Esquerda: a Ikea afirmou que esta área, que faz fronteira com um local protegido no condado romeno de Vrancea, não foi devastada, mas “progressivamente” desmatada no final de 2020; o corte progressivo significa o corte de árvores mais velhas depois que a floresta foi regenerada. Os visitantes no início de 2021 não viram nenhuma floresta. A Agent Green, uma ONG romena, disse que não foi obtida qualquer licença ou avaliação de impacto ambiental para o local. À direita: os produtos estão à venda numa loja Ikea em Bucareste. FOTOGRAFIAS FORNECIDAS (X2)
https://newrepublic.com/article/165245/ikea-romania-europe-old-growth-forest
16 de fevereiro de 2022
[NOTA DO WEBSITE: Por que publicar essa matéria de 2022? Simplesmente porque ela confirma a que foi publicada ontem sobre “UE criminaliza danos considerados ‘ecocídio'”. E mostra como as corporações que professam a ideologia do supremacismo branco eurocêntrico encontram parceiros com a mesma voracidade capitalista suicida que se vê no Brasil. Triste fração da Humanidade que hoje define todo o futuro planetário].
A gigante do mobiliário está sedenta pelas famosas árvores da Romênia. Pouco fica em seu caminho.
A temporada de extração de madeira na Romênia dura sete meses, de meados de setembro a abril, com um frenesi de motosserras mastigando milhões de abetos, pinheiros, carvalhos, bordos, faias e outras coníferas. Parte da madeira é cortada legalmente; a maior parte não o é, e a violência entre a indústria madeireira e os seus oponentes irrompe frequentemente. No início desta temporada dois documentaristas baseados em Bucareste trabalhando num projeto sobre o comércio ilícito de madeira partiram em busca de um grande desmatamento de aparência traiçoeira em Suceava um condado do norte onde estão localizadas algumas das maiores serrarias do país e onde a Ikea possui milhares de hectares.
Os cineastas – Mihai Dragolea, diretor, e Radu Mocanu, cinegrafista – seguiam um ambientalista local, Tiberiu Bosutar. Ex-triturador de madeira que se tornou ativista, Bosutar conhecia bem a madeira ilegal. Ao longo de cinco anos, ele construiu uma reputação como uma espécie de vigilante florestal, abordando madeireiros envolvidos em atividades questionáveis ou seguindo caminhões cheios de contrabando de madeira e depois transmitindo os encontros no Facebook Live. Apenas algumas semanas antes, ele se tornou viral ao transmitir uma tentativa de deter um caminhão que transportava toras ilegais; quando seu SUV branco ficou sem gasolina, ele chamou uma ambulância e continuou a perseguição.
Mas a viagem dos cineastas não pretendia ser uma façanha. O grupo pegou o veículo pessoal de Bosutar, bem conhecido na região, e demorou-se para tomar um café em um posto de gasolina próximo para dar a conhecer sua presença e provar que não tinham vindo para antagonizar. Então, com Bosutar ao volante, a pessoa que os avisou sobre o corte e os cineastas atrás, eles pegaram a rodovia, viraram à esquerda em uma estrada de terra e começaram a subir.
Não demorou muito para que eles vissem o que procuravam: tocos. “A floresta estava ‘fodida’ até os ossos”, Dragolea me disse. “Estava realmente devastada.” Não é nenhuma surpresa, na verdade, e em qualquer outro dia, Bosutar poderia ter acessado o Facebook. Em vez disso, optou por ligar para o escritório do guarda florestal. Era uma oportunidade ideal, pensou ele, para mostrar o potencial de comunicação entre ativistas, autoridades policiais e madeireiros, e cumprir uma resolução de Ano Novo para tentar uma abordagem menos combativa. “Foi um bom momento para mostrar que estamos abertos ao diálogo.”
Não muito depois, ouviram o barulho dos motores; logo, dois SUVs chegaram. Não foi a polícia local que saltou, mas uma horda: 15 homens armados com bastões e machados. A equipe do documentário correu para o carro de Bosutar, mas não conseguiu trancá-lo a tempo. Os agressores arrombaram as portas, quebraram a chave, cortaram os pneus e quebraram o equipamento de câmera. Eles espancaram Mocanu, preso entre o carro e a encosta da montanha, inconsciente. Eles bateram no rosto de Dragolea. O diretor mergulhou na ravina próxima, onde se escondeu sob as raízes de uma árvore caída e chamou a polícia, implorando que viessem com as sirenes ligadas. “Eu disse: ‘Eles estão matando os jornalistas na floresta e estão me rastreando’”, contou ele. “Conheci casos de pessoas que morreram na floresta, vi machados ao meu redor. Se alguém não ligasse, morreríamos com certeza.”
Entretanto, com Bosutar ainda no carro, os atacantes tentavam empurrar o veículo para fora da montanha, içando o chassis sobre duas rodas. Quando ele concordou em sair, eles o espancaram, o despiram e postaram fotos dele online, com sangue escorrendo pelo rosto, com a legenda, em romeno: “Pelas florestas virgens, tiro a camisa”. Eles o instruíram a descer a colina até encontrar um segundo grupo de agressores.
Mas a polícia chegou primeiro, juntamente com as ambulâncias, que levaram os três homens, dois dos quais desmaiaram no trânsito, para o hospital. Não muito depois, o incidente virou notícia internacional por meio de uma transmissão da Associated Press. A surra foi até divulgada nos Estados Unidos pelo The Washington Post .
A partir da esquerda: Em 2021, o cinegrafista Radu Mocanu, o diretor Mihai Dragolea e o ativista Tiberiu Bosutar foram atacados enquanto filmavam um documentário sobre a extração ilegal de madeira na Romênia. IOANA MOLDOVA PARA O GREENPEACE (X3)
Não havia muito mais ajuda no caminho. Um porta-voz da polícia disse à AP que as autoridades tratariam o ataque com “a máxima atenção”; menos de uma semana depois, apenas quatro dos 15 agressores foram acusados, não de tentativa de homicídio, mas da acusação mais leve de briga. Todos estavam fora da prisão, aguardando julgamento. Temendo pela sua vida e pela sua família, Bosutar fugiu de Suceava para Bucareste. “Esta não é a primeira vez que sofro um atentado contra a minha vida”, ele me disse do lado de fora do hotel onde estava escondido. “Já foram três ou quatro vezes que fui atacado. Devo simplesmente admitir que este é um Estado falido, que não tenho um aliado dentro dele?”
“Não sei o que devo fazer”, acrescentou, e começou a chorar.
Num acidente geográfico e histórico, a Romênia alberga uma das maiores e mais importantes florestas antigas que ainda existem no mundo. A sua cadeia montanhosa dos Cárpatos, que envolve como um cinto de segurança o meio e a parte superior do país, acolhe pelo menos metade da vegetação antiga remanescente da Europa fora da Escandinávia e cerca de 70% da floresta virgem do continente. Tem sido referida como a Amazônia da Europa, uma comparação adequada e ameaçadora em igual medida, devido à velocidade a que ela, tal como a própria Amazônia, está a desaparecer.
A maior parte da Europa foi rapidamente desmatada durante a era industrial; menos de 4% das florestas da UE permanecem intactas. A Romênia, suficientemente longe dos centros industriais do continente e durante muito tempo um membro fechado do bloco soviético, continuou a ser uma brilhante exceção. Durante o período comunista do país, o governo converteu as florestas para propriedade pública e manteve-as fora dos mercados de exportação globais, consagrando as tendências de gestão florestal de um antigo regime. O resultado é que a Romênia retém algumas das raras florestas de abetos, faias e carvalhos que se qualificam como antigas ou primárias, nunca tendo sido excessivamente exploradas, alteradas pela atividade humana ou replantadas artificialmente.
Mas a queda do comunismo em 1989 dissolveu uma camada de proteção para essas florestas, e a subsequente onda de privatizações inaugurou a corrupção generalizada. Em 2007, a entrada da Romênia na União Europeia criou um mercado enorme e liberal para a madeira barata e abundante do país e para a mão-de-obra barata necessária para a extrair, condições que encorajaram as empresas madeireiras austríacas e as empresas de mobiliário suecas a estabelecerem-se. Os regimes rebeldes e ineficazes que se sucederam promulgaram novas reformas pró-mercado e pouco fizeram para conter a corrupção; nos últimos meses de 2021, o primeiro-ministro designado do país viu-se incapaz de formar um governo. Acrescente a isso o crescimento astronômico da indústria de móveis rápidos, que depende particularmente dos abetos e das faias que povoam essas florestas, e o resultado tem sido um delírio de desmatamento.
Há um beneficiário óbvio e notável desta situação: a Ikea. A empresa é hoje o maior consumidor individual de madeira do mundo, e o seu apetite cresce em dois milhões de árvores por ano (nt.: aqui se mostra o que temos sempre destacado como a ideologia do supremacismo branco eurocêntrico onde um país como a Suécia, considerada um dos que mais ‘cuidam’ da questão ambiental junto com os outros países escandinavos, se vê que tudo é só teatro. Tudo é falso. O delírio de serem Fantasmas Famintos com sua fome insaciável como mostra a Roda da Vida budista, está aqui plasmada! Como o mito da Grécia Antiga de Erisícton, o povo da Ikea, devasta aquilo que não é deles, mas que se apossaram no caso de agora, por terem dinheiro e é só o dinheiro que importa. Como o rei grego, a deusa da abundância talvez ainda venha com sua punição. É esperar para ver). De acordo com algumas estimativas, até 10% da sua madeira é proveniente do país relativamente pequeno da Romênia e há muito que mantém relações com fábricas e fabricantes da região. Em 2015, começou a comprar áreas florestais a rodo; em poucos meses tornou-se, e continua a ser, o maior proprietário privado de terras da Romênia.
A voracidade do mercado global para madeira, talvez previsivelmente, ultrapassou em muito os limites legais estabelecidos por um Estado já permissivo. De acordo com um relatório de 2018, inicialmente suprimido pelo governo romeno e divulgado mais tarde naquele ano, o país viu 38,6 milhões de metros cúbicos de madeira saírem das suas florestas anualmente durante o período de quatro anos anterior; o governo licenciou apenas 18,5 milhões de metros cúbicos. Por outras palavras, sem sequer contabilizar possíveis violações baseadas no método de extração, mais de metade da madeira do país é extraída ilegalmente. Mesmo a exploração madeireira legal, que tanto em terras privadas como públicas deve ser precedida de um plano de gestão florestal aprovado pelo governo, pode estar repleta de corrupção e abusos. Desde aproximadamente a data da adesão da Romênia à UE, entre metade e dois terços da floresta virgem do país foram perdidos.
Como é frequentemente o caso em negócios dominados pela ilegalidade, a violência nunca fica atrás e, na altura das compras da Ikea, teve início uma onda de ataques de grande repercussão relacionados com a exploração madeireira. Em 2015, o ambientalista romeno Gabriel Paun foi espancado até ficar inconsciente por madeireiros numa emboscada captada pelas câmaras; ele acabou fugindo do país e passou anos vivendo escondido. Doina Pana, ex-ministra das águas e florestas, anunciou que foi envenenada com mercúrio em 2017, depois de tentar reprimir a exploração madeireira ilegal. No final de 2019, dois guardas florestais, Raducu Gorcioaia e Liviu Pop, foram assassinados em ataques separados no espaço de apenas algumas semanas.
“Passamos tantos anos a olhar para a Amazônia e a Indonésia, a bacia do Congo e a Rússia, todos estes locais que são muito mais famosos pelas coisas realmente más que acontecem nas florestas”, disse David Gehl, da Agência de Investigação Ambiental, que monitoriza a criminalidade sobre o ambiente, em todo o mundo. Quando a agência começou a olhar para a Romênia, disse-me Gehl, os seus membros ficaram “chocados” ao ver o mesmo tipo de coisas acontecer dentro dos confins confortáveis da União Europeia, onde prosperam marcas internacionais voltadas para o consumidor, como a Ikea.
Com tão pouca aplicação formal da lei – a Guarda Florestal da Romênia foi criada em 2015 como uma unidade de 617 pessoas que não trabalha à noite nem aos fins de semana – a tarefa de proteger as florestas tem muitas vezes recaído sobre ativistas e voluntários, uma responsabilidade que se revelou traiçoeira. Ao todo, pelo menos seis patrulheiros foram mortos nos últimos anos; noutros 650 incidentes registados, pessoas foram espancadas, baleadas ou atacadas de outra forma em relação à exploração madeireira ilegal. Nenhum dos casos de 2019 foi a julgamento; Os agressores de Paun, capturados em filme, permanecem livres.
“Senti-me mais seguro no Iraque, em Mosul, em 2016”, disse Mircea Barbu, um antigo correspondente estrangeiro que agora trabalha como investigador para a ONG ambiental romena Agent Green. “No Iraque, é apenas uma questão de azar se eles te pegarem – se você sair de lá, eles não vão te seguir de volta para casa.”
Então, quando me encontrei com Andrei em setembro passado para investigar a exploração madeireira em florestas antigas protegidas, sabíamos que teríamos que tomar precauções. Identificado aqui por um pseudônimo para sua proteção, Andrei estava na última etapa de uma viagem de 17 dias que o levou aos confins do país. Para um relatório à Comissão Europeia, ele documentava a exploração madeireira ocorrida durante os 12 meses anteriores em locais protegidos da Natura 2000, examinando locais onde os satélites indicavam a perda conspícua contínua de florestas e evidências de degradação do habitat. Ele concordou em me deixar acompanhá-lo nos últimos três dias de sua viagem. Atarracado como um jogador de rúgbi, com a barba começando a ficar grisalha, Andrei parecia alguém que se sairia bem em uma briga — uma impressão compensada por seu comportamento jovial.
O programa Natura 2000, estabelecido pela UE, protege uma rede de áreas naturais pelo seu valor excepcional como habitats, especialmente para animais como ursos, linces e aves. As normas aplicam-se tanto a terras privadas como públicas e regem a Romênia devido à admissão do país na UE. Os sítios Natura 2000 desempenham um papel crucial na Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030, para a qual existe uma norma jurídica viável, e são igualmente importantes para as ambições climáticas da UE, para as quais não existe. As florestas antigas absorvem 70% mais carbono do que as árvores derrubadas e replantadas, o que as torna o método de captura de carbono mais eficaz do planeta; quando uma única faia atingir os 150 anos de idade, terá absorvido nove toneladas de CO2, o equivalente a 56 mil quilômetros percorridos de carro, e a sua taxa de sequestro acelera à medida que envelhece.
Por razões óbvias, Andrei trabalha disfarçado. Se alguém perguntar, ele diz que é turista em busca de fotos da natureza. Ele trabalha nos finais de semana, quando é menos provável que os locais de registro estejam ativos, para evitar desentendimentos e minimizar a chance de ser reconhecido. Ele usa um drone para capturar grande parte de suas imagens; pairando a 300 metros, ele vibra fora do alcance da voz e é invisível do solo. Não faz mal que seu carro seja alugado, cuja placa não será facilmente atribuída a ele. Geralmente ele viaja sozinho ou com um amigo. “Para mim, é muito raro sair com jornalistas”, disse ele.
Em uma rodovia empoeirada, definimos o plano do dia: iríamos de carro até as montanhas Southern Fagaras, onde tentaríamos acessar alguns locais que, de acordo com um amálgama de imagens de satélite do Google Earth e de baixa resolução, imagens atualizadas com mais frequência de um servidor chamado Sentinel Playground – pareciam conter cortes recentes. Eu seguia em meu Toyota Corolla alugado até onde ele aguentava as condições, depois entrava em seu Dacia Duster branco, um pequeno SUV 4×4 comum na Romênia, e seguíamos estradas madeireiras pelo resto do caminho. Contanto que o Duster não cedesse antes (nas últimas duas semanas, o pneu traseiro travou, o freio de mão falhou e o motor estava vazando óleo), faríamos a última etapa a pé, na esperança de obter evidências incontestáveis de fotos e vídeos da condição da floresta.
Andrei documenta a exploração madeireira em florestas protegidas na Romênia. Para sua segurança, ele é identificado nesta história por um pseudônimo. FOTOGRAFIA DE IOANA MOLDOVAN PARA A THE NEW REPUBLIC.
A exploração madeireira ilegal assume diversas formas. O mais comum é o corte acima da quantidade permitida (cortes rasos maiores que três hectares, por exemplo, violam as regulamentações romenas), mas qualquer método que danifique os cursos de água, cause erosão ou deixe uma bagunça para trás também pode entrar em conflito com a lei. Poucos minutos depois de deixar meu carro em um aglomerado de buracos, tivemos nosso primeiro encontro. Ao fazer uma curva na estrada, encontramos o nosso caminho bloqueado por dois camiões, um deles com troncos recentemente cortados, o outro a ser carregado para levar toras, provavelmente para um depósito, onde a madeira é vendida. Grandes toras também foram empilhadas ao longo da estrada, aguardando a exportação. “Ainda existem algumas filiais anexas”, destacou Andrei. “É ilegal derrubá-los assim porque você está danificando o solo ao arrastá-los.” Muitas vezes, o lodo no rio pode ser um sinal de que a exploração madeireira está a acontecer nas proximidades, mas a água à nossa direita permaneceu clara, uma indicação de que a madeira provavelmente foi trazida de uma parte muito mais alta da montanha.
Enquanto esperávamos, Andrei montou sua câmera e, mantendo-a baixa no painel, tirou fotos da cena. “Normalmente, quando tiro fotos, certifico-me de que não me vejam”, disse-me ele. “Só quero ter certeza de que estou recebendo as placas desses caminhões, porque podemos verificá-las mais tarde.”
Assim que a carga foi retirada, continuamos, encontrando mais uma equipe madeireira antes de finalmente chegarmos a uma barragem e ficarmos sem estrada transitável. Depois de estacionar, subimos uma trilha íngreme e suja que havia sido substancialmente erodida – o que também, tecnicamente, era uma infração legal.
Da beira da estrada, a área parecia densamente arborizada e em grande parte intocada, e poucos minutos depois de entrar, vimos evidências de seu status antigo: abetos, faias e bordos de vários tamanhos e idades cresciam intercalados, seus troncos cheios de musgos, líquenes , fungos. O chão estava macio com matéria orgânica podre; arbustos de frutos silvestres, colhidos, sugeriam ursos. Algumas das árvores maiores atingiam bem mais de 30 metros de altura; numerosos gigantes tinham facilmente 300 anos de idade. A diversidade de idade, tipo e densidade provou que esta região nunca tinha sido substancialmente explorada ou replantada. Mesmo para um amador, a diferença entre esta floresta e o bosque denso e uniforme visível num pico oposto, um pedaço replantado de árvores de idade e tamanho idênticos, era óbvia.
Subimos ainda mais, até chegarmos a uma clareira de onde poderíamos lançar o drone. Uma vez no ar, a câmera entregou uma revelação nítida. O matagal pelo qual caminhávamos era ladeado por exploração madeireira comercial por todos os lados. À medida que o drone fazia uma panorâmica, áreas carecas se revelavam no monitor: novos cortes rasos. As manchas metastatizaram-se no topo da montanha. Em outros lugares, vimos o que pareciam ser marcas de garras, os cortes onde as árvores haviam sido puxadas montanha abaixo por cabos. Em muitos lugares, o que restou foi apenas sujeira marrom; os cortes eram novos o suficiente para que nem mesmo a grama ou as ervas daninhas tivessem tido tempo de crescer. A visão de estradas recém-construídas indicava que em breve começaria mais exploração madeireira. Enquanto isso, nos aglomerados que permaneceram intocados, o vento começou a derrubar e arrancar as árvores expostas.
“Esta é uma das piores”, disse Andrei quando perguntei como a área se comparava com o que ele tinha visto até agora na sua pesquisa. “É muito raro ver tantos desmatamentos.” Entre os danos causados pelo vento, a erosão e os escaravelhos, estimou ele, em breve “não sobraria nada”. Baixamos o drone, caminhamos até um segundo local e o lançamos novamente. O trabalho foi metódico: registre a filmagem, marque a localização no mapa. Quando a bateria acabou, começamos a descer até o carro.
Como prova de que estão a cumprir a lei, os camionistas são obrigados a carregar fotografias das suas cargas para uma base de dados online chamada SUMAL, que mantém licenças de exploração madeireira ativas. Mas existem soluções alternativas. Às vezes, os caminhoneiros não se submetem até serem detidos pelas autoridades, momento em que oferecem a documentação e alegam que estavam fora do alcance do serviço de celular. Outras vezes, eles colocam água nas lentes da câmera ou fotografam apenas metade do transporte. Embora os transportes ilegais em plena luz do dia sejam incomuns, Andrei e eu procuramos os números das placas que tínhamos visto. A maioria fez check-out conforme o esperado. Mas um dos motoristas, que apresentou uma foto com apenas metade da carga no porta-retratos, afirmou transportar apenas sete metros cúbicos de madeira, um quarto do que os outros caminhões desse porte relataram. Infelizmente, a madeira já havia sido deixada num depósito, misturada com toras legais e possivelmente até vendida a uma fábrica. Era tarde demais para fazer qualquer coisa.
No início de 2020, a Comissão Europeia anunciou processos por infracção contra a Romênia por permitir a exploração madeireira sem avaliação ambiental nas zonas Natura 2000. Alguns meses mais tarde, a comissão intensificou o caso emitindo um “parecer fundamentado”, o último passo antes de levar o país perante o Tribunal de Justiça Europeu. Apesar de ter deliberado sobre a legislação nacional que estaria em conformidade com as normas da UE, o governo romeno ainda implementou pouco além do aumento das sanções penais para o roubo de madeira.
Poderíamos pensar que o processo por infração retardaria o desmatamento; na verdade, o oposto tem sido verdadeiro. A ameaça de uma nova legislação que proteja tanto as florestas antigas de propriedade privada como pública desencadeou uma corrida para extrair madeira dessas áreas o mais rapidamente possível. Em 2018, uma audiência por infracção da comissão encerrou toda a exploração madeireira na floresta polaca de Bialowieza, também um sítio Natura 2000 antigo, depois de terem surgido provas de abate de árvores com 100 anos de idade. “Obviamente, há agora uma pressão maior”, disse-me Andrei. “Se você quer retirar grandes volumes de madeira sem ser questionado, faça agora. Se você esperar até o próximo ano, talvez não consiga fazer isso.” A exploração madeireira numa determinada área pode degradar a floresta circundante o suficiente para torná-la ineficiente para proteção, o que acrescenta ainda mais motivação para o cuidado.
Uma antiga faia cresce num local protegido nas montanhas dos Cárpatos, na Roménia.ANTJE HELMS/GREENPEACE
Saímos naquela manhã de uma pousada em Curtea de Arges, uma cidade tão grande e tão distante da floresta que ninguém suspeitaria da nossa presença. No café da manhã, Andrei carregou as imagens do drone do dia anterior. Precisávamos visitar vários locais, desta vez na área da Barragem de Vidraru, para cumprir o cronograma.
Novamente dirigimos até que meu carro alugado não conseguisse passar pelos buracos. Mais uma vez fomos confrontados com evidências de exploração madeireira logo em seguida – desta vez, o zumbido triste de motosserras. Poucos minutos depois, encontramos um guarda florestal que, ao saber que éramos turistas, recomendou um local pitoresco para tirar fotos. A título de garantia, Andrei me lembrou que era sábado e que a maioria dos madeireiros terminaria o trabalho às 13h. Em apenas algumas horas, não teríamos nada com que nos preocupar.
Dirigimos até encontrarmos uma estrada madeireira que parecia nos levar a um local que havíamos analisado por satélite naquela manhã. A estrada já estava bastante erodida, com canais mais profundos do que a minha altura. Dirigir era impossível, então caminhamos.
Imediatamente, Andrei me disse que aquela parecia ser uma floresta virgem ainda mais rara; algumas de suas árvores ele estimou ter 500 anos de idade, impressionantes em estatura para que ele pudesse parar e tirar fotos para sua própria câmera. As estradas transitáveis podem ser mais difíceis de encontrar do que os próprios locais de exploração madeireira, o que se tornou dolorosamente óbvio à medida que o nosso caminho continuava a desviar-se do nosso destino. Logo estávamos escalando e descendo uma série de canhadas íngremes, verificando inutilmente o rastreador GPS; nosso destino ficava a apenas algumas centenas de metros de distância, mas parecia inacessível. A densa cobertura florestal mantinha o ar fresco, mas úmido, e eu estava encharcado de suor. Quando finalmente atingimos uma linha do divisor de águas, o corte raso não estava em lugar nenhum. É possível, admitiu Andrei, que o satélite estivesse apenas mostrando danos causados pelo vento.
Mas quando lançou o drone, avistou-o abaixo de nós, um trabalho apressado que deixou para trás não apenas tocos antigos, mas também muitas das próprias toras. Madeira morta e acinzentada cobria o solo de tal forma que nada, nem mesmo as ervas nativas, voltava a crescer. Andrei filmou um pequeno vídeo e começamos nossa caminhada de volta montanha abaixo.
Passamos o resto da tarde assim: lançando o drone, filmando, andando a pé. Assim que o sol de meados de setembro começou a se pôr, partimos para nosso último local, na direção recomendada pelo engenheiro florestal e de onde ouvimos as motosserras na chegada.
Passando por uma cabana de pastor, começamos a subir estradas de qualidade deteriorada, e o carro batia frequentemente em buracos, pedras e escombros. Depois de um tempo, encontramos algo que não esperávamos: um cartaz anunciando o desmatamento na área. A licença, lemos, havia expirado quase dois meses antes, em 30 de julho. “Tente tirar uma foto desse painel”, Andrei me instruiu. “Eu já não gosto disso.”
Paramos o carro e eu desci para retirar um galho que bloqueava a estrada. Andrei apontou marcas profundas e aparentemente recentes de trator na lama. Alguns minutos depois, paramos novamente para que eu pudesse afastar outro galho que bloqueava nosso caminho. Andrei me disse para fazer isso em silêncio; era possível que esses impedimentos fossem deixados para sinalizar aos madeireiros que alguém estava chegando.
Avançamos lentamente pela estrada até que finalmente vimos troncos grandes e recém-cortados. Eles foram derrubados ainda com sua galhada, uma infração muito menos significativa do que o fato de este local estar protegido e estar semanas fora de licença.
Foi então que vimos fumaça. Mais adiante na estrada, logo depois dos troncos que estávamos examinando, ela saía da chaminé do trailer de um madeireiro do tamanho de uma caixa de fósforos. “Ah, merda”, disse Andrei. “Vamos tirar uma foto disso e depois voltar lentamente.” Silenciosamente, viramos o carro e começamos a descer a montanha, tentando manter o mínimo ruído do motor ligado.
A Ikea é hoje o maior consumidor individual de madeira do mundo, e o seu apetite aumenta em dois milhões de árvores por ano. (nt.: novamente nos vem a imagem tanto de Erisícton como a dos Fantasmas Famintos. A triste insaciabilidade da fome de uma ganância incontrolável)
Depois de recuarmos o suficiente para ficarmos fora de vista, Andrei estacionou o carro e lançou o drone. Seguindo uma fenda árida montanha acima, ele gravou um vídeo do local da exploração madeireira claramente ativa, que nem estava em seu radar; o local que almejamos ainda estava a quilômetros de distância. Fiquei vigiando para ter certeza de que não estávamos sendo perseguidos. “Você tem algum sinal de celular aqui?” ele perguntou. “Eu não. Bom. Isso significa que mesmo que os madeireiros nos ouçam, não poderão ligar para ninguém.” E depois, menos encorajador: “Mas mesmo assim, estamos um pouco expostos aqui”.
Naquele momento, vi alguém se aproximando rapidamente a pé. “Tem alguém vindo,” eu soltei. Ele estava perto demais para que pudéssemos baixar o drone e escapar. Andrei me entregou os controles e mergulhou no banco do motorista, enfiando a chave na ignição e engatando a marcha. Se eu voasse com o drone para um local à frente, disse ele, poderíamos colocar alguma distância entre nós e nosso perseguidor e ter a chance de pegar o dispositivo. O carro apitou objeções enquanto passávamos por buracos, e tentei manter o drone no curso acima.
Depois de alguns minutos, o madeireiro desapareceu de vista e Andrei estacionou o carro. A seu pedido, monitorei meticulosamente a estrada atrás. “Terminarei em cerca de 10 segundos”, ele me garantiu. Não muito tempo depois, vi o madeireiro novamente, aproximando-se de nós. “Ele está vindo, ele está vindo”, eu disse. Andrei voltou para o carro e partimos novamente. Qualquer pessoa que dirigisse para dentro nos bloquearia; qualquer problema com o Duster nos deixaria abandonados. Fiquei vigiando pelo vidro traseiro, mas não vimos mais ninguém; ninguém se aproximou pela frente.
Rastrear qualquer árvore individual desde o chão da floresta até o showroom das lojas sofisticadas, mostra ser um desafio quase impossível. À medida que a madeira vai avançando pela cadeia de abastecimento, manufatura e venda, torna-se cada vez mais difícil identificá-la. Os proprietários de uma floresta leiloam suas árvores para serem cortadas por uma empresa madeireira, após o que a madeira é levada para um depósito, vendida a uma fábrica que a processa em madeira serrada, cavacos de madeira ou aglomerado e depois vendida novamente a um fabricante, que transforma-a em uma cadeira, ou em peças de uma cadeira, em nome de empresas de móveis como a Ikea, que a compram, marcam, enviam e vendem para instalação doméstica. Cada elo dessa cadeia torna o ponto de origem da madeira cada vez mais confuso e difuso. Os depósitos, em particular, são conhecidos por empilhar toras ilegais e legais atrás de cercas ou dentro de armazéns, onde se tornam indistinguíveis.
Se o problema de rastreamento torna quase impossível provar que qualquer registro é ilegal, pode tornar igualmente difícil provar que qualquer registro específico é legal. A exploração madeireira duvidosa que nunca atinge o nível de ilegalidade pode ser tão má como a ilegalidade formal, e as duas tendem frequentemente uma para a outra. Muita madeira, como a carga de caminhão declarada incorretamente que vi no meu primeiro dia, seria considerada ilegal se houvesse recursos para revisá-la. Embora se saiba que mais de metade da madeira do país, em média, é extraída sem permissão, apenas 1% dessa madeira ilegal é contabilizada oficialmente.
Imagens de drones, fotografadas em 2021, mostram a exploração madeireira em florestas antigas na Romênia. No sentido horário, a partir do canto inferior esquerdo: Cortes rasos em locais protegidos da Natura 2000 nas montanhas Fagaras demonstram evidências de degradação do habitat. Inferior direito: a Ikea desmatou esta área, que faz fronteira com um local protegido, no final de 2020; afirma que não desmatou. FOTOGRAFIAS FORNECIDAS (X4)
Essa realidade é crítica para a indústria moveleira, que deverá crescer de US$ 564 bilhões em 2020 para US$ 850 bilhões até 2025. É especialmente importante para a Ikea, que não é apenas a maior empresa de móveis do mundo, mas também a maior compradora e varejista de móveis de madeira. Tendo duplicado o seu consumo nos últimos 10 anos, devora agora 1% da madeira mundial anualmente, com uma dependência regional particular da Romênia e dos seus arredores. “O crescimento da Ikea anda de mãos dadas com o setor florestal na Europa Oriental e na Rússia”, disse Tara Ganesh, chefe de investigações madeireiras da ONG Earthsight, sediada no Reino Unido. Ganesh trabalhou em diversas investigações da empresa, cuja presença na região, disse, é “massiva”.
A demanda insaciável por árvores significa que quase não há como a empresa ter largura de banda para fazer o que os governos estrangeiros nem conseguem gerenciar e rastrear toda a madeira que entra e sai de sua boca. Quando o relatório de 2018, que indicava que mais de metade da madeira do país foi extraída ilegalmente, vazou, a Ikea esquivou-se. “Todas as grandes empresas vieram e disseram: ‘a culpa não é nossa. Nós pegamos o material legal. Todos aqueles romenos queimando lenha e é aí que se consome toda a madeira ilegal’”, disse David Gehl coordenador do Programa Eurásia da EIA/Environmental Investigation Agency. O fato de 55% da madeira do país alimentar as lareiras de uma população que diminuiu durante o mesmo período e diminuiu quatro milhões desde 1990 é, obviamente, uma sugestão inconcebível.
Enquanto isso, a Ikea ostenta uma excelente reputação por sua boa-fé ambiental. De acordo com o website da empresa, mais de 98% da sua madeira é extraída de forma sustentável, ou seja, reciclada ou certificada pelo Forest Stewardship Council/FSC (nt.: novamente o dramático cinismo do mundo capitalista que só persiste porque nós, os consumidores finais, é que mantemos essa farsa, ao comprarmos dessas corporações seus produtos, sem termos a mínima noção do que circula globalmente pela mídia alternativa e aguerrida); pretende atingir 100% em breve. “Sob nenhuma circunstância permitimos práticas florestais irresponsáveis”, disse-me um porta-voz. E, no entanto, pelo menos 60% do seu abastecimento de madeira provém da Europa Oriental e da Rússia, sendo cerca de 10% da Romênia em particular. Como conciliar as reivindicações da Ikea com a sua presença descomunal numa região assolada por escândalos?
A confiança da empresa na certificação FSC como sinônimo prático de sustentabilidade ajuda a explicar. Uma pequena ONG internacional, o FSC, estabelece um padrão baseado nos seus 10 princípios – por exemplo, conformidade com as leis nacionais, um compromisso de melhorar o bem-estar dos trabalhadores, um plano de gestão florestal atualizado –, que é então conferido às operações florestais por empresas de menor dimensão, que é então atribuído por auditores independentes, contratados pelas empresas madeireiras e manufatureiras para realizarem revisões programadas e pré-anunciadas. Se esses grupos se recusarem a conceder a certificação, as operações madeireiras podem simplesmente procurar e até encontrarem um auditor disposto a receber o cheque ‘cala boca’ e conferir a certificação e o selo. Talvez seja desnecessário dizer que tal sistema inicia uma corrida para o fundo do poço. Desde que o FSC surgiu em 1993, tem provocado críticas entre os ambientalistas; em 2018, o Greenpeace chamou a organização de “uma ferramenta para silvicultura e extração de madeira”. Não ajuda nada na isenção dos fatos de a Ikea ser o maior consumidor de madeira da rede FSC e ter sido membro fundador do conselho. (A Ikea “é apenas um entre mais de 1.000 membros”, escreveu-me um porta-voz do FSC. “Nossos padrões globais são discutidos e acordados por nossos membros globalmente.”).
Mais de metade da madeira da Romênia é extraída ilegalmente.
Problemas semelhantes aparecem em toda a cadeia de abastecimento. A Ikea tem contratos com fabricantes, que têm de adquirir madeira suficiente para transformar em peças de mobiliário para cumprir os seus contratos. Os fabricantes solicitam serrarias, que precisam produzir madeira suficiente para abastecer as fábricas. “Depois de assumirem esse compromisso, eles terão que encontrar a madeira para a Ikea por bem ou por mal”, disse Ganesh. “Isso muitas vezes pode resultar em cortes no meio ambiente ou na legalidade.”
Quando alguém na cadeia é preso por usar fontes ilícitas ou insustentáveis – por exemplo, se uma fábrica que fabrica cadeiras dobráveis para a Ikea é flagrada por adquirir madeira de uma floresta legalmente protegida na Polônia – a Ikea pode simplesmente se distanciar e alegar ignorância, um elemento básico da subcontratação em qualquer setor. A estratégia contribui para relações públicas adequadas, mas desmorona ao menor escrutínio. Estas empresas contratadas, pelo menos na Romênia, muitas vezes ostentam as cores amarelas e azuis ou trabalham exclusivamente com a empresa; alguns até hasteiam a bandeira sueca. Em 2020, a fábrica romena Plimob foi apanhada por utilizar madeira ilegal nas suas cadeiras; ostenta o azul e o dourado em seu portão, visíveis até no Google Street View. A Plimob vende 98% de seus produtos para a Ikea.
Uma investigação da Earthsight, a organização do Reino Unido, descobriu que madeira de faia ilegal da Ucrânia, recolhida pela empresa de processamento de madeira VGSM, estava sendo utilizada na produção de cadeiras Ikea fabricadas pela Plimob, como também enviadas diretamente para a Ikea. Juntas, a Plimob e a Ikea receberam 96% da madeira de faia da VGSM, aceitando remessas quase todos os meses entre 2018 e 2020. Egger, outro fornecedor romeno da Ikea, também foi preso por importar madeira ilegal. Uma investigação descobriu que a linha de móveis infantis da empresa, Sundvik, era feita com pinho ilegal da Rússia siberiana. Uma equipe da Al Jazeera na Romênia seguiu um caminhão cheio de madeira ilegal até um pátio de toras que abastece a Kronospan, um fornecedor da Ikea que fabrica enormes volumes de aglomerado, um elemento-chave do mobiliário da Ikea. Todas essas empresas – VGSM, Plimob, Egger e Kronospan – são certificadas pelo FSC (nt.: destaque dado pela tradução para mostrar como tudo demonstra ser uma criminosa máfia capitalista!!). Num caso infame de 2015, a HS Timber (então chamada Schweighofer), certificada pelo FSC, a principal processadora de abetos da Romênia, foi apanhada por uma câmara escondida se comprometendo não só comprar madeira ilegal, mas também pagar um bônus por ela. Em 2016, o FSC suspendeu provisoriamente a certificação da empresa e, um ano depois, rompeu os laços; A Ikea esperou até a decisão final do conselho de se dissociar.
Poderia ser mais fácil para a Ikea patrulhar o seu consumo se utilizasse a sua própria madeira, mas afirma que poucas das florestas que possui na Romênia acabam na sua produção de mobiliário. Em vez disso, a empresa tem vendido concessões madeireiras a empresas que aparentemente extraem lenha, um empreendimento totalmente separado. Mas também essas participações oscilam no interstício entre o legal e o ilegal.
A Ikea comprou as suas terras a uma fonte improvável: a doação da Universidade de Harvard, que arrebatou propriedades romenas depois de uma lei pós-comunista de restituição de terras ter deixado um rasto de sistema de privatização, entregando metade das florestas públicas do país a interesses privados. A partir de 2004, a universidade, recorrendo a várias entidades e organizações sem fins lucrativos, começou a comprar muito com a ajuda de um empresário romeno, Dragos Lipan. Algumas dessas participações foram vendas imediatas de reivindicações de restituição duvidosas, e Harvard logo se viu em apuros legais. Em 2015, Lipan tinha recebido uma pena suspensa de três anos por suborno e branqueamento de capitais relacionados com esses negócios, e Harvard estava no tribunal lutando pela legitimidade das suas reivindicações. No mesmo ano, a universidade, pronta para lavar as mãos no negócio, encontrou um comprador disposto na Ikea. Com um braço de investimentos, a empresa comprou quase 34 mil hectares da Universidade de Harvard. Em 2016, acrescentou mais 12.800 hectares à sua exploração, elevando as suas explorações para 46.700 hectares no total. Hoje, o maior proprietário e operador de lojas de varejo Ikea, a Ingka Investments, tem cerca de 50.000 hectares no seu portfólio. À medida que as propriedades mudaram de mãos, a mancha da ilegalidade tornou-se cada vez mais ténue. A empresa não enfrenta nenhum risco sério de perder essas participações nos tribunais.
As florestas da Ikea também são certificadas pelo FSC; essas florestas também têm sido locais de abuso. Não muito antes de eu chegar à Romênia, uma equipa da BBC encontrou um corte raso – não necessariamente ilegal, mas certamente não ambientalmente saudável – numa floresta da Ikea, na província de Maramures, no norte do país. E apesar de ter se dissociado formalmente da HS Timber, descobriu-se que a Ikea estava vendendo concessões para que essa empresa também derrubasse suas próprias florestas.
Eu sabia que precisava ver pessoalmente uma floresta de propriedade da Ikea; o desafio era encontrar uma para visitá-la com segurança. Qualquer uma das vastas participações da empresa em Suceava parecia imprudente após o ataque; no condado vizinho de Maramures, onde o guarda florestal Pop havia sido assassinado há menos de dois anos, era garantido que eu veria um corte raso, mas continuava sendo muito perigoso em um dia de trabalho.
Resolvi, finalmente, ir para Focsani, perto de uma floresta de baixa altitude onde a Ikea possui cerca de 5.000 hectares, numa região onde a empresa também enfrentou os maiores problemas jurídicos. Barbu, o investigador, concordou em se juntar a mim, assim como Andrei, como parte de sua própria pesquisa. Há apenas alguns meses, a Agent Green, a ONG romena, identificou o que disse ser um corte raso sem licença e sem uma avaliação de impacto ambiental numa floresta antiga de propriedade da Ikea, adjacente ao sítio Valea Neagra Natura 2000, que continha árvores de 130 a 150 anos. Eu tinha visto as fotos do rescaldo marciano. O grupo apresentou uma queixa; os resultados chegaram recentemente.
No caminho, revisamos as conclusões do auditor, compiladas pela Associação Britânica de Solos, uma certificadora do FSC. Apesar das evidências fotográficas e da falta de uma avaliação de impacto ambiental, a revisão concluiu que a empresa estava impecável. Andrei leu em voz alta, incrédulo. “Eles começaram a extrair madeira aqui há dois anos e ainda não têm licença. OK. E o FSC não tem problema com isso, não menciona que está infringindo a lei. Eles estão apenas dizendo que fizeram ‘esforços’ para cumprirem a legislação.”
Dirigimos por colinas marcadas não apenas pela exploração madeireira, mas também por deslizamentos de terra. O solo aqui é espesso com argila, que desliza quando sua vegetação é removida, tornando a exploração madeireira futura mais difícil e a regeneração de qualquer tipo ainda mais difícil, uma “surpresa desagradável” para os projetos da Ikea na área. Andrei riu sombriamente. “Eles não fizeram o dever de casa.”
Quando chegamos ao local, estava mais verde do que eu esperava. Ervas nativas e arbustos de plantas pioneiras cobriram as partes mais áridas do terreno. Uma árvore solitária sobrevivente apareceu. Contamos um punhado de mudas de carvalho, nenhuma delas mais alta que a altura da canela. O crescimento mais impressionante veio na forma de um tomateiro que começou a frutificar, provavelmente um vestígio do almoço de um madeireiro.
Por causa da denúncia, a área recebeu muita atenção do público, o que, segundo me disseram, significava que o local ficaria inativo. Mas enquanto caminhávamos, ouvimos a lamúria distante e familiar de motosserras. O mais alarmante é que, quando as serrarias cessaram, ouvimos o barulho das árvores atingindo o solo da floresta, uma evidência mais evidente de exploração madeireira ativa em algum lugar próximo. Andrei lançou o drone e avistou a operação do outro lado da estrada onde havíamos estacionado. “De jeito nenhum”, disse Barbu. “Muitos jornalistas têm coberto isso e têm vindo para a área, então acho que seria tolice tentar algo totalmente ilegal.”
Caminhamos até encontrar um serviço telefônico e verificamos nossas coordenadas no SUMAL, o banco de dados on-line, para obter licenças de registro ativo. Surgiu uma licença: para rarituri — a palavra romena para “desbaste” — emitida à Ingka Investments, o braço de propriedade retalhista da Ikea. A licença permitiria aos madeireiros remover pequenas mudas, crescimento que poderia impedir o bem-estar geral da floresta, bem como árvores doentes ou mortas. Mas mesmo a centenas de metros acima do solo, podíamos dizer que não era isso que estava acontecendo. “Essas também são toras muito grandes. Estes são bons registros comerciais. Isso não é algo que você tiraria do rarituri ”, disse Barbu.
Deliberando, tomamos uma decisão: entraríamos no local, registraríamos a atividade e enfrentaríamos os madeireiros, com Barbu filmando. Andrei enviou uma mensagem de texto com nossa localização para um colega externo como parte de um protocolo de segurança. Para proteger sua condição de infiltrado e ajudar a facilitar uma saída mais rápida em caso de emergência, ele permaneceria no carro; Barbu – e por processo de eliminação eu também – cuidaria do confronto. Obter imagens de exploração madeireira ilegal como esta reforçaria um caso futuro contra as práticas de gestão florestal da Ikea, mas com algum risco. “Porra”, Barbu murmurou, colocando cartões de memória em sua câmera. “Não estou com vontade de apanhar.”
Entramos no carro e dirigimos até a clareira onde as toras derrubadas estavam sendo empilhadas. Uma pedra bloqueava o caminho. Saí do carro e joguei-o para fora da estrada.
Lá fora, Barbu começou a filmar, narrando em romeno e explicando em inglês para meu benefício. Grandes troncos recentemente cortados estavam empilhados atrás de um trailer. “Cortou horas atrás”, acrescentou. Do outro lado da clareira, encontramos uma estação onde aquelas toras eram divididas em cordas para servir de lenha. Na entrada da mata, uma grande placa anunciava a operação. Tal como a base de dados indicava, lia-se RARITURI e INGKA INVESTMENTS. Em nenhum lugar vimos troncos ou mudas com aparência doente; Colocando em prática um pouco da sabedoria da escola primária, contei anéis que colocam as árvores em algum lugar na faixa de 80 a 100 anos. Também estavam ausentes os madeireiros que havíamos visto no drone e que esperávamos encontrar.
Então ouvi um motor vindo não da direção da floresta, mas da estrada atrás de nós. Um SUV prateado entrou na clareira e Barbu foi falar com o motorista. O homem alegou não estar associado à operação madeireira, disse-me Barbu. Mas, o que é preocupante, ele também se recusou a mover o carro quando Barbu apontou que ele estava obstruindo o único caminho entre o local de extração de madeira e a estrada. A partir daí, ficamos bloqueados.
Poucos minutos depois, um trator vermelho emergiu da floresta arrastando três grandes troncos. “Você está pronto para isso?” Barbu me perguntou. Seguimos o madeireiro a pé até a pilha, onde ele parou o motor, saiu da cabine e começou a desacorrentar as novas toras. Com a câmera rodando, Barbu apontou para a licença, para a estação de corte de lenha e para as toras que haviam acabado de ser derrubadas. O madeireiro gritou de volta. O aldeão saiu do seu Toyota e veio filmar a conversa também. Procurei uma pedra para agarrar caso as coisas mudassem. Mas os números estavam do nosso lado – o resto da equipe madeireira permaneceu na floresta – e a conversa nunca ficou violenta. Depois de alguns minutos, o madeireiro voltou para o trator e saiu. Nós também voltamos para o carro.
“Ele estava tentando me dizer que mesmo para desbastar, você ainda pode cortar árvores grandes e saudáveis acidentalmente”, Barbu me contou. “E eu disse: ‘Olha, mas isso é uma grande pilha de acidentes’. Ele disse: ‘Sim, bem, isso é permitido. E se precisar de mais respostas, vá ao escritório da administração.’” “O que é justo”, acrescentou Andrei, “porque ele só corta o que está marcado.” O escritório de gestão, claro, é o escritório regional da Ingka.
No meu último dia na Romênia, passei pela loja da Ikea em Bucareste, curioso para saber se haveria alguma indicação do investimento da empresa no ambiente local, qualquer exibição dos seus compromissos de sustentabilidade num país onde eles pudessem realmente ser visíveis. Armado com o aplicativo de tradução do Google, esgueirei-me pelo showroom, encontrando conjuntos de jantar de madeira de faia, aglomerado de abeto e muito mais, mas nenhuma menção à herança da cidade natal dos móveis. No lobby, um display dizia: USAMOS MADEIRA COM RESPONSABILIDADE. Saí de mãos vazias, sem intenção de voltar.
A Ikea torna difícil rastrear a procedência de seus móveis. Muitas vezes, numa caixa Ikea se afirma um país de origem que indica apenas o último elo da cadeia de produção: MADE IN VIETNÃ, por exemplo. Às vezes dir-lhe-á ainda menos: FEITO NA UNIÃO EUROPEIA. Internamente, porém, a empresa acompanha de perto os pontos de origem. Uma série de números na caixa, inescrutáveis para o leigo, pode indicar um determinado fabricante ou contrato dentro de um país. Esses códigos permanecem rigorosamente guardados e são frequentemente alterados, mas no decurso da minha reportagem, fui informado da cifra da Plimob, o fabricante da Ikea na Romênia que foi recentemente exposto por utilizar madeira extraída ilegalmente numa série de produtos de baixo custo da Ikea, as cadeiras emblemáticas. Resolvi voltar mais uma vez à Ikea, desta vez em Nova York, em busca de algo que se enquadrasse no perfil.
O cais de carga do armazém do Brooklyn estava vazio quando cheguei lá. Especialmente para itens populares e de baixo preço, muitas vezes é difícil encontrar estoque nesta loja, que atende grande parte da cidade de Nova York. Era final de novembro e os problemas da crise da cadeia de abastecimento ainda eram evidentes nas prateleiras vazias.
Mesmo assim, encontrei móveis fabricados na Bulgária e na Polônia e, finalmente, na Romênia. Em uma pilha de cadeiras Rönninge verdes, uma das marcas mais sofisticadas, localizei o código Plimob. A cadeira custou US$ 95.
Este artigo foi publicado na edição impressa de março de 2022 com o título “Crime e Silvicultura”.
Tradução livre, de Luiz Jacques Saldanha, dezembro de 2023.