permitem, por exemplo, um número limitado de polímeros ou um número limitado de aditivos químicos que funcionam bem dentro do sistema, isso já melhora fortemente a economia da reciclagem”, diz Llorenç Milà i Canals, diretor do secretariado da Life Cycle Initiative no PNUMA e coordenador principal do relatório. “Isso torna a reciclagem muito mais lucrativa porque levará muito menos para trazer esses materiais de volta à economia.”

No entanto, mesmo a reciclagem feita corretamente tem um enorme custo ambiental: um estudo publicado no início deste mês descobriu que uma única instalação pode emitir 1400 toneladas de microplástico por ano em suas águas residuais, que fluem para o meio ambiente. A vantagem, pelo menos, é que se a instalação tivesse liberado 3 mil toneladas de microplástico e houvesse instalado filtros, então há pelo menos uma maneira de mitigar essa poluição. Mas essas minúsculas partículas agora corromperam todo o planeta, incluindo uma ampla gama de organismos. E, de um modo geral, à medida que a produção de plásticos aumenta exponencialmente, a poluição por microplásticos aumenta paralelamente

Nesse sentido, então, a reciclagem está piorando o problema da poluição plástica. “O plástico não foi projetado para ser reciclado, e reciclá-lo apenas reintroduz produtos químicos tóxicos e microplásticos no meio ambiente e em nossos corpos”, diz Cohen. “Os autores do relatório [do PNUMA] vão tão longe ao reconhecerem que, mesmo que seja possível, uma economia circular de plásticos levaria décadas para ser construída e, mesmo no melhor cenário, seguir o roteiro descrito levaria a aproximadamente 136 milhões de toneladas métricas de plástico fluindo para aterros sanitários, incineradores e o meio ambiente para causar poluição no ano de 2040. Essa é uma quantidade enorme – e inaceitável – de plástico.”

Realmente, a reciclagem permite que a indústria do plástico continue produzindo todo o plástico que quiser, sob o pretexto da sustentabilidade. “Se você tivesse uma banheira transbordando, você não iria apenas correr para o esfregão primeiro – você fecharia a torneira”, diz Jacqueline Savitz, diretora de políticas da organização sem fins lucrativos de conservação Oceana, que não participou do relatório. “A reciclagem é o esfregão.”

Outra estratégia destacada no novo relatório é a “responsabilidade estendida do produtor”, na qual os fabricantes não apenas fabricam o material e limpam as mãos dele. A indústria do plástico há muito promove a (nt.: ficção da) reciclagem (mesmo sabendo que o sistema atual não funciona) porque ela torna você, o consumidor “descuidado”, responsável pela poluição. A responsabilidade estendida do produtor coloca o fardo de volta na indústria, forçando os produtores a, digamos, implementar sistemas para receber as garrafas de volta e reutilizá-las.

Além disso, observa o novo relatório, os países podem impor um imposto sobre o plástico, o que tornaria mais caro para os fabricantes produzir plástico virgem. Os governos então usariam esse dinheiro para financiar programas de reciclagem e outras medidas de mitigação para reduzir a poluição por plástico. “Os custos que são externalizados para a sociedade são, na verdade, antecipados”, diz Stone. “E então os materiais reciclados são muito mais competitivos com os materiais virgens. Isso será um tremendo benefício para manter os plásticos em jogo por mais tempo.”

Outra forma de manter o plástico em circulação é incentivar a reutilização. Então, em vez de ter que reciclar uma garrafa de água de uso único, o ideal é que as pessoas tenham suas próprias garrafas reutilizáveis ​​para encher repetidamente. Em vez de comprar xampu em uma garrafa de plástico toda vez, as pessoas podem visitar as lojas de recarga. Combinadas, essas iniciativas de reutilização podem reduzir a poluição plástica em 30%, segundo o novo relatório. “Requer sistemas e investimentos, mas tem potencial para ser uma grande oportunidade econômica”, diz Savitz, da Oceana. “Novas empresas podem começar pequenas, mas podem acabar sendo uma espécie de Amazon de reutilização.”

Por fim, o relatório pede uma “substituição cuidadosa” de certos produtos plásticos – usando papel ou materiais compostáveis, por exemplo. “Cuidado” significa que não gostaríamos de implantar amplamente algum tipo de alternativa plástica que acaba sendo tão tóxica quanto. Isso já é um problema, pois os produtores de plástico trocam produtos químicos tóxicos conhecidos, como o bisfenol A (também conhecido como BPA), por produtos químicos semelhantes que podem ser tão tóxicos quanto, se não mais – uma “substituição lamentável”, como os cientistas chamam.

A boa notícia, pelo menos, é que a poluição plástica está finalmente sendo elevada ao status de emergência na comunidade internacional. “O fato de haver consenso de que esse é um problema de todos os países significa, para mim, que temos uma grande oportunidade”, diz Stone. “É nosso trabalho divulgar a ciência para que as pessoas possam ver os números e entender quais são os riscos agora. Porque a poluição por plásticos é uma bomba-relógio, essencialmente, e precisamos lidar com isso agora.”

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, maio de 2023.