Qual é o problema de plantar cana em áreas já desmatadas na Amazônia?

Um projeto de lei aprovado no Senado brasileiro pode estimular o plantio da cana na Amazônia. O projeto prevê o fim da proibição de crédito para expansão de canaviais na região. A proibição existe desde que foi elaborado um Zoneamento Ecológico e Econômico, pela Embrapa, com participação de associações de produtores de cana. Pelo Zoneamento, a região da Amazônia não foi considerada adequado ao plantio e por isso os produtores não recebem empréstimos ou subsídios para o cultivo. O projeto de lei que muda isso agora vai para a Câmara.

 

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Para reduzir as resistências, o projeto diz que cana deve ser plantada em áreas já desmatadas, respeitando o Código Florestal e regulamentações ambientais locais. No Brasil, os canaviais têm, de certa forma, uma função ambiental. Eles fornecem álcool que substitui combustíveis fósseis nos transportes. Isso reduz nossas emissões causadoras de mudanças climáticas. Entre as consequências previstas pelas mudanças climáticas, pode estar uma mudança no ciclo de chuvas para a própria Amazônia.

Apesar das ressalvas previstas no projeto de lei e de parte da cana servir para combustível limpo, a proposta de mudança no zoneamento não foi bem recebida por ambientalistas. Os motivos para a rejeição são explicados por Paulo Barreto, do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e por Edegar de Oliveira Rosa, da WWF em entrevista a Alexandre Mansur do blog do Planeta da revista Época, 20-05-2013.

Eis a entrevista.

Qual é o problema de liberar o plantio em áreas degradadas de qualquer cultura, seja cana, soja ou couve-flor, na Amazônia, desde que respeitando o Código Florestal e as regulamentações locais?

Edegar Rosa: O zoneamento feito em 2009 levou em consideração as áreas mais aptas para a cana. Foi elaborado pela Embrapa, com concordância das associações de produtores de cana. Ele limita o acesso a crédito nas áreas onde a cana não seria a cultura mais adequada. Usar uma cultura menos eficiente tem maior incidência de pragas e exige um uso maior de terra. Além disso, ela desloca outras culturas, de soja ou pecuária, que podem abrir novas áreas. Isso é desnecessário. O zoneamento já prevê 64,7 milhões de hectares disponíveis para expansão da cana no resto do Brasil. Segundo estimativas da Embrapa, essas áreas em outras regiões do país seriam mais do que suficientes para atender o crescimento da demanda nacional e internacional de açúcar e álcool até 2030.

Paulo Barreto: No curto prazo não há problema nenhum já que a área já desmatada e mal utilizada é imensa. O problema é se o etanol se tornar uma comodity global. Aí seria negativo pois criaria demanda para desmatar mais, mesmo que indiretamente. De fato, se etanol fosse comodity global seria também um problema por competir com a produção de alimento. A produção de etanol de milho nos EUA já vem sendo um problema, pois está encarecendo a produção de frango e gado que se alimentam de milho. Assim, o etanol como biocombustível deve ser limitado em volume e ser considerado como alternativa de transição para outras fontes que náo compitam com alimento.

Será que a polêmica em torno desse projeto não é um desvio de foco? A pecuária não é muito mais impactante na Amazônia?

Edegar Rosa: A pecuária é realmente a atividade que pressiona diretamente a floresta. Mas outras culturas podem gerar uma geração em cadeia, que acaba aumentando a pressão.

Paulo Barreto: Sim, a área de cana equivale a menos de 10% da área de pasto no Brasil. A pecuária ocupa cerca de 60 a 70% da área desmatada na Amazônia.

Plantar cana para produzir biocombustível em área já desmatada, respeitando os limites legais, é uma forma de reduzir as emissões de combustíveis fósseis, que alteram o clima da Terra e podem prejudicar a floresta. Isso não é um ganho ambiental?

Edegar Rosa: Sim. Mas a cana não é a opção mais eficiente ali. Não é só uma decisão de mercado. É uma decisão política, que vai orientar qual o tipo de cultura mais desejada para cada lugar. Óleo de palma, que pode ser usado como biocombustível, é mais adequado na Amazônia. Uma medida que muda o zoneamento para permitir uma cultura não adequada pode servir melhor aos interesses locais. Pode ajudar a valorizar a terra. O município pode tentar atrair investimentos públicos para usinas. Mas não é o melhor para o país como um todo.