Saúde: Câncer em ascensão – Brasil e América Latina no olho do furacão global

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Daniela Barros

26 set 2025

[Nota do Website: Informação importante que nos coloca do hoje para o futuro. Ou seja, a relação das gerações de agora para os novos tempos. E assim podemos ir adequando ou readequando a forma como iremos cooperar com nossas crianças no tempo do hoje para frente com mais saúde e higidez].

Uma análise sistemática do Global Burden of Disease Study 2023, publicada em 24 de setembro no periódico The Lancet, estima que em 2050 haverá no mundo 30,5 milhões de novos casos de câncer e 18,6 milhões de mortes anuais pela doença, o que representa aumentos de 60,7% e 74,5% em relação a 2024. 

Segundo o estudo, o impacto será desproporcionalmente maior em países de baixa e média rendas, incluindo o Brasil e seus vizinhos latino-americanos, onde a carga da doença já cresce rapidamente.

O câncer já é a segunda principal causa de morte no mundo, atrás apenas das doenças cardiovasculares. Para dimensionar sua carga e projetar cenários futuros, mais de 400 especialistas analisaram dados de 204 países coletados de 1990 a 2023. A análise estimou taxas de incidência, prevalência, mortalidade, anos de vida perdidos e anos de vida perdidos ajustados por incapacidade para 47 tipos de câncer, com previsões até 2050.

O objetivo dos pesquisadores foi mapear a evolução da carga do câncer, identificar fatores de risco modificáveis e avaliar o progresso em direção à meta 3.4 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU). 

Essa meta, conhecida por ODS 3.4, integra a Agenda 2030 e prevê reduzir em um terço, até 2030, a mortalidade prematura por doenças não transmissíveis, como câncer, doenças cardiovasculares, diabetes e enfermidades respiratórias crônicas, por meio de ações de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento adequado, além da promoção da saúde mental e do bem-estar.

Retrato mundial

As estimativas do Global Burden of Disease Study 2023 foram feitas com base em registros de câncer, dados vitais e entrevistas com familiares de pacientes falecidos, além de modelos estatísticos como Cause of Death Ensemble model (CODEm), Mortality-to-Incidence Ratios (MIRs) e AutoRegressive Integrated Moving Average (ARIMA) para preencher lacunas de regiões com pouca informação. 

Em 2023, foram registrados 18,5 milhões de novos casos de câncer (excluindo tumores de pele exceto melanoma) e 10,4 milhões de mortes, o que resultou em 271 milhões de anos de vida perdidos ajustados por incapacidade. No mesmo ano, os tumores mais incidentes no mundo foram os de mama (2,3 milhões de casos), de pulmão (2,3 milhões), colorretal (2,29 milhões), de próstata (1,41 milhão) e de estômago (1,26 milhão). Em termos de mortalidade, lideraram os de pulmão (2,04 milhões de óbitos), seguido por colorretal (1,11 milhão), de estômago (935 mil), de mama (778 mil) e de esôfago (577 mil).

O estudo também destacou que quase 42% das mortes por câncer em 2023 foram associadas a fatores de risco modificáveis. O tabagismo respondeu sozinho por 21,4% dos óbitos, seguido por consumo de álcool, dieta inadequada, obesidade e glicemia elevada, além de sexo desprotegido em alguns contextos. 

Apesar de uma redução global de 24% nas taxas padronizadas de mortalidade desde 1990, os países de baixa renda mostraram aumento tanto em taxas quanto em números absolutos. “O [número de casos de] câncer continuará a crescer substancialmente nas próximas décadas, com impacto desproporcional em países com recursos limitados”, alertou, em um comunicado à imprensa, a primeira autora do estudo, Dra. Lisa Force, vinculada ao Institute for Health Metrics and Evaluation.

O coautor Dr. Theo Vos reforçou: “Com 4 em cada 10 mortes por câncer ligadas a fatores de risco estabelecidos, como tabagismo, dieta inadequada e glicemia elevada, existem oportunidades enormes para prevenção. Os países podem reduzir esses riscos e, com isso, evitar milhões de casos e salvar vidas”.

Para o Brasil, isso significa investir em prevenção, acesso equitativo ao tratamento oncológico e integração dos sistemas de informação. A sobrecarga projetada até 2050 reforça a urgência de fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) e reduzir as disparidades regionais.

Brasil e América Latina

Na América Latina, o padrão acompanha a tendência global de aumento absoluto de casos e mortes, mas com características próprias em cada país. No Brasil, em 2023, a incidência padronizada foi de 162,1 por 100 mil habitantes, um crescimento de 5,9% em relação a 1990. A mortalidade padronizada chegou a 101,2 por 100 mil, representando uma queda de 15,8% no mesmo período. Entre os tumores mais incidentes estão o de mama nas mulheres e o de próstata nos homens. As principais causas de morte foram câncer de pulmão (13,9 óbitos por 100 mil habitantes), colorretal (11,5), de estômago (8,7), de mama (8,6) e de próstata (8,0).

Na Argentina, o câncer colorretal lidera a mortalidade, com taxa de 20,7, seguido pelo de pulmão (20,4), valores significativamente superiores aos do Brasil. O Uruguai se destaca por apresentar taxas muito acima da média regional: a mortalidade padronizada por câncer de pulmão chega a 34,3 por 100 mil habitantes e a de colorretal a 26,5, configurando uma das cargas mais altas do mundo para esses tumores. O Chile exibe um perfil semelhante ao do Japão, com destaque para o câncer colorretal (14,9) e o de estômago (14,7). Já na Colômbia e no Peru, o câncer de estômago é a principal causa de morte por neoplasia, com taxas de 11,2 e 13,8, respectivamente, reflexo da alta prevalência de infecção por Helicobacter pylori, associada à desigualdade socioeconômica.

Na Venezuela, os tumores de pulmão (18,4) e de próstata (17,0) ocupam as primeiras posições, o que reflete a crise sanitária que limita acesso a prevenção e tratamento. No México, a mortalidade está mais associada à transição nutricional: câncer colorretal e de estômago, ambos com 8,3, de próstata (6,9), de mama (6,6) e de pulmão (6,2) são os que mais matam.

Embora heterogênea, a região mostra três padrões recorrentes. O câncer de pulmão ainda é dominante em países com altos índices de tabagismo; o colorretal cresce de forma consistente em áreas urbanas com altas taxas de obesidade e de dieta inadequada; e o de estômago persiste como problema central nos Andes e no Cone Sul, ligado a determinantes infecciosos e desigualdades estruturais.

O Brasil reúne três perfis distintos ao mesmo tempo: o câncer de pulmão segue como principal causa de morte, reflexo dos anos de alto índice de tabagismo; o colorretal cresce rapidamente, impulsionado pela obesidade, pela dieta inadequada e pelo sedentarismo; e o de estômago permanece entre os mais letais, resultado de infecção crônica e desigualdades sociais persistentes.

Esse cenário impõe a necessidade de agendas preventivas complementares. É essencial manter a vigilância sobre tabagismo e consumo de álcool para conter o impacto sobre o pulmão; atuar de forma estruturada para melhorar a nutrição e reduzir as taxas de obesidade para frear o avanço do câncer colorretal; e reforçar estratégias de vacinação, rastreamento e controle de infecções para reduzir a mortalidade associada aos tumores de estômago e de colo do útero.

Os autores do estudo chamam a atenção para a lentidão no cumprimento da ODS 3.4: a redução projetada da mortalidade até 2030 é de apenas 6,5%, muito aquém da meta de 33%. Para mudar essa trajetória, será indispensável ampliar as políticas de prevenção, incluindo vacinação contra HPV e hepatite B, além de fortalecer medidas contra tabagismo, consumo de álcool e obesidade. Também será fundamental organizar programas efetivos de rastreamento, sobretudo para câncer de colo do útero e colorretal, expandir a capacidade instalada em oncologia clínica, radioterapia e cirurgia e reduzir as desigualdades regionais por meio de linhas de cuidado integradas e registros robustos que orientem a alocação de recursos.

Políticas de saúde pública são capazes de mudar o cenário

Nos Estados Unidos, a incidência padronizada de câncer caiu de 427,7 por 100 mil habitantes em 1990 para 341,5 em 2023, enquanto a mortalidade passou de 169,3 para 114,2 no mesmo período, uma redução de 32,5%. Nos Emirados Árabes Unidos, os avanços em políticas de prevenção resultaram em um declínio ainda mais acentuado: a incidência caiu de 234 para 102,9 e a mortalidade, de 201,3 para 87, o que representa uma queda de 56,8%. O Cazaquistão também registrou uma expressiva redução da mortalidade, na mesma ordem de grandeza, enquanto o Vietnã seguiu caminho oposto, com aumento de 56,5% na incidência e de 20,3% na mortalidade. Esses contrastes revelam como fatores como ambiente de risco, rastreamento, acesso ao tratamento e políticas públicas podem moldar as curvas de incidência e mortalidade de formas completamente diferentes.

Em conclusão, a análise sistemática do Global Burden of Disease Study 2023 mostra que, embora as taxas padronizadas de mortalidade por câncer estejam caindo em muitos países, o envelhecimento populacional e o crescimento demográfico projetam um aumento absoluto alarmante até 2050.

No Brasil e na América Latina, o desafio é duplo: frear a transição nutricional que alimenta a ascensão dos tumores colorretal e de mama, sem perder o foco no controle do tabagismo e na luta contra infecções persistentes.

Nesse contexto, reforça-se a mensagem de que a prevenção é a ferramenta mais poderosa, mas precisa ser combinada com acesso equitativo ao diagnóstico e tratamento. O futuro do câncer na região dependerá de transformar esses alertas em políticas eficazes e sustentáveis. “Garantir resultados equitativos para o câncer globalmente exigirá maiores esforços para reduzir disparidades na oferta de serviços de saúde, como acesso a diagnóstico oportuno e preciso, tratamento de qualidade e cuidados de suporte”, finaliza Dra. Lisa.

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