Uruguai vai vetar compra de terras por estatais estrangeiras.

O governo do Uruguai nos próximos dias deve fazer aprovar no Congresso do país um projeto que veta a aquisição de terras no país por estatais estrangeiras. A proposta, que é de autoria da Frente Ampla, o partido governista, e conta com o endosso do presidente José Mujica, prevê ainda um recenseamento para se definir qual a quantidade de terra no país está em poder de estrangeiros. Desde que assumiu, Mujica adotou diversas medidas para tentar controlar investimentos no campo.

 

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A reportagem é de César Felício e publicada no jornal Valor, 20-05-2013.

“É uma medida preventiva. Sabemos que empresas controladas por governos, sobretudo de Emirados Árabes Unidos e Qatar, estão querendo investir aqui e isso equivale a uma colonização com dólares”, disse o senador Ernesto Agazzi, da Frente Ampla, ex-ministro da no governo Tabaré Vázquez (2005-2010). Não há dados seguros sobre qual a parcela dos 16 milhões de hectares de terras agrícolas do Uruguai que está em mãos estrangeiras, já que o Estado não examinou a origem dos capitais das pessoas jurídicas que são proprietárias de 43% da área. Mas a “estrangeirização da terra” é tratada no país como uma ameaça.

De acordo com um estudo de 2010 da agência da ONU para agricultura e alimentação (FAO), há 106 milhões de hectares em posse de estrangeiros em um levantamento feito em 79 países. No Brasil haveria 3,7 milhões de hectares e na Argentina, 2,7 milhões. O Uruguai não foi incluído no estudo. Os países do golfo Pérsico, cujas empresas investidoras são em sua maioria controladas pelos governos locais, possuem 15 milhões de hectares em outros países. A China é detentora de outros 11 milhões de hectares e a Coreia do Sul, onde também prevalece o Estado entre as empresas investidoras nesse segmento, possui 5,1 milhões de hectares.

O mercado de terras no Uruguai tem sido objeto de um gigantesco aumento de demanda nos últimos anos, que fez com que o preço do hectare se multiplicasse de US$ 448 em 2010 para US$ 3.477 em média em 2012. “Ninguém pode dizer com segurança quem está comprando o quê e no Uruguai não há ainda lei alguma que regule o tema”, comentou Agazzi. De acordo com o senador, “muitos produtores foram obrigados a liquidar patrimônio para se manterem solventes e a suposição é que os compradores sejam estrangeiros em sua maioria”.

O setor rural tem sido um alvo preferencial da Frente Ampla desde o governo anterior, em que Mujica chegou a ser ministro da Agricultura. O primeiro passo, dado ainda no governo Tabaré, foi proibir que as terras fossem adquiridas por sociedades anônimas controladas por “offshores” ou com propriedade ao portador.

Agora está pronto para a sanção presidencial de Mujica um projeto que reinstitui a cobrança de um Imposto sobre a Renda Rural, que estava com a exigibilidade suspensa desde a crise financeira de 2002. No início do ano, Mujica foi obrigado a cancelar um Imposto sobre a Concentração de Imóveis Rurais, que foi declarado inconstitucional pela Suprema Corte do país.
Neste mês, o governo começou a exigir dos produtores de trigo e de cevada, responsáveis por uma safra da ordem de 2 milhões de toneladas por ano, a apresentação de um plano quinquenal de produção. Todos os planos terão que contar com a autorização do Ministério da Agricultura.

Os triticultores que não cumprirem com as metas estipuladas para produção e manejo ambiental estarão sujeitos a multas financeiras. A norma não prevê, entretanto, a possibilidade de desapropriação da área em caso de descumprimento do plano. O mesmo tipo de exigência deverá ser ampliado a médio prazo para outros setores da produção uruguaia, como a sojicultura e a pecuária.

As medidas estão provocando o aumento da insatisfação das lideranças patronais do meio rural contra o governo, que atribuem parte da ofensiva à situação política: Mujica não pode se reeleger, e o favorito para sucedê-lo em 2015 é seu antecessor, Tabaré Vázquez. “É fácil bater no campo, não temos muito votos nem apoios. É eficaz esta mensagem de que se vai tirar do que mais tem para dar ao mais despossuído, embora esteja distante da realidade. Esta hostilidade em relação ao campo se pode sentir diariamente”, afirmou o presidente eleito da Federação Rural, Carlos Uriarte, em entrevista o jornal uruguaio “El País”.