Peixes nadam em um naufrágio perto de Recife, Brasil. O fundo do mar da chamada ‘Amazônia Azul’ do país é alvo de interesse da mineração, mas especialistas alertam que pode prejudicar o meio ambiente e a biodiversidade oceânica (Imagem: Luiz Puntel/Alamy)
27 de outubro de 2022
O fundo do mar rico em minerais da costa do Brasil está atraindo grande interesse. Mas a extração não regulamentada terá impactos irreversíveis nos ecossistemas costeiros e marinhos.
Você pode não ter ouvido falar da “Amazônia Azul”. Este é o território marítimo brasileiro, ou zona econômica exclusiva (ZEE), que abrange uma área de 3,6 milhões de quilômetros quadrados contornando a costa do país, e é assim chamado por seu tamanho que equivale à superfície da floresta amazônica.
Assim como a própria Amazônia, é também uma área abundante em riquezas naturais e minerais – algo que tem despertado grande interesse no Brasil, dado o direito especial do país a esses recursos dentro de sua ZEE.
Além da ZEE, há também uma atenção cada vez mais intensa – e negociações em andamento – sobre mineração em águas profundas em águas internacionais. O Brasil quer expandir sua jurisdição para explorá-las e potencialmente minerais além dos limites de sua costa atlântica. Mas especialistas alertam que, dada a falta de estudos e legislação específica atualmente em vigor, tais atividades podem causar sérios danos ao meio ambiente oceânico.
Quais substâncias são encontradas na Amazônia Azul?
Fosfato, ilmenita, sais de potássio, sais-gema e até carvão estão entre os minerais e depósitos para os quais foram feitos pedidos de exploração e aproveitamento na Amazônia Azul.
Um grande número de solicitações também foi feito para a recuperação de areia e rocha calcária do fundo do mar.
A Agência Nacional de Mineração (ANM) do Brasil registrou 765 solicitações ativas de mineração na área marinha do país, abrangendo uma área superior a 1 milhão de hectares. Desses pedidos, mais de 70% foram feitos desde 2010, 398 têm autorização para pesquisa, 44 aguardam autorização para iniciar a lavra e 50 já obtiveram a concessão. Outros 268 estão em fase inicial de solicitação de pesquisas e cinco estão abertos a solicitações de prospecção.
O que já está sendo explorado e por quem?
A ANM já autorizou a extração de duas substâncias no sistema marinho costeiro brasileiro: areia e calcário. Para o fosfato – a substância de maior interesse do setor de mineração na ZEE brasileira – ainda não houve concessões, mas há 279 solicitações em aberto, abrangendo um total de 531 mil hectares, apresentadas por 20 empresas ou pessoas físicas. O fosfato é um material fundamental para a produção de fertilizantes, assim como muitos produtos de uso diário, incluindo alimentos, cosméticos e eletrônicos.
Atualmente, apenas duas empresas produzem calcário de origem marinha no Brasil. De acordo com a ANM, a substância explorada é utilizada na produção de fertilizantes e nutrição animal, bem como na aqüicultura de camarão, tratamento de água e suplementos vitamínicos e minerais.
A Oceana Minerals, com sede em São Paulo, obteve seis concessões de mineração em 2010, cobrindo uma área de 11.100 hectares na costa do estado do Maranhão. Enquanto isso, em 2013, a PrimaSea foi autorizada a explorar calcário em cinco concessões, totalizando pouco menos de 5.000 hectares ao largo do estado da Bahia, na costa leste do Brasil. A empresa baiana utiliza o calcário extraído para a fabricação de cimento.
Quais são os riscos da mineração na Amazônia Azul?
Segundo a ANM, “a atual legislação que regulamenta a pesquisa mineral e a mineração no Brasil não faz distinção entre áreas submarinas e terrestres”.
Mas sem regulamentação específica oceânica, a atividade de mineração pode levar ao colapso dos ecossistemas costeiros marinhos, alerta Paulo Horta, biólogo marinho e professor da Universidade Federal de Santa Catarina: “Vamos produzir commodities úteis para a agricultura e outras esferas econômicas, mas vamos comprometer o funcionamento do sistema oceânico, que é um sumidouro de carbono.”
Horta destaca a perturbação que as atividades extrativas podem trazer sobre os chamados ecossistemas de “carbono azul” que capturaram grandes quantidades de emissões. “O oceano absorveu aproximadamente 25% do carbono que emitimos desde a Revolução Industrial. Ao minerar, liberamos o que já foi armazenado e prejudicamos a capacidade do oceano de continuar armazenando”.
Comunidades de criaturas marinhas são vistas em um leito de rodolitos nas águas do sul do Brasil (Imagem: PA Horta / Wikimedia Commons / CC-BY-SA-4.0)
Segundo Horta, um dos maiores riscos da mineração marinha é a dispersão de sedimentos do solo, ou plumas, que podem prejudicar ecossistemas importantes, como o banco de rodolitos que se estende por 231 mil km2 de Santa Catarina, no sul do Brasil, até a foz do rio Amazonas, entre os estados do Amapá e Pará, no norte do país.
Cobiçados para a produção de fertilizantes, os rodolitos são algas ricas em carbonato de cálcio, essenciais na formação dos recifes, e são grandes acumuladores de carbono. Os leitos de rodolitos deste banco atlântico teriam sido alvo do governo brasileiro para extração.
Horta acrescenta que as plumas podem reduzir a capacidade produtiva deste banco de rodolitos em 70%: “É um cenário muito grave, porque muitas das mais de 700 aplicações são para áreas rasas. Mas mesmo aqueles que estão em águas profundas produzem plumas que podem se dispersar por dezenas ou centenas de quilômetros.”
Além disso, diz o cientista, as atividades extrativistas e os distúrbios que causam, colocariam em risco a subsistência de milhares de famílias que vivem da pesca, do turismo e da maricultura nas águas brasileiras.
Existem alternativas para a mineração desses recursos?
Horta defende soluções baseadas na economia regenerativa. Em vez de esgotar certos recursos naturais, uma alternativa de menor impacto à mineração marinha é o cultivo regenerativo de algas marinhas. Esta abordagem permite o cultivo de algas em ambientes marinhos que podem ser utilizadas para a produção de biofertilizantes, e traz uma série de co-benefícios ambientais e sociais.
Cultivo tradicional de algas marinhas na província chinesa de Fujian, onde espécies como Saccharina japonica (konbu) são cultivadas em cordas penduradas entre postes de bambu em áreas de maré (Imagem: Alex Berger / Flickr / CC BY NC)
“Dessa forma, não apenas removemos o dióxido de carbono da atmosfera, mas também cobrimos os danos da [produção] de nitrogênio e fósforo que hoje criam zonas mortas ao redor do planeta”, diz o cientista.
Para ele, essa alternativa poderia ser implantada ao longo dos quase 8 mil quilômetros do litoral brasileiro, gerando emprego e renda e reduzindo a dependência de fertilizantes importados, além do potencial econômico para as indústrias farmacêutica e cosmética.
Onde estão os hotspots de mineração marinha do Brasil?
Mais da metade dos pedidos de mineração à ANM envolvem blocos em águas mais rasas próximas à costa brasileira, em uma área conhecida como margem continental. “Esta é a área mais interessante para o aproveitamento não só dos recursos minerais, mas do espaço marinho como um todo, com energia das ondas, eólica e hidrogênio verde”, disse Luciana Felício, chefe da divisão de geologia marinha do Serviço Geológico do Brasil (SGB). – CPRM), órgão estadual que pesquisa os recursos minerais do país.
As águas rasas são a área mais interessante para aproveitar não apenas os recursos minerais, mas também a energia das ondas, do vento e do hidrogênio verde
No entanto, esta área ainda demanda mais estudos. “Precisamos conhecer o relevo do fundo do mar, as condições oceânicas, as correntes e a linha de base ambiental da área para que os benefícios sejam compensados sem grandes danos ao meio ambiente”, acrescentou Felício.
Um dos programas atuais do SGB envolve um mapeamento mais abrangente das regiões rasas brasileiras, para aprofundar o conhecimento de geologia, dinâmica oceânica e questões ambientais. Segundo Felício, esse será um grande foco da agência a partir do próximo ano. Seu plano para 2023 a 2027 concentra-se na costa nordeste do país, entre outras áreas.
O que a ONU tem a ver com a mineração no fundo do mar?
A International Seabed Authority (ISA) é uma agência da ONU que define as regras para a extração de minerais marinhos. A questão teve destaque na segunda Conferência do Oceano da ONU em Lisboa, em junho.
Mas a mineração em alto mar que ocorre fora da jurisdição dos países ainda carece de regulamentação pela ISA, apesar de ser objeto de enorme interesse econômico. O estado insular de Nauru, no Pacífico, liderou a cobrança para permitir o início da mineração do fundo do oceano em alto mar, invocando uma cláusula que permitiria iniciar as atividades em meados de 2023, independentemente das regras em vigor.
Do outro lado do argumento, muitos cientistas e ativistas usaram a recente conferência da ONU para pressionar por uma moratória na mineração oceânica até que mais estudos sobre seus impactos sejam feitos.
A Elevação do Rio Grande: uma nova fronteira?
Desde 2009, o SGB estuda a Elevação do Rio Grande, cadeia de montanhas submarinas distribuídas por uma área de cerca de 150 mil km2, com profundidade aproximada de 3 mil metros. Essa região de águas profundas está fora da jurisdição brasileira, a cerca de 2.300 km da costa ao sul do país. Durante as primeiras expedições ao Rise, os pesquisadores identificaram a presença de metais como manganês, cobre e cobalto.
Para aprofundar os estudos, o SGB assinou um contrato de 15 anos com o ISA em novembro de 2015. As pesquisas logo identificaram estruturas rochosas semelhantes às da costa brasileira. Então, no final de 2018, o Brasil fez um pedido à Comissão da ONU sobre os Limites da Plataforma Continental para reivindicar a Elevação do Rio Grande e outras áreas dentro de sua jurisdição. Se aprovado, o ZEE brasileiro passaria a ser de 5,7 milhões de km2.
A reclamação ainda não foi analisada pela comissão. O Brasil não tem permissão para exploração econômica da Elevação do Rio Grande enquanto aguarda uma resposta.
Os grandes players estão monitorando esse mar de possibilidades?
As operações brasileiras em alto mar ainda estão em fase de pesquisa e ainda não atraíram o interesse das empresas nacionais, diz Felício. A ANM não recebeu solicitações de pesquisa mineral em águas profundas.
A Petrobras, a gigante petrolífera brasileira parcialmente estatal, já está ciente da presença de marcas na elevação do Rio Grande; são depressões tipo crateras no fundo do mar onde ocorrem lançamentos de fluidos e gases, principalmente metano, que podem sinalizar a presença de hidrocarbonetos. No entanto, a empresa informou neste relatório que não prevê, no momento, explorar a área, devido à escassez de estudos.
Desde 2017, Maila Guilhon estuda estratégias e diretrizes para preservar os ecossistemas em águas internacionais onde a exploração mineira pode ocorrer. Para a bióloga, não está claro se o Brasil quer minerar em alto mar. Apesar de ser o país com maior domínio de pessoal, infraestrutura e técnicas de pesquisa científica no Atlântico Sul, “o Brasil não tem tecnologia para fazer essa exploração” e teria que fazer parcerias internacionais.
Além disso, o país carece de uma estrutura regulatória para mineração em águas profundas. “É muito importante ter uma base regulatória, como uma ‘Lei do Mar’, para que tenhamos princípios norteadores e boas práticas ambientais”, acrescenta Guilhon. “Dependendo do que for feito, o princípio da precaução é o primeiro ponto a ser levado em consideração, além da participação da sociedade civil.”
Guilhon está realizando parte de sua pesquisa de doutorado no Institute for Advanced Sustainability Studies em Potsdam, Alemanha, em contato com várias partes envolvidas nas discussões em andamento sobre mineração em alto mar. China, Índia, Rússia e Reino Unido são alguns dos principais países interessados em realizar tais atividades, enquanto nações da União Européia, América Latina e Caribe têm manifestado sua oposição a essa exploração e potencial exploração.
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, novembro de 2022.